O Mavericks e a zona

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 Nowitzki conta para o árbitro que está chovendo

No sábado, o Dallas Mavericks teve o melhor primeiro quarto que eu já vi na vida – chegando a vencer por 29 a 4 em cima do coitadinho do Utah Jazz. O primeiro quarto espetacular não mostra apenas quão bom esse Mavs realmente é, ele nos mostra também – assim como nos mostra a reação do Jazz no mesmo jogo – a importância das defesas por zona na NBA.

Para quem não viu, os melhores momentos da partida estão aí abaixo:

Confesso que, já faz muito tempo, não sou um fã das movimentações ofensivas do Mavs. Nunca entendi times que preferem terminar contra-ataques com arremessos de três, e o ataque sempre se baseou muito na isolação de jogadores mesmo com um armador épico como o Jason Kidd em quadra. Eu reclamava bastante por aqui no blog de como o Kidd era mal utilizado, que ele ficava entediado num canto sendo obrigado a passar para o lado, e que o técnico Rick Carlisle, mesmo sendo um baita nerd de basquete, não tinha conseguido se utilizar da inteligência do armador. Mas as coisas no Mavs mudaram bastante no ataque graças a uma única mudança drástica – que foi do outro lado da quadra, na defesa.

Escrevi uns meses atrás sobre como tem gente por aí achando que a NBA não usa defesa por zona – o que é um engano enorme – mas que as regras da NBA incentivam os jogadores a infiltrarem, ao contrário do que acontece na FIBA, em que as bolas de três (e as defesas por zona) são regra absoluta. A NBA é a liga de basquete em que menos se arremessa de três no mundo, as regras privilegiam o jogador que ataca a cesta e procura o contato, as jogadas acabam tentando isolar jogadores para que infiltrem, e a defesa por zona tende a ser menos usada. Ainda assim, todos os times usam em vários momentos de todas as partidas com sucessos variados. Mas nenhum time usa a defesa por zona de modo integral, durante todos os minutos de todas as partidas, como o Dallas Mavericks tem feito nessa temporada.

Foi-se o tempo em que o Dallas, por não ter defesa (“D”, como é carinhosamente chamada em inglês), era chamado de “Allas Mavericks”. Assim que o Don Nelson deu o fora e o Avery Johnson assumiu a equipe, o Mavs deixou de ser uma peneira para se tornar uma defesa bastante respeitável. É claro que as deficiências individuais sempre comprometeram a defesa da equipe como um todo (faltava um pivô, Nowitzki tem problemas para defender o garrafão, Jason Kidd hoje em dia só defende as linhas de passe), mas nada que impedisse a defesa de ser sólida e muito distante daquele projeto-de-Warriors que era o Mavs da era Don Nelson.

Aquela mentalidade defensiva instaurada por Avery Johnson (que é muito melhor técnico do que lhe dão crédito) é o que tornou possível a defesa por zona em tempo integral de Rick Carlisle, um projeto ousado para a NBA atual. O Mavs inteiro se mostra comprometido com a defesa a um ponto tal que as deficiências individuais simplesmente desaparecem. Na prática, funciona assim: Jason Kidd marca individualmente o jogador que arma o jogo e que, portando, detém a bola. Mas dois jogadores marcam as laterais do jogador que arma o jogo, dois passos para trás do perímetro. As infiltrações ficam muito complicadas porque o jogador passa a enfrentar três marcadores, e os arremessos do perímetro são inibidos pela marcação homem-a-homem do armador do Mavs. O que sobra, claro, é um corredor paralelo à linha de fundo embaixo da cesta, em que os jogadores adversários podem transitar livremente e receber a bola sem dificuldade. Quando o Celtics usou essa mesma defesa nos playoffs passados para parar LeBron James, a solução para esse “corredor” era descer a porrada em quem recebesse a bola lá embaixo, forçando o Shaq a cobrar trocentos lances livres (já que ele fede no quesito). No caso do Mavs, a solução é, quem diria, Tyson Chandler. Todo mundo adora dizer que ele não sabe bem amarrar os próprios cadarços, mas a verdade é que ele nasceu para defesas por zona. Sua velocidade lateral garante a proteção dos dois lados do garrafão e torna o Mavericks um pesadelo de se enfrentar perto do aro. A solução contra a zona do Mavericks é amontoar o garrafão e ter que arremessar de fora, no espaço entre dois defensores – o que também significa, na prática, que existem dois defensores bem próximos tentando cheirar o seu pescoço. Contra o Jazz, a defesa por zona do Mavs anulou a movimentação ofensiva da equipe e pavimentou o caminho para o 29 a 4 inicial.

Mas o mais curioso, para mim, é como essa paixão pela defesa por zona no Mavs teve resultados positivos no ataque. O Mavs sempre gostou do jogo de perímetro, mas agora eles jogam em todas as partidas como se estivessem sempre enfrentando defesas por zona, procurando arremessar ao máximo. Isso porque usar a zona de modo tão eficiente também lhe ensina como vencê-la. O Mavs agora dá passes muito rápidos, gira a bola no perímetro, encontra os jogadores livres, e isola o mínimo possível. Dirk Nowitzki, contra o Jazz, acertou 10 de seus 12 arremessos, poderia ter arremessado mais umas 20 vezes, mas prefere não interromper a rotação da bola e premiar os companheiros de equipe livres. Quer aprender a vencer a defesa por zona do Mavs? Veja o Mavs jogar. Não dá pra um jogador sequer forçar arremessos, não dá pra centralizar o jogo, tem que colocar a bola nas mãos de todo mundo, passar o mais rápido possível, e sempre premiar com um arremesso o jogador que ficar sozinho contra a zona. Mesmo que ele seja ruim. Lembra de como a defesa por zona do Thunder deixava sempre o Artest livre na zona morta porque o arremesso dele fedia? Funcionou um jogo, funcionou dois, mas uma hora o Artest treinou e os arremessos caíram e o Lakers venceu a série. Simples assim.

Vale ressaltar, no entanto, que o Jazz conseguiu empatar o jogo com o Mavs no quarto período justamente porque passou a usar uma defesa por zona também. Foi antes de acabar o primeiro período ainda, uma defesa 3-2 focada no perímetro, e o Mavs teve problemas em estabelecer o ritmo que colocou no começo do jogo. Falta ainda para o Mavs um jogo forte de garrafão, uma jogada de segurança perto da cesta, e eu costumo insistir que é difícil levar a equipe a sério – especialmente nos playoffs – se a jogada de segurança, no final dos jogos, for um arremesso de longe, contestado, ou uma isolação para arremesso da cabeça do garrafão. É o mesmo motivo pelo qual não levo o Orlando Magic a sério (já que no final dos jogos não dá pra passar a bola para o Dwight Howard, que sofre a falta e não converte os lances livres). A dificuldade de jogar próximo à cesta ainda está lá no Mavs, mas a evolução do Nowitzki até mesmo nesse sentido é bem clara. O alemão não é apenas um dos melhores jogadores da NBA na atualidade, ele é um dos melhores de todos os tempos e ainda não atingiu seu ápice. Sua defesa melhora a cada dia, sua inteligência em defesas por zona só agora vem à tona, e seu ataque fica cada vez mais diversificado e agressivo próximo à cesta. Ele corre como se tivesse duas pernas esquerdas, mas e daí, seu jogo é eficiente e meu filho vai ter a mesma mecânica de arremesso que ele (vou fazer maratona de vídeos do Nowitzki e dar surra de chibata se ele arremessar como o Leandrinho, que parece um garçom segurando uma bandeja). Cada vez mais o Dirk sabe aproximar a bola do aro nas jogadas importantes e sua habilidade nos lances livres coloca medo nas defesas de descer o sarrafo. Mas ainda falta um bocado para que isso seja uma tendência na equipe e o Mavs consiga efetuar essas jogadas com naturalidade.

Me dou ao direito de ficar sempre com um pé atrás com o Mavericks enquanto o foco for exageradamente no perímetro, mas também me deu ao direito de babar no basquete que eles estão jogando agora. E babar muito, nível Alinne Moraes de babação. É a melhor defesa de se assistir em toda a NBA, e o ataque é muito mais inteligente do que foi nas últimas temporadas – o Jason Kidd até parece ser bem utilizado, o que é um milagre que já vale nossa admiração. Não fico mais tendo um aneurisma cerebram de ver o Kidd tendo que isolar o Shaw Marion de costas para a cesta ou o Caron Butler atrás da linha de três. Vencer 12 partidas seguidas não é acaso, nunca, e a contagem positiva só tende a continuar. Dia 20 de dezembro enfrentam o Heat, que vem de 8 vitórias seguidas, e vai ser legal ver como o ataque fraco de perímetro da equipe de Miami vai enfrentar a defesa por zona do Mavericks. Jogão, e o Mavs agora entra sempre como favorito. Não dá nunca pra respirar aliviado contra equipes com defesas fortes, e a fama do Mavs como melhor defesa por zona da NBA já está bem difundida. As equipes precisam se preparar para enfrentar a zona e acabam dando menos atenção para outros aspectos do jogo. O Mavs agora, finalmente, bota medo nos adversários – coisa que em geral nunca acontece em times sem jogadores físicos e que atacam pouco a cesta.

Mas voltando ao empate do Jazz contra o Mavs no finalzinho do jogo, vale também ressaltar que não foi apenas a defesa por zona que o Jazz colocou em prática a responsável por igualar o jogo. Grande parte da responsabilidade foi de Deron Williams colocando a bola debaixo do braço e resolvendo decidir sozinho. Parece que em todo começo de jogo do Jazz, o time acha que ainda tem o Carlos Boozer e começa com o jogo de corta-luz e arremessos de média distância com os jogadores de garrafão. As bolas não caem, a tática não funciona, e aí o Deron Williams começa a resolver sozinho. Infiltrando mais (já que é atualmente o armador mais forte da liga) cria espaços para os jogadores de garrafão; arremessando mais, a defesa vai para o perímetro e os jogadores de garrafão têm mais espaço para atuar. Paul Millsap e Al Jefferson possuem arremessos razoáveis, mas não são o Carlos Boozer, não molham as calças de alegria com um arremesso livre da cabeça do garrafão. Quanto mais ativo o Deron Williams é em quadra, mais Millsap e Al Jefferson podem ser ativos embaixo da cesta, onde realmente se destacam. Todas as reações históricas que o Jazz andou fazendo nessa temporada concordam nisso: o Jazz engrena quando o Deron Williams resolve ser o dono da budega.

Nesse ponto, aquela velha comparação do Deron Williams com o Chris Paul é praticamente impossível. Dia desses nos perguntaram no formspring o motivo do Chris Paul ser “passivo”, não decidir os jogos sozinho como faz o Deron Williams. Pra começar, eles são jogadores muito diferentes. O Deron gosta mais de arremessar, é mais físico, procura o contato. O Chris Paul prefere a velocidade, os contra-ataques, é mais distribuidor. Mas, como sempre insistimos, a diferença sempre está ligada também aos companheiros de equipe, ao resto do elenco – nenhum jogador entra em quadra sozinho. Contra o Sixers, ontem, Chris Paul atacou a cesta (acertou 8 dos 12 arremessos, todas as duas bolas de 3 e os 7 lances livres que tentou) e passou mais tempo com a bola nas mãos – e a derrota foi vergonhosa. Na temporada passada, antes da contusão, o Chris Paul já estava pontuando como um maluco (chegou a ter mais de 30 pontos por jogo) na tentativa de evitar as derrotas constantes, e isso simplesmente não funciona. Parece absurdo, mas o elenco do Hornets é tão limitado que o único jeito de fazer com que saia de quadra com a vitória é minimizar as limitações e se aproveitar de suas qualidades. O Jazz é um timaço, o garrafão é forte, eles podem comer pelas beiradas, receber poucas bolas, viver de rebotes de ataque. O Hornets fede, se você não garantir que o Belinelli vai ter a bola naquele canto exato da quadra, ele não vai te render nada, bulhufas, não vai nem te pagar um refrigerante. O que o Chris Paul precisa fazer é garantir que todo mundo vai render ao máximo, porque ninguém ali naquele elenco é capaz de render sozinho, todo mundo é só carregador de piano. Eu avisei, quando o Trevor Ariza chegou em New Orleans, que ele não iria fazer nada sozinho, seria apenas mais um coadjuvante na equipe – isso porque eu o vi no meu Houston Rockets recebendo a responsa de criar o próprio arremesso e simplesmente sentando na calçada para chorar. Chris Paul tem que fazer todo o trabalho pesado para que os outros brilhem. Não vai dar certo sempre, mas é melhor do que o Chris Paul botar a bola debaixo do braço e assistir aos seus companheiros definhando até a morte, à espera da derrota certa.

Justamente por isso a defesa por zona também tem sido tão importante para o Hornets. O elenco limitado, quando se compromete com algo e joga em conjunto, consegue ser mais forte defensivamente. A defesa por zona exige trabalho coletivo, e maximiza a capacidade de Chris Paul de interceptar as linhas de passe e puxar contra-ataques. O problema é que a defesa por zona do Hornets é vulnerável no perímetro e, talvez por isso, só vem sendo usada nos minutos finais dos quartos (em geral nos 5 minutos finais do quarto perído), que é quando os times têm mais medo de arremessar (e motivo pelo qual o Mavericks precisa de jogadas embaixo da cesta para fechar os jogos, e o Magic depende tanto das infiltrações do Jameer Nelson). O que falta para o Hornets, claro, é encontrar uma consistência no ataque que permita ao time chegar aos minutos finais do quarto período com chances de vitória, algo que dificilmente acontecerá com o Chris Paul se focando apenas em pontuar.

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