>O jogo de verdade

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“Fecha os olhos e adivinha quem é!”

Ah, o Natal! Família, presentes, aves geneticamente alteradas nas mesas de jantar, árvores secando cobertas de penduricalhos frágeis e idiotas, filmes infantis dublados na televisão, um punhado de idiotas testando os fogos de artifício comprados para o Ano Novo, álcool demais na cabeça daquele seu tio xavequeiro e sempre, sempre, alguém roncando na hora de lavar os pratos. Tudo isso, no entanto, está muito longe da verdadeira tradição natalina, daquilo que o Natal realmente significa: NBA. Não me venha com essa de que um cara nasceu há 2 mil anos atrás, por acaso você não viu todos aqueles Lakers contra o Heat, na época em que o Shaq havia sido trocado, ou aquela infinidade de Suns contra o Spurs, mesmo todo mundo sabendo qual seria o resultado? Isso sim é tradição, é por isso que todos nós esperamos um ano inteiro. Deixem as crianças acordarem babando nos presentes (pelo menos naquele curto período de tempo entre as crianças acharem que vão ganhar um Wii e elas enfim descobrirem que ganharam meias e uma camiseta justa demais), nós marmanjos acordamos pela manhã babando com a rodada de Natal na NBA. Todo o resto são apenas obstáculos que tentam nos afastar da simples e pura felicidade de um Lakers enfrentando o Celtics.

Confesso que os obstáculos foram bem grandes para mim esse ano, incluindo família, trânsito, chuva pra burro, um sedutor almoço feito com restos da noite anterior que acabou me tomando mais tempo do que o esperado, e acabei chegando em casa nos segundos finais de Spurs e Suns. Para a minha surpresa, o Suns vencia por dois pontos, mas como perfeitamente esperado por qualquer mamífero bípede que ande sobre a Terra, o Spurs conseguiu uma jogada manjada que permitiu ao Roger Mason converter uma bola de 3 pontos no estouro do cronômetro. O prêmio “Eu escolho Darko Milicic” da noite (em homenagem à escolha de Darko antes de Carmelo, Wade e Bosh) foi para o Jason Richardson, que ao invés de marcar o Roger Mason preferiu pular junto com o Tony Parker sabe-se lá porque.

Chega uma hora em que é preciso admitir a derrota. O Suns em seus tempos de correria fazia tudo direitinho mas alguma coisa sempre acontecia para o Spurs sair com a vitória. Foram quinhentas cestas de último segundo, jogadas perfeitas, erros oportunos, dores de barriga que acabaram dando certo. Com Shaq, mudanças no estilo de jogo, também não foi suficiente. Agora, o Suns é outro time, pelo jeito concentrou as bolas nas mãos de Shaq e de Amaré, que tiveram grandes partidas, num basquete de garrafão. Mas o resultado é sempre, sempre o mesmo contra o time de San Antonio. Coloquem quatro orangotangos com roupas de balé com o Duncan em quadra e ainda assim farão uma cesta de último segundo para vencer o Suns. Joguem o elenco fora, troquem os uniformes, mudem o esporte, coloquem os dois times para se enfrentar no “Passa ou Repassa” e o Suns ganhará na parte das perguntas, apenas para perder na prova final que vale 500 milhões de pontos a mais do que o resto do programa inteiro (sempre me perguntei, pra que se dar ao trabalho de se melecar no “Torta na cara” se o que decide mesmo a budega é a maldita prova final? Eu não participaria.)

Para nossa sorte, o jogo que veio a seguir não tinha um resultado óbvio e previsível. Eu não me conformaria em perder Lakers e Celtics por nada, principalmente levando em conta que eu de fato ganhei meias no Natal e tinha trocado dois jogos da rodada quíntupla por isso. A partida compensou as meias rapidamente, já que desde o princípio o que se apresentou diante de nossos olhos foi a partida mais feia e sensacional da temporada. Feia porque o jogo foi brigado, cheio de capotes, gente se tacando em cima de todo mundo e momentos que lembravam futebol feminino de escola, quando todas as garotas se atiram ao mesmo tempo em cima da bola o tempo inteiro. Mas sensacional pelo resultado, pela qualidade que surgia dessa bagunça. O melhor exemplo foi o tapa de vôlei que o Kobe deu na bola na briga por um rebote, que teria saído pela linha de fundo no outro lado da quadra se o Trevor Ariza não tivesse se atirado para salvar a bola dando uma assistência para o Vujacic no processo, que converteu a cesta apesar de sofrer uma falta. Ou seja, em todos os momentos da jogada, parecia que tudo iria dar errado, mas acabou dando certo. O próprio Trevor Ariza salvou outras bolas semelhantes durante o jogo, numa mistura de basquete, salto em distância e boliche. Em geral nunca é bom quando basquete parece estar misturado com boliche, mas dessa vez deu bastante certo: em parte porque era Natal e qualquer coisa seria melhor do que um par de meias (na verdade, dois pares), em parte porque o clima de final era palpável e o nível do jogo não foi comprometido por isso.

Dava pra saber que o Lakers estava encarando o jogo como se fosse a final da NBA simplesmente porque o Kobe pediu a bola em todas as malditas vezes que seu time esteve no ataque. Acho que não houve uma só vez que Kobe não tenha levantado a mão, desesperado, correndo pra lá e pra cá como um hamster no cio, exigindo receber um passe. No entanto, a marcação que recebeu foi implacável e, desde o começo do jogo, a opção do Celtics foi dobrar em Kobe em todas as ocasiões. Nas poucas vezes em que a marcação não dobrou, em geral porque não houve tempo, ele chutou o traseiro do Ray Allen, então a tática do Boston foi certamente bem acertada. Mas de modo algum suficiente: de fato impediu que Kobe recebesse a bola muitas vezes, e por isso lhe obrigou a demandar passes com tanta frequência, mas todas as vezes que tinha a bola em mãos e sofreu marcação dupla, teve a calma necessária para encontrar um companheiro livre. Colocou constantemente Pau Gasol em condições de pontuar, e foram os 7 pontos nos minutos 3 minutos finais do espanhol que deram a liderança decisiva para o Lakers, que depois foi alargada por lances livres todos apenas pra dar a impressão de que o jogo não foi disputado e impedir o suicídio dos coitados que não puderam ver o jogo. Aliás, se você é um deles, fica aqui a dica: dá pra ver o jogo inteiro, na íntegra, no YouTube. Está dividido em várias partes e, como bem sabemos, não vai durar muito – o David Stern é um velhinho muito entediado e possessivo, terrivelmente pentelho, e olha que ele nem ganhou meias, cuecas e um guarda-chuva de Natal como eu – e portanto quem quiser aproveitar o jogo precisa correr e clicar aqui.

O Gasol sem dúvidas foi um grande diferencial, se compararmos essa partida com a Final da temporada passada entre Lakers e Celtics. Na verdade, os dois times são bem diferentes hoje do que eram então. Pela equipe de Los Angeles, o espanhol está mais entrosado com o time e mais presente no garrafão. Trevor Ariza está saudável, desempenhando um papel importante, e Lamar Odom agora tem uma função diferente, vindo do banco. Mas a maior diferença foi Andrew Bynum, que passou grande parte da temporada passada e teve sua volta adiada mais e mais, até que a Final terminou e ainda estavam dizendo que ele iria voltar “no próximo jogo”. Talvez se os playoffs fossem num formato “melhor de 42 jogos” o Bynum tivesse conseguido voltar, mas a verdade é que, ao menos pelo que vimos na partida de Natal, ele não teria feito tanta diferença assim. Não me entendam mal, o Bynum chuta traseiros e se eu tivesse que apontar um pivô para dominar a próxima década seria ele (ultimamente não ando botando muita fé em Greg Oden), mas ele ainda está longe de dominar os jogos e não influenciou muito no resultado final. Justiça seja feita, deu dois tocos em Rajon Rondo que acabaram desencorajando o armador a tentar de novo, mas no resto da partida foi meio invisível. Sua presença vale, sim, no conjunto geral da obra, porque o Lakers é um coletivo que parece funcionar cada vez melhor e evolui junto. É possível sentir a melhora de todos os jogadores de uma temporada para a outra.

Pelo lado do Celtics, as diferenças também são muitas, e o mesmo conceito da evolução coletiva se aplica. Ao invés de caírem de produção com a partida de James Posey, o time está ainda melhor porque todos os jogadores secundários subiram de nível, pura e simplesmente. Houve uma época em que o Celtics parou de usar o Mark Blount (que hoje em dia fede no Heat, mas na época era titular no Boston) alegando que “Kendrick Perkins é o pivô do futuro”, e eu molhei minhas calças de tanto rir. Agora, quem diria, Perkins está provando que pode contribuir em muitos aspectos que não apenas sendo grande na defesa. O time pode contar com ele dos dois lados da quadra e, por alguns instantes, ele chega até a ser (pasmem!) uma força ofensiva. O reserva Leon Powe também está em alta, até porque ele e o Paul Millsap são clones feitos em laboratório e se o Millsap virou titular com a contusão de Boozer no Jazz e está com médias surreais de pontos, rebotes e até mesmo pontos, Leon Powe não poderia deixar de evoluir. Esses alas fortes, baixos, carregadores de piano, são sempre menospresados e acabam provando seu valor bem rápido. O Powe já tinha salvado um bom punhado de jogos para o Celtics na temporada passada, mas agora está cada vez melhor e impactando ainda mais os jogos. Mas nenhum deles evoluiu como Rajon Rondo. No final de sua primeira temporada, quando acabou sendo titular do Celtics por falta de elenco, já tinha mostrado seu potencial de Jason Kidd, pegando rebotes, puxando contra-ataques e não acertando arremessos. Na temporada passada, primeiro provou que não comprometia a equipe, e depois foi ganhando um jogo ou dois com seus rebotes ofensivos e bandejas inesperadas. Agora, por inúmeras vezes é indiscutivelmente o melhor jogador em quadra, domina jogos sem tentar um arremesso sequer e parece poder pontuar quando bem entender, simplesmente batendo para dentro do garrafão. O técnico Doc Rivers parece ter dado muito mais liberdade para o garoto, que agora divide o fardo ofensivo com Paul Pierce, Garnett e Ray Allen, e não posso deixar de lembrar de Tony Parker, que sempre pareceu poder pontuar quando bem entendesse mas só aos poucos foi recebendo a permissão para isso do técnico Gregg Popovich. Quando digo que o Rondo é uma mistura bizarra entre Jason Kidd e Tony Parker, não quero dizer necessariamente que ele será tão bom quanto os outros dois armadores, mas sim que ele tem traços deles que são impressionantes. Não acho que o Rondo jogaria tão bem em qualquer outro time que não tivesse três grandes estrelas para segurar as pontas, mas isso não é importante: ele tem as estrelas, melhora a cada jogo e o Celtics é um time melhor do que aquele que foi campeão na temporada passada.

Por isso mesmo é tão curioso notar que o Lakers acabou vencendo a partida. Isso deve significar que o time de Kobe e seus amigos é ainda melhor do que o imaginado, ou que o resultado foi apenas uma aberração – o que é difícil de engolir porque, tirando o Tony Allen que teve uma das piores atuações de um jogador não chamado Kwame Brown, o Celtics não jogou particularmente mal. O Lakers, por sua vez, sentiu muito nitidamente a falta de Jordan Farmar, o armador reserva que hoje em dia joga trocentas vezes melhor do que o Fisher, que fedeu bastante. O Farmar tem um dos desenvolvimentos mais perceptíveis e bem-vindos nesse elenco do Lakers mas passará um bom tempo fora, contundido. Se estiver de volta num próximo confronto, o Celtics terá ainda mais problemas para parar o ataque do Los Angeles.

O Boston não lidou bem com a derrota, que foi o fim da sequência de vitórias que compunha o melhor começo de temporada da história. A ressaca de Natal foi tão grande que ontem acabaram perdendo para o Warriors, que não é mais do que uma piada e ainda por cima estava sem Jamal Crawford e Corey Maggette, sem falar no Belinelli titular mais uma vez e finalmente liberto de sua pokébola. É aquela clara sensação de “bah, essa droga de temporada regular não serve para nada”, também conhecida como “Complexo de Ron Artest” (o famoso “será que posso fugir do time para gravar um CD de rap e volto para os playoffs?”). De que adianta ganhar de todos os times se o que importa mesmo é ser capaz de derrotar o Lakers na Final? Os outros times que me desculpem, mas o Celtics não tem muito mais a se preocupar além do Lakers. O Spurs pode vencer o Suns o tempo inteiro, com um pé nas costas e um Roger Mason Jr. na zona morta, e eles até podem de fininho ter ido parar no segundo lugar do Oeste (como diabos eles fazem isso?), mas não parecem ter condições de vencer essa budega. Meu próprio Houston, que em seus altos e baixos alcança uns altos bem altos mesmo, nem sonha em levar um anel pra casa dessa vez. A rodada de Natal, que até teve outros jogos, provou na verdade justamente isso: essa parada é entre Lakers e Celtics, esses serão os jogos de verdade. Talvez seja ainda muito cedo, é verdade, e outros times possam subir freneticamente rumo ao topo. Mas nesse tempo em que estive fora e acabei nem postando, não parei de relembrar os lances do jogo entre as duas equipes, e no fundo é disso que se trata a NBA, grandes jogos inesquecíveis. Por enquanto, poucos podem se igualar a esse grau de intensidade, rivalidade, talento e técnica. Bem, talvez se o Suns ganhasse do Spurs de vez em quando pudessemos ter alguma competição. Mas por enquanto, é pra mim a rivalidade absoluta, o jogo pelo qual eu estou esperando. Minha Final favorita – escolhida com bastante antecedência e pedida para o Papai Noel. Espero ganhá-la como ganhei as meias, a cueca e o guarda-chuva. E gostar, dessa vez.

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