Chegar ao Jogo 7 da Conferência Oeste e ficar muito, muito perto de derrotar o Golden State Warriors rumo às Finais da NBA confirmou para o mundo que o Houston Rockets era uma das grandes potências do basquete na temporada passada. Sua mistura inusitada de bolas de três pontos constantes, jogadas de mano-a-mano e uma defesa em que todos os jogadores marcam todas as posições mostrou resultados inegáveis e colocou o time sob os holofotes da torcida, da imprensa e, claro, dos demais times da NBA. No caso de jogadores que querem ser valorizados, celebrados e reconhecidos pelo seu talento e esforço, toda exposição é sempre positiva. Mas no esporte, em que todos estão assistindo para conseguir descobrir e posteriormente explorar os seus defeitos, existem malefícios nessa SUPER-EXPOSIÇÃO de ter um time indo tão longe na pós-temporada.
Nas Finais de Conferência, foi o Rockets quem mais arrancou o adversário de sua zona de conforto, forçando o Warriors a mais jogadas individuais do que em qualquer outro momento em que estiveram sob comando do técnico Steve Kerr. No entanto, jogo após jogo, foi ficando progressivamente mais claro como era possível minimizar o poder ofensivo do Rockets e, principalmente, como explorar suas limitações defensivas. Ao fim da série, o Warriors saiu vencedor no sufoco, num golpe de sorte, mas acabou entregando de bandeja para o resto da NBA uma espécie de “manual” de como enfrentar a equipe de Houston.
E como os vice-campeões do Oeste responderam a essa exposição excessiva, ao destrinchamento das comissões técnicas adversárias? Pois bem: PIORANDO o seu elenco, perdendo peças importantes, economizando alguns milhões de dólares em folha salarial, assistindo à aposentadoria de Jeff Bzdelik, o coordenador defensivo da equipe, e achando que dava para repetir exatamente aquilo que fizeram na temporada anterior. Não é à toa que, mesmo que o time tenha melhorado consideravelmente nas últimas semanas, ainda se encontre na PENÚLTIMA posição da Conferência, só na frente do desastroso Phoenix Suns.
É compreensível que o time tenha se recusado a manter Trevor Ariza, que recebeu uma oferta de 15 milhões para essa temporada por parte do Suns, que queria trazer “seriedade” e “experiência” ao time. Embora tivesse um papel defensivo importante e um arremesso consistente do perímetro, Ariza ficou longe de brilhar na temporada passada, deu claros sinais de que estava se tornando cada vez mais limitado nos dois lados da quadra e não parecia se encaixar nos planos de longo prazo do Rockets. No entanto, o time também deixou partir Luc Mbah a Moute para o Clippers, num contrato de cerca de 6 milhões por temporada. Também entendo as preocupações com a saúde do jogador, que enfrentou sérios problemas com o ombro e o tirou de 20 partidas na temporada regular, além de sua dificuldade eventual em acertar arremessos. O problema é que quando você deixa os dois saírem sem trazer substitutos à altura, torna-se impossível manter um sistema defensivo que já deveria estar naturalmente fragilizado e “marcado” para essa temporada.
O coordenador de defesa, Jeff Bzdelik, criou um sistema em que os jogadores do Rockets trocam a marcação entre si a cada corta-luz recebido. Isso significa que em qualquer situação em que um corta-luz deveria deixar um adversário livre, o Rockets faz uma troca imediata para que algum defensor acompanhe esse adversário. Na temporada passada, nenhum time fez mais “trocas defensivas” durante as posses de bola do que o Rockets, com o Warriors ocupando um muito distante segundo lugar em números brutos – e olha que o Warriors se orgulha de conseguir trocar a marcação sempre que necessário. Para isso funcionar, no entanto, é preciso não apenas um time entrosado, que saiba perfeitamente quando realizar essas trocas (para que dois jogadores não corram na direção de um adversário só), mas também jogadores que sejam capazes de marcar oponentes que sejam potencialmente mais altos, mais fortes ou mais ágeis do que eles. Mesmo com suas limitações, Ariza e Mbah a Moute cumpriam bem esse papel e, de um modo ou de outro, foram parte de uma defesa que foi totalmente reconfigurada e deixou de ser piada para se tornar a sexta melhor defesa da temporada passada. Some isso ao MELHOR ataque e podemos facilmente compreender como o time chegou a 65 vitórias na temporada regular, recorde histórico da franquia.
Nesse ano todos os times já vieram preparados para explorar justamente esse esquema de trocas defensivas que o Rockets faz, a partir de duas estratégias principais: atrair o pivô Clint Capela para fora do garrafão e colocar seus jogadores para fazer cortes rápidos e constantes em direção à cesta. A primeira estratégia, usada à exaustão pelo Warriors nas Finais de Conferência, coloca Capela para marcar jogadores muito mais habilidosos do que ele, libera as estrelas adversárias para criar jogadas individuais em cima do coitado e ainda tem o bônus de tirá-lo de perto do garrafão, piorando muito o rebote defensivo da equipe (fazendo o time despencar do nono melhor em rebotes defensivos na temporada passada para o VIGÉSIMO NONO na temporada atual). As duas bolas de três pontos de Luka Doncic que viraram o jogo para o Mavs e que ficaram famosas na última semana são justamente em cima de Capela em jogadas inteiramente individuais, vale rever abaixo:
Luka Doncic scores 11 straight @dallasmavs PTS in the 4th quarter to propel them to victory! #NBARooks pic.twitter.com/Lb27hk14TW
— NBA (@NBA) December 9, 2018
As outras bolas de Luka nesse vídeo, por sua vez, são de responsabilidade da outra estratégia: jogadores cortando para a cesta forçam o Rockets a tomar decisões sobre quem deve trocar na defesa e esse elenco esburacado, com várias peças novas e não muito brilhantes, erra essas decisões constantemente. Na primeira bola acima temos dois jogadores ficando no mesmo homem; já no floater de Luka temos uma troca que não acontece e permite ao armador criar espaço na marra. Sabendo que o time fará a troca em todo corta-luz, basta aos adversários passar a bola rapidamente após o corta-luz, ou rodar a bola com velocidade, para pegar o Rockets ainda no processo de troca ou hesitante sobre a necessidade de trocar ou não. O Rockets é um dos 5 times nessa temporada a ceder mais bandejas e enterradas, e a segunda pior defesa de arremessos embaixo da cesta. Isso se deve ao fato de que enquanto Capela está sendo explorado no perímetro, o resto do time não é mais uma máquina bem azeitada de trocas defensivas – falta material humano enquanto sobra aos adversários conhecimento de como explorar essas limitações. Na prática, a defesa do Rockets se tornou confusa e previsível, duas características imperdoáveis num ano em que todos os times do Oeste parecem prontos para ATROPELAR ofensivamente seus adversários.
No geral, a defesa inteira do Rockets é a quarta pior até aqui, na frente apenas de Cavs, Knicks e Wizards. Esse nível de fundo do poço só se consegue com um péssimo funcionamento coletivo, mas o rendimento individual de cada jogador também pesa na balança. Carmelo Anthony foi um DESASTRE defensivo no seu tempo com o time, sendo continuamente explorado no lugar de Clint Capela, enquanto novas aquisições como James Ennis, vindo num contrato de valor mínimo, não foram capazes de manter o padrão da temporada passada. Mesmo Ryan Anderson, que era um jogador limitadíssimo e que o Rockets trocou só para me fazer feliz (❤), era uma peça que raramente comprometia na defesa: seus números indicavam um jogador verdadeiramente NEUTRO, coisa que seus substitutos sequer são capazes de fazer. Michael Carter-Williams, vindo pra tapar buraco também num contrato mínimo, bizarramente tem se saído melhor no ataque do que na defesa – o que, acredite, não é um elogio ao seu jogo ofensivo, é só uma crítica à sua defesa mesmo. A parte preocupante é que nesse sistema defensivo não é possível “esconder” um mau defensor, porque basta o time adversário fazer um corta-luz para esse defensor piorzinho estar defendendo o melhor jogador ofensivo adversário. Em todo o tempo que esteve em quadra, Carmelo esteve violentamente exposto em todas as suas dificuldades, algo pelo qual ele não passou sequer no Thunder, em que já era um alvo frequente dos oponentes. Se o plano de Bzdelik é capaz de pegar times que defendem mau e torná-los defesas difíceis de serem batidas, ele também expõe de maneira exagerada os membros do elenco que são defensores muito fracos. O fato de que James Harden se tornou um defensor mais do que digno sob seu comando apenas evidencia que a questão ali sempre foi de esforço, não de capacidade física ou de habilidade individual.
Com o tempo é bem provável que a defesa melhore um pouco, com os jogadores recém-adquiridos entendendo melhor o esquema e os atletas ficando mais confortáveis uns com os outros, ajustando a comunicação e os avisos de troca de marcação. Jogadores incapazes de defender em situações de mano-a-mano perderão progressivamente mais minutos, até que não tenham mais espaço na rotação. Jeff Bzdelik, que se aposentou ao fim da temporada passada, VOLTOU para o time duas semanas atrás, certamente porque o técnico Mike D’Antoni deve ter IMPLORADO, então o esquema deve sofrer alguns ajustes positivos nos próximos meses. No entanto, ser um esquema mais conhecido exige inovação e jogadores capazes de executá-lo com ainda mais precisão – quanto mais se conhece de um esquema e mais é possível explorá-lo, mais PERFEITA deve ser a implementação até que não seja mais sustentável e seja necessário implementar outro modelo. O dono do Rockets vem jurando de pé junto que não pediu “economias” para sua diretoria, mas não é o que parece quando vemos o elenco perder profundidade e D’Antoni não ter opções para colocar em quadra nos momentos em que precisa impedir os oponentes de pontuar.
No ataque também tem sido evidente a falta de profundidade desse elenco. Vale lembrar que esse é o time que contratou Gerald Green no meio da temporada passada simplesmente porque o jogador estava desempregado em Boston visitando o filho doente num hospital e o time precisava de alguém para entrar em quadra IMEDIATAMENTE graças à uma chuva de lesões. Mas não são apenas as lesões na equipe que tem sido constantes, o time sofre com os altos e baixos de jogadores que vivem de arremessar infinitas bolas de três pontos e que podem, simplesmente, não estar em uma boa noite. Quando se lida com jogadores especialistas, a maior parte deles não consegue contribuir de uma outra maneira significativa em quadra quando sua especialidade está falhando, e a solução para isso deveria ser um elenco profundo com muitos nomes diferentes para cada noite. Quando faltam arremessadores, o que vemos são defesas ainda mais concentradas em James Harden e Chris Paul – isso, claro, quando eles mesmos não estão lesionados. Na temporada passada, o time só deslanchou quando Eric Gordon, transformado em arremessador de elite, passou a encontrar maneiras de pontuar colocando a bola no chão. Quando ele não estava lá para desafogar o ataque, o time era evidentemente mais frágil e Harden era mais sobrecarregado pelas defesas adversárias.
Até o momento nessa temporada, Harden e Eric Gordon perderam 3 jogos cada, Ennis e Gerald Green perderam 4 cada, Chris Paul perdeu 5 (incluindo uma suspensão), Nenê perdeu 21 e Carmelo Anthony deixou o elenco após apenas 10 partidas, mesmo número de jogos disputados por Brandon Knight e Marquese Chriss, a dupla que veio para Houston na troca de Ryan Anderson e que mal consegue ficar em quadra. Danuel House, ala que o Rockets resgatou da G League, a liga de desenvolvimento, tem média de 20 minutos por jogo simplesmente porque ele consegue SE MOVER COM DUAS PERNAS.
Não à toa, James Harden está tentando jogadas de isolação, no mano-a-mano, 31% das vezes em que toca na bola, com Chris Paul fazendo o mesmo em 35% das vezes que tem a bola em mãos. Mais emblemático ainda, 37% das jogadas em que James Harden está em quadra terminam com um arremesso seu – líder disparado na NBA nesse quesito, muito à frente de jogadores que tradicionalmente “monopolizam” seus ataques como Russell Westbrook e LeBron James. Fomos levados a acreditar que o Rockets havia criado uma máquina de pontuar do perímetro, mas não percebemos que eles sempre estiveram a um par de lesões (ou um par de jogadores deixando o time na free agency) de ter um ataque estagnado e perigosamente dependente de seus dois armadores. Isso é pior ainda porque em termos estatísticos Chris Paul está tendo a temporada menos eficiente de sua carreira, o que já disparou as luzes de alerta a respeito de sua idade e forma física. Por enquanto ainda prefiro colocar seu desempenho abaixo do ideal na conta de uma ausência de jogadores de apoio – jogar isolado no ataque não é muito lisonjeiro para Chris Paul, especialmente quando comparamos com o desempenho de Harden nas mesmas situações – mas o declínio do armador é algo que deve ser seriamente considerado. De todo modo, ter Harden num ataque de Mike D’Antoni ainda é suficiente para o time estar entre os melhores pontuadores da NBA (no momento são o quinto melhor ataque da temporada), mas algumas lesões foram o bastante para o Rockets ter uma sequência de 4 derrotas para Mavs, Wizards, Cavs e Pistons, por exemplo.
Numa Liga que fica cada vez melhor em defender o perímetro por questão de SOBREVIVÊNCIA e que aprendeu a explorar melhoras as defesas que “trocam tudo”, o Rockets simplesmente não pode mais se dar ao luxo de perder jogadores (por lesão ou por más decisões de mercado), negligenciar o banco de reservas e repetir as mesmas fórmulas o tempo inteiro. Se ainda há alguma soberba que diz que jogadores como Danuel House podem ser encontrados em qualquer ARBUSTO e transformados em pontuadores por D’Antoni, está cada vez mais evidente que o mesmo não se pode dizer sobre jogadores defensores capazes de cumprir aquilo que Bzdelik precisa que eles façam.
Parece que esse Oeste incrivelmente disputado, com 14 times na briga por uma vaga nos Playoffs, não pegou apenas os torcedores desavisados: times como o Rockets também não estavam prontos para enfrentar esse tipo de concorrência, e justo quando a exposição os tornou oponentes perfeitos, desejáveis, a equipe que todo mundo quer provar que pode vencer. Como comentei num texto recente sobre o Warriors, os atuais campeões mudaram mais de cara nas últimas temporadas do que normalmente nos damos conta, o que parece muito inteligente já que um título traz consigo um gigantesco ALVO nas costas que torna as equipes vencedoras cada vez mais frágeis. Para vencer por muito tempo é preciso ser perfeito – estão todos olhando e qualquer deslize será explorado, divulgado, comentado. Perde-se qualquer elemento surpresa quando todos os times aprendem a imitar você.