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Não estou falando do término dos Beatles e nem do Lakers perdendo sua primeira partida da temporada para o Pistons e encerrando o sonho de manter-se como o único time invicto da NBA. Nada disso, quem se importa com o Lakers? Estou falando do “projeto Amir Johnson“.
Cansados de ver o Pistons sempre chegar tão longe mas acabar perdendo partidas cruciais nos playoffs, os dirigentes da equipe anunciaram que grandes mudanças seriam feitas no elenco. E então anunciou-se que Amir Johnson seria o ala de força titular da equipe, dividindo o garrafão com o pivô Rasheed Wallace (quer dizer, quando o Sheed decide entrar no garrafão, claro). Diz a lenda que o Amir Johnson mostra nos treinos que é uma estrela em potencial, dominando dos dois lados da quadra. Depois de sete partidas fedendo como titular, acabou dando lugar a outra estrela em potencial: Kwame Brown. Primeiro, contra o Warriors, Amir jogou alguns minutos vindo do banco. Ontem, na partida crucial contra o Los Angeles Lakers, nem deu sinal de vida.
Engraçado é que o Kwame começar como titular justo contra o Lakers foi algo que me preocupou bastante. Ele era odiado pela torcida de Los Angeles, constantemente vaiado durante as partidas, e nunca teve muita cabeça (como dizemos aqui, ele só faz cruzadinhas no nível “É Sopa”). Meu medo era que, assim que a torcida de seu ex-time começasse a vaiá-lo, ele ficasse confuso, achasse que ainda estava jogando pelo Lakers e fizesse uma cesta contra. Embora muito provável (estamos falando do Kwame, afinal de contas), isso não aconteceu. Pelo contrário, aliás. Kwame Brown teve uma atuação mais do que sólida, com 10 pontos e 10 rebotes, e passou bastante tempo em quadra. Melhor ainda, ajudou o Pistons de cara nova a acabar com o todo-poderoso Lakers.
O Pistons poderia ter vencido o Lakers com o antigo time, comandado pelo Billups? Claro que poderia. Essa vitória, comandada pelo Iverson, então não prova muita coisa – quer dizer, não prova se a gente não levar em conta o modo com que o Pistons jogou. Pra mim, foi o atestado definitivo de que eles são agora outra equipe, com abordagens diferentes, e a troca fica imediatamente legitimada.
Não existe nada mais ridículo do que trocar um jogador por outro e simplesmente tacar a nova peça no meio do esquema tático como se os jogadores trocados fossem, na verdade, exatamente idênticos. O exemplo mais óbvio é a troca entre Devin Harris e Jason Kidd. Quando chegou no Mavs, Kidd assumiu o papel ultra-secundário do Harris e não houve qualquer mudança no esquema tático. Ué, pra que fazer a troca então? Tédio? Nem preciso dizer que não deu muito certo.
Portanto, colocar o Iverson no lugar do Billups e achar que ele vai assumir o papel de armador meticuloso, calmo e ordeiro é absurdo, todo mundo sabe que isso daria muito errado. O Iverson é um cara agressivo que ataca a cesta o tempo inteiro, deixa seus marcadores sempre em estado de alerta e cria espaço para seus companheiros batendo para dentro do garrafão. Na noite de ontem, contra o Lakers, essa não foi apenas a definição do Iverson, mas também de toda sua equipe. O Pistons agora é um time que defende como nos bons e velhos tempos mas que depois é agressivo e ataca a cesta o tempo inteiro, sem parar, com todas as suas milhões de armas ofensivas. O Lakers passou a maior parte do jogo num desespero defensivo, batendo cabeças, e sobrou muito espaço para o Rasheed arremessar de trás da linha de 3 pontos quando bem entendesse. Iverson não arremessou demais, apenas não tirou da cabeça a mentalidade ofensiva e todo o time seguiu o exemplo.
Ao final do jogo, temos o Pistons de sempre: cinco jogadores com mais de 10 pontos, dois deles com 25, uma defesa impecável que contestou todos os arremessos e incomodou o Kobe o tempo inteiro, e uma vitória. Mas o modo com que isso aconteceu foi bastante diferente e frenético – ao menos comparado com aquele Pistons com que estávamos acostumados. Para mim, parece até mesmo lógica a nova abordagem: com uma defesa impecável e trocentos jogadores com talento no ataque, porque segurar a bola e o relógio ao invés de ir com mais sede ao pote?
Engraçado é que isso é justamente o contrário do Nuggets. Sem defesa nenhuma, com jogadores limitados, porque não diminuir o ritmo de jogo e valorizar cada posse de bola? É aí que entra Chauncey Billups, que na partida de ontem não calou a boca um segundo sequer, indicando as movimentações de ataque, organizando a defesa, chamando as jogadas, xingando um ou outro perdido e debatendo a crise ecônomica mundial e a impossibilidade de analisar a recessão atual através do prisma da obra de Karl Marx. O resultado ontem contra o Celtics foi um ataque cadenciado, balanceado, com seis jogadores com pelo menos 10 pontos e – pasmem! – uma defesa forte, principalmente no garrafão. Kenyon Martin marcou Kevin Garnett como se tivesse feito isso a vida toda com uma mão nas costas, e Nenê desviou arremessos, foi agressivo nos contatos e roubou um punhado de bolas das mãos do próprio Garnett. Ao todo, o brasileiro saiu de quadra com 5 roubos – além de 14 pontos e 7 rebotes.
Não me levem a mal, eu gosto muito do Nenê e naquele ano em que ele foi pra NBA eu falava tanto o nome dele que minha mãe chegou a pensar que eu tinha engravidado alguma garota. Mas o Nenê tem uma pitadinha de Zach Randolph em seu jogo, não no sentido de que ele não sai do chão e nunca dá tocos, mas no sentido de que quando ele recebe um passe, nunca devolve – prefere ir para a cesta a todo custo. Quando o Nuggets era porra-louca, passar a bola pro Nenê era pedir para todo o ritmo do jogo ser quebrado. Agora, no ataque organizado de Billups, ele recebe as bolas certas e não compromete em nada a velocidade do time. Não poderia pensar numa circunstância melhor para o Nenê voltar para as quadras e deixar a história do câncer para trás – ele é titular absoluto, o esquema de jogo favorece seu talento, o time está vencendo, ele é candidato a jogador que mais evoluiu até o momento e ontem, contra o Celtics, ninguém ousou perguntar “onde está Marcus Camby“. A troca do pivô agora parece fazer sentido, porque a defesa do garrafão foi excelente em todos os momentos. Bizarro.
Tem umas trocas que a gente alopra na hora mas que, após um tempo, começam a fazer sentido. O Nuggets está economizando muita grana por ter mandado Camby embora e até agora não fez falta, enquanto o Clippers está lá lidando com suas contusões – e perdendo. A troca do Pau Gasol para o Lakers levou o Marc Gasol para o Grizzlies e, embora eu ainda ache ele essencialmente um cocô (não consigo tirar suas atuações das Olimpíadas da cabeça), seus números são ótimos, ele desequilibra os jogos volta e meia e tem muitos recursos no ataque. Em um par de anos, vamos analisar a famosa troca dos irmãos Gasol e talvez nos surpreender. Do mesmo modo, muita gente correu para a mãe gritando que a troca de Iverson por Billups era ridícula para o time de Detroit, que eles tinham feito merda. Oras, um Pistons agressivo em que Iverson cobra 12 lances livres e ainda assim mantém o espírito coletivo, todo mundo pontua e a defesa continua impecável? Pra mim, a troca deu certo para as duas partes, pelo menos por enquanto.
Aliás, dois times que fizeram trocas recentes também tiveram jogos importantantes na noite de ontem, mas com resultados opostos. O Suns, que trocou por Shaq na temporada passada, teve outra atuação monstruosa do pivô: 29 pontos, 13 rebotes e 6 assistências. Ué, a carreira dele foi dada como mais morta que uma festa de aniversário do Tim Duncan e agora ele tem um jogo melhor do que o outro? Mesmo com essa atuação, no entanto, o Suns sofreu para vencer do Kings na prorrogação sem Matt Barnes e Nash, suspensos naquela briga com o Rockets, e sem o nosso Leandrinho, que voltou para o Brasil graças ao falecimento de sua mãe. Era o que todo mundo temia desde que ele perdeu um pedaço da pré-temporada com a mãe doente, e diz a lenda que eles eram absurdamente próximos. Não é um momento fácil, com certeza, mas esperamos que Leandrinho continue em frente e retorne às quadras assim que puder, até porque o basquete é o maior dos ópios – como diz o filósofo, “nada como um dia após o outro com uma noite no meio”, ou no mundo do basquete, uma cesta após a outra com um toco no meio.
Sem Leandrinho, quem salvou a noite foi Amaré Stoudemire. Ganhando por apenas dois pontos nos segundos finais, Amaré deu dois tocos sensacionais – um no John Salmons, outro no Spencer Hawes – em arremessos que teriam empatado o jogo. Abaixo, tem os lances da partida:
Já meu Rockets, que trocou pelo Ron Artest para essa temporada, perdeu do Spurs justamente porque Aaron Brooks tomou um toco do Duncan nos segundos finais, numa bola que empataria o jogo. Como eu adivinhei, com o Skip suspenso o Brooks foi titular e completamente retardado, arremessando 17 bolas – mais do que T-Mac, Artest, Yao Ming ou qualquer outro do elenco. Abaixo tem o toco decisivo, dentre outros lances:
Umas trocas dão certo, outras dão errado. Não dá pra saber se o Artest no Houston vai dar certo ainda, por exemplo, mas perder para a porcaria desse Spurs que colocou quatro torcedores pra jogar com o Duncan é sinal de que as coisas estão indo muito, muito mal. Resta esperar.