>O mito da idade

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Pagar milhões para um jogador desconhecido é
fácil, difícil é lhe arranjar um boné que sirva

O chinês Yi Jianlian mentiu a idade. Em outra notícia igualmente chocante, a água é molhada e às vezes cai do céu. Todos estão abismados com evidências recém-descobertas que apontam a idade de Yi como sendo 24 anos ao invés de 21. Sério? Abismado eu estou em ver a foto do documento escolar que mostrou a verdade e notar que Yi tem a mesma cara, o que me leva a crer que ele nasceu com 2 metros e a mesma fisionomia que tem hoje. Provavelmente isso seja o dado que faltava para considerar a hiopótese de que ele nasceu numa encubadora e é um projeto genético do governo chinês. Outros cinco mil chineses idênticos, da mesma safra, estão apenas esperando Yi Jianlian se contundir para substituí-lo. Certamente ele irá encerrar sua carreira sem jamais ter perdido um jogo por contusão e nós sequer desconfiaremos da conspiração.

Na época do draft de Yi, todos os sites especializados falavam sobre as dúvidas quanto à sua idade, então era algo de que todos estavam cientes. Diz a lenda que na China é muito fácil forjar a idade de qualquer um, graças à dificuldade em manter registros de quadrilhões de pessoas, mas se o governo chinês ganhar alguma coisa com essa idade forjada então podemos ter certeza de que é mais fácil ainda, basta meio bilhão de burocratas “olharem para o outro lado” e pronto. No caso de Yi, havia uma certa urgência para que ele fosse para a NBA desenvolver seu jogo a tempo de render nas Olimpíadas e quanto mais jovem ele fosse, maiores as chances de que conseguisse ser draftado como uma estrela ao invés de sumir em algum banco de reservas por aí. Tudo por causa daquela boa e velha palavrinha mágica: potencial.

O “pode ser” sempre parece ter muito mais força do que o “é” em nossa cultura, e isso não apenas no basquete ou no esporte. Qualquer coisa que possa valer milhões é melhor do que algo que já valha alguma coisinha, é nossa abordagem com o dinheiro. Nossa relação com o mundo também é mais ou menos assim, estamos cercados de objetos ao nosso redor mas estamos interessados no “pode ser”, na divindidade que talvez exista por trás das coisas, em gnomos, alienígenas, no paranormal. O real, o agora, nunca é o bastante. Queremos as possibilidades do futuro, o improvável, aquilo que possa estar por trás – em detrimento do presente. No fundo, é mais ou menos como ficar esperando com tanta intensidade a Alinne Moraes tirar a roupa que o fato dela estar ali, na sua frente, acaba sendo completamente ignorado.

Alguém, em algum momento, olhou para o Kwame Brown e disse: “bem, ele tem mãos pequenas incapazes de segurar uma bola de golfe, não consegue pontuar quando está um passo longe da cesta, acha que “arremesso” é coisa de beiseball e tem a confiança de um jogador de Ragnarok no meio da mansão Playboy. Ele pode ser um bom jogador.” Nesse ponto de vista, qualquer um pode ser bom jogador. O resultado desse raciocínio é um punhado de aberrações por aí, tipo o Stromile Swift. O cara não faz idéia do que seja basquete, dizem que ele até já ouviu falar, mas quando foi draftado era todo potencial. Nenhuma inteligência em quadra, habilidade, recursos, mas veja seu físico, veja como pula, ele vai chegar lá um dia. Minha impressão é que no basquete todo mundo drafta jogadores excelentes para participarem de atletismo e ganharem competições de salto em altura. Mais de oito anos se passaram desde que Stromile Swift foi draftado, passou por quatro equipes diferentes, deu boas enterradas. Alguns malucos ainda esperam o ano em que ele mostrará seu potencial, mesmo ano em que o Gugu assumirá os programas do Silvio Santos. Sempre tem um velhinho banguela gritando “vocês vão ver só”.

Confesso que é impossível não lidar com jogadores da NBA em termos de potencial, mas isso ao menos deveria ser completamente secundário. O que o jogador apresenta naquele momento deveria ser sempre o crucial, o mais importante. E então a idade acabaria se tornando algo banal. Na cabeça de alguns, há muita diferença entre o Yi Jianlian ter 21 ou 24 anos. Uma questão de potencial, de quão alto ele poderia alcançar. Mas faz diferença quantos anos o Stromile Swift tem se ele nunca soube jogar basquete e provavelmente nunca saberá? O Yi é inconsistente, fraco na defesa, mas isso não é uma questão de idade de modo algum. E, ao contrário do Stro, Yi chegou na NBA com uma técnica invejável e apurada, um arremesso lindo, uma passada explosiva. Lembro muito bem, nos primórdios do Bola Presa, de ficar babando no chinês. Que ele seja mais velho, que ele tenha 30 anos, que diferença faz? O que ele precisa é de tempo de quadra, bons técnicos, ritmo, porque basquete ele já joga. Retiro o que eu disse e não vejo mais uma estrela nele, porque eu via apenas potencial. Escapando dessa contradição, prefiro ver o que o Yi Jianlian é agora: um jogador competente, inconsistente, que poderia ser um trintão e não faria qualquer diferença. Convenhamos, não é como se alguém fosse assinar um contrato de 20 anos com o rapaz e perigasse adentrar em sua velhisse por causa de uma mentira na certidão de nascimento.

Esse papo de potencial também está em alta por causa da troca da temporada passada entre Devin Harris e Jason Kidd. Tratava-se de uma troca entre potencial e realidade, juventude e experiência. Eu fui o mané do Bola Presa que foi a favor da troca pelo lado do Mavs (o Denis não achou boa idéia), mas o que eu tinha em mente é que Jason Kidd poderia ser o que faltava para o Mavs ganhar naquele momento. Para mim, a janela do Mavs estava se fechando, eles não durariam muito, e era preciso achar a receita certa o mais rápido possível. Eu posso ter errado a receita, o Jason Kidd não era o ingrediente correto, mas não errei o prognóstico: cada vez mais parece que a janela do Mavs se fechou de verdade, que as possibilidades de título morreram. Com o Devin Harris as coisas seriam diferentes? O Mavs deveria ter esperado pelo potencial do Harris se desenvolver? Coisa nenhuma. Não havia potencial em jogo ali, mas sim a atualidade, a realidade instantânea. O Devin Harris já havia torturado o Spurs, humilhava várias defesas adversárias, apenas não tinha espaço e liberdade para atuar na maioria do tempo. Minha mãe sabia que o Devin Harris chutaria traseiros se tivesse liberdade ofensiva, mesmo caso de Tony Parker e – por que não – de Rajon Rondo. Olhar esses jogadores jovens não é pensar o que eles poderiam ser se desenvolvessem seus talentos escondidos, se liberassem seu poder oculto como se isso fosse Dragon Ball Z, ou se atingissem o Sétimo Sentido em Cavaleiros do Zodíaco. Trata-se de ver o que eles podem fazer agora, nesse instante, e de como podem fazer ainda mais disso. O Mavs não seria melhor se tivesse Devin Harris e continuasse utilizando o armador daquele jeito burocrático que sempre utilizavam.

Não quero dizer com isso que jogadores não evoluam, longe disso, embora eu aposte meu pé em como o Rajon Rondo vai morrer sem aprender a arremessar. Mas é que os jogadores evoluem coisas que já estavam lá, e não o invisível, o improvável. Podemos ver tendências, mas o que se faz com os jogadores na época do draft, tão preocupados com idade e físico, parece ser um exercício de imaginação. Jogadores “de verdade” acabam sendo deixados de lado em nome de jogadores-fantasia, riscos que podem trazer alto lucro. O ápice disso foi o Kings, que ao draftar o ala Jason Thompson deixou todo mundo chocado. Um ala de verdade, que faz o trabalho sujo, com técnica e inteligência em quadra? Que loucura é essa, como assim não draftaram um dos pivôs togoleses que nunca pegaram numa bola de basquete mas que talvez, dizem por aí, engulam espadas flamejantes? Nunca mais vou me preocupar com a idade de jogador nenhum no draft, pode ser a idade real ou a idade do RG de balada. O cara sabe jogar agora? Pode contribuir? Manda pro meu time. Pode ficar com o Kwame Brown pra você, e divirta-se.

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