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Sexta-feira é sempre um bom dia para fingir diarréia para o chefe ou febre para a mamãe. Aí dá pra ficar três dias de folga e ter aquela sensação de amostra grátis de férias, ou de feriado prolongado. Com semi-finais de basquete olímpico na televisão, então, melhor ainda. Quem saiu de debaixo das cobertas hoje de manhã é a mulher do padre, e tenho dito.
Em geral eu não costumo torcer em jogos internacionais, fico só apreciando a beleza da coisa (ou resmungando com a chatice da coisa, depende do meu humor) com cara de pseudo-intelectual, mas na partida entre Lituânia e Espanha fiquei no aconchego da cama me exaltando um bocado. Minha lógica interna era a seguinte: o filme “Estados Unidos versus Espanha” eu já assisti, já sei qual vai ser o final, quais vão ser os momentos divertidos e conheço bem todos os atores envolvidos. Mas o filme “Lituânia versus Estados Unidos” ainda é inédito, não estreiou nessas Olimpíadas e mesmo que você já saiba o final logo de cara (tipo “Titanic”), pelo menos vai ter um ar de novidade. Ou seja, torci para os lituanos e declarei meu amor pelo Sarunas Jasikevicius, mas em voz baixa – já sou zoado o bastante pelo suposto fetiche por gigantes chineses, não preciso de um novo suposto fetiche por lituanos de nomes esquisitos.
O Jasikevicius sempre foi uma incógnita para mim: joga demais nas competições internacionais e fedeu demais na NBA. Até aí a história é meio comum, mas o “joga demais” do Jasikevicius não é o mesmo “joga demais” de, por exemplo, Carlos Arroyo, que chuta traseiros pela seleção de Porto Rico. Jasikevicius tem um jogo que visivelmente se traduziria bem para a NBA, bom nas infiltrações, especialista nas bolas de 3 pontos, inteligente, solidário e extremamente competente jogando em velocidade, puxando contra-ataques. Dia desses vi a primeira declaração do lituano sobre sua passagem pela NBA, e foram afirmações cheias de ódio e rancor. Segundo ele, o técnico Rick Carlisle, à frente do Pacers na época, prometeu que Jasikevicius teria muitos minutos e encontraria no time total apoio e um estilo de jogo veloz que seria perfeito para o tipo de jogo do lituano. Na prática, Jasikevicius teve pouquíssimas chances, passou dois anos esquentando banco e o estilo de jogo do Pacers era mais lento do que o Kwame Brown resolvendo sudoku. Quando foi trocado para o Warriors, lugar em que todos os funcionários devem ter “correr” no currículo, acabou sofrendo nas mãos de Don Nelson – o velho louco que não gosta muito de sangue novo no pedaço. Depois do trauma, voltou correndo para a Europa e nunca mais se aproximou novamente daquele mundo de mentiras, falsas promessas e Big Macs.
Longe de Golden State ou Indiana, Jasikevicius joga um absurdo e contra a Espanha fez um pouquinho de tudo – pontos, rebotes, roubos, assistências – para tentar parar Pau Gasol e seus amigos. Como descobri uns dias atrás, o time espanhol teve o pior aproveitamento nas bolas de 3 pontos da primeira fase, e a tendência se manteve contra a Lituânia: foram apenas 4 acertos em 16 tentativas. Ainda assim, o trabalho no garrafão foi sólido, os espanhóis foram agressivos e acabaram cobrando 9 milhões de lances livres durante a partida. A Lituânia continuou mais do que competente nas bolas de 3, mas não resistiu à agressividade espanhola: três lituanos foram desqualificados com 5 faltas. A cada vez que eu piscava, mais um espanhol estava na linha dos lances livres.
O jogo foi de alto nível, bastante disputado, mas mesmo dentro da minha torcida não cheguei a acreditar por nenhum segundo que a Espanha perderia o controle da partida. Tudo isso, vale lembrar, sem Jose Calderon, o armador futura-estrela do Raptors, que está contundido. O rapaz faz muita falta principalmente nos arremessos de fora. Seu reserva Ricky Rubio foi titular e jogou muito bem para alguém que não tem ainda nenhum pêlo no saco, mas não converteu nenhum arremesso, errando quatro bolas de 3 pontos. Também não posso deixar de mencionar que a Espanha ganhou o jogo mesmo com o Marc Gasol sendo uma farsa. Imagina se o pirralho fosse bom de verdade.
Juro que não entendo. O Grizzlies fez questão de incluir o Marc, que tinha seus direitos ligados ao Lakers, na troca do Pau Gasol. Kobe Bryant, dia desses, estava conversando com Jason Kidd e chegaram juntos à conclusão de que o Marc sabe jogar basquete como poucos, que ele entende bem o jogo e que o Lakers deveria ter dado um jeito de mantê-lo na equipe. Como diria o João Kléber, “pára pára pára pára!” Vocês estão falando do mesmo Marc que eu? Será que não estão confundindo com o Pau Gasol, afinal branquelo alto de barba é tudo igual? Me resta acreditar que eles estão falando sobre um excelente jogador chamado Marc Gasol que foi engolido por um cara muito gordo que, depoisdo crime, adotou seu nome. O gordo que devorou o jogador de basquete é o sujeito fedendo na seleção espanhola e ninguém percebeu. Os Estados Unidos, claro, vão enfrentar a Espanha na final. Se o Marc Gasol não mostrar algum tipo de genialidade contra os americanos, desisto de entender esse esporte idiota.
O direito americano de ir para a final veio num duelo semi-épico contra a Argentina. Foi épico porque foi um bom jogo e os Estados Unidos tiveram trabalho. Foi semi porque em nenhum momento a Argentina pareceu que iria de fato tomar a liderança do placar. Como argentino curte um pouco de choro, durante os próximos quatro anos vamos ouvir que a culpa pra essa derrota foi a ausência de Manu Ginobili, que saiu no primeiro quarto contundido. Confesso que passei o jogo inteiro esperando ele voltar a qualquer momento, de maneira heróica, porque achei que ele tivesse simulado a contusão. Não é culpa minha, o Ginobili é que construiu essa fama. Acho que se eu o encontrasse baleado, arrebentado, com um braço arrancado na rua, iria achar que ele está fingindo. Safado.
Verdade seja dita, o sangue frio e as ginobiladas características do argentino astro do Spurs teriam feito uma diferença brutal no jogo, mas dificilmente teriam alterado o resultado final. Tudo por culpa do início desastroso da seleção argentina. Durante as Olimpíadas, a Argentina não usou a marcação por zona em nenhum momento sequer, guardando a arma secreta para momentos importantes – e para o confronto contra os Estados Unidos. Estranhamente, começou o jogo contra os americanos com uma marcação individual, homem-a-homem, e topou uma lavada. Depois de alguns minutos, perdendo por trocentos pontos e tendo tomado um 18 a 0 em poucas piscadelas, a Argentina resolveu marcar por zona. Só assim conseguiu incomodar brutalmente os americanos, que não sabiam como infiltrar, quando passar e quando arremessar. Forçaram bolas de longe desnecessárias, ficaram perdidos e erraram passes de forma grosseira. Michael Redd ficou em quadra por meia dúzia de segundos mas não mais que isso, deve ser aposta. Com isso, a Argentina se recuperou bem mas Jason Kidd voltou para quadra, segurou o ritmo do jogo, administrou os passes e as bolas de 3 pontos dos Estados Unidos começaram a cair. O tempo que os americanos precisaram para se acostumar com a defesa por zona não foi o suficiente para que os argentinos recuperassem a diferença gigante no placar que havia se instaurado. Por que diabos não começaram marcando por zona? Sem Ginobili, com uma defasagem mosntruosa no placar, o jogo já estava perdido. A zona não funcionou por muito tempo, Scola não foi o suficiente apesar de uma brilhante atuação e Carlos Delfino não acertou nada de longe, ao contrário do jogo anterior. Adiós, hermanos.
Mérito, claro, da preparação da seleção americana para enfrentar defesas por zona, inteligência e raciocínio rápido da comissão técnica, e comprometimento tático de cada um dos jogadores. Por alguns minutos, os americanos jogaram sem pivô, apresentando em quadra um quinteto de Kidd, Wade, Kobe, Carmelo e LeBron. O impacto que essa escalação teve nos rebotes ofensivos e na velocidade dos passes transformou a zona argentina. Carmelo Anthony, um bocado sem cabeça e muito interessado numa pancadaria, jogou dentro do garrafão com agressividade e cobrou 2 milhões e meio de lances livres. Chris Paul foi essencial batendo para dentro do garrafão, mas foi Jason Kidd quem explicou sua própria presença em Pequim com essa partida. Sua calma e maturidade para controlar os passes velozes necessários para lidar com esse tipo de marcação foram essenciais para o resto do elenco. Ainda assim, não resta nenhuma dúvida que cada um dos jogadores americanos em quadra estava visivelmente incomodado pela marcação por zona. Nenhum arremesso de 3 pontos vinha sem que se pensasse duas vezes e os que vinham pareciam precipitados.
Fica a dica para a Espanha, claro. Eu não estou com nenhuma vontade de ver o mesmo filme. Resta torcer para uma forte marcação por zona espanhola, uma atuação maravilhosa de Pau Gasol e nenhuma contusão no elenco. Só assim teremos um pouquinho de emoção numa Olimpíada que parece, cada vez mais, ter um final mais batido do que Titanic. Mas sem a graça de ver o Leonardo Di Caprio morrendo no final.