>O sujo falando do imundo

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“Falta” coisa nenhuma, só não vale puxão de cabelo e dedo no olho!

Eu sou sempre o primeiro cara a reclamar da arbitragem quando estou assistindo (ou jogando) basquete. Em geral, nunca estou satisfeito com os juízes, principalmente se for jogo do Spurs. Assim como, diz a lenda, a mãe do Mutombo acha que seu filho jamais cometeu uma falta sequer em toda sua vida, eu costumo acreditar que o Spurs nunca ganhou uma partida sem ajuda dos árbitros. Claro, é um recurso psicológico similar a dizer “roubando, até eu” para seu irmãzinho que acabou de te derrotar em qualquer coisa. Esquizofrenias à parte, eu realmente acredito em certo favorecimento da arbitragem para o Spurs, mas talvez seja só coisa da minha cabeça ou apenas uma resposta ao estilo de jogo da equipe de San Antonio, em que Bowen e Ginobili se especializam em usar as regras em favor próprio.

Ainda assim, sendo chato, crítico e paranóico, lá no fundo eu compreendo a dificuldade brutal que é apitar um jogo de basquete. Fui juiz em algumas partidas do campeonato interno de basquete do meu colégio há muitos anos atrás e fui duramente criticado e perseguido. Em certo momento, parei de dar faltas técnicas para cada ameaça de morte que eu recebia pois de outro modo não teria jogadores em quadra para terminar a partida. Armadores reclamavam de tapas na mão esquerda quando eu só tinha visão da direita, pivôs reclamavam de empurrões no garrafão em ângulos em que eu jamais poderia perceber. Eu tentava manter um olho na bola, um olho no defensor, um olho no garrafão, um olho no corta-luz, um olho nas meninas na torcida, mas isso é uma caralhada de olhos e ficava meio complicado não sendo mutante. Apitar um jogo sozinho é questão de onipresença.

Foi assim que entendi duas coisas: a primeira é que o juiz não pode ver tudo e, portanto, jogadores com más intenções podem sacanear bastante e mesmo assim saírem impunes. A outra coisa que entendi é que, por precisar de um monte de olhos, basquete tem que ser apitado por um monte de árbitros ao mesmo tempo. Mas o problema que isso cria é o do critério.

Para falar de critério, vale contar umas anedotas. Uma vez estava conversando sobre o filme “O Tigre e o Dragão“, de Ang Lee, inspirado num estilo de filmes clássicos chineses em que os praticantes de artes marciais são criaturas praticamente míticas. Uma garota me disse, então, que havia odiado o filme porque as pessoas “voavam” e que isso não fazia sentido. Nem preciso dizer, fiquei puto da vida. Acho uma besteira dizer que o cinema é a suspensão de toda a realidade, não dá pra engolir algo que não faça sentido algum, mas o que interessa é o possível dentro da obra, não fora dela. Tudo que é preciso é uma constância, um critério. Se numa cena as pessoas voam e na próxima elas não voam mais, tem alguma coisa errada. Se todo mundo voa quando é pertinente, voar se torna a normalidade dentro do filme. O que interessa é o normal dentro das regras da obra, não do mundo real. Outro caso que me recordo é o Denis assistindo “King Kong” no cinema e ouvindo uma garota reclamar, indignada, que o cabelo da mocinha não ficava desarrumado depois de uma cena caótica. Como diabos alguém reclama de um cabelo dentro de um filme com gorilas gigantes enfrentando um dinossauro em pleno século XX? É uma simples questão de verossimilhança.

No basquete, o mesmo se aplica. Cada partida de basquete é, de certo modo, um filme novo. Então em uma partida algumas coisas são permitidas, em outras não. Num dia, empurrar não é falta, no outro marcam falta técnica só de respirar no cangote de alguém. Não tem como impedir isso porque os árbitros são seres humanos com opiniões diferentes, critérios diferentes, olhos diferentes. O que importa mesmo é o critério, a verossilhança, o padrão dentro do mesmo jogo. Se assoprar é falta no começo do jogo, é bom que seja marcada uma falta todas as malditas vezes que alguém der um assopro naquele dia. Mas nós sabemos que isso não ocorre e, no fundo, é até compreensível: são três juízes apitando uma partida, cada um com seu próprio critério, pensando no que vão jantar quando voltarem pra casa.

Na minha curtíssima carreira no basquete universitário, cavei uma falta de ataque bem feita mas o juiz não marcou nada. Fiquei bravo, claro, mas concluí que ele não iria apitar aquele tipo de jogada. Dois minutos depois, um jogador do time adversário fez a mesma coisa que eu e teve uma falta marcada a seu favor. Enchi tanto o saco do juiz que ele até me xingou. Oras, eu não quero que minha opinião sobre as regras seja a verdade universal, eu só quero um maldito critério! Ou as pessoas voam nessa merda ou elas não voam! Mas o juiz não tinha assistido “O Tigre e o Dragão”.

Para mim, a arbitragem da NBA tem problemas graves de critério. As recomendações dadas aos árbitros de proteger os jogadores atacando a cesta e de marcar faltas defensivas no perímetro ao menor toque ou obstrução têm a intenção de aumentar a pontuação nos jogos da NBA, cortesia do gênio desocupado David Stern. Acontece que cada juiz lida com essas recomendações de um jeito e nunca surge um padrão durante a partida. Muitos torcedores exigem que algo seja feito, que os árbitros passem por novos treinamentos, que seja criado um padrão rígido, como no basquete internacional. Rá, tá zoando.

O que vimos nas Olimpíadas foram arbitragens tão ruins quanto qualquer partidinha de NBA, mais uma vez me dando argumento para a afirmação de que é no fundo a mesma merda. Os juízes europeus têm outros enfoques, se importam mais com coisas diferentes, mas não são mais criteriosos ou competentes. Na minha opinião, tudo na mesma. Mas fico um bocado incomodado com algumas afirmações, passeando por aí, de que os árbitros ajudaram a seleção dos Estados Unidos.

O armador contundido da Espanha (e futuro titular do Raptors), Jose Calderon, afirmou que se tivessem sido usadas as regras da FIBA, sua seleção teria vencido. Mas, como os árbitros favoreceram os americanos apitando como se fosse um jogo de NBA, os espanhóis perderam. Os que concordam que me desculpem, mas acho isso uma tremenda besteira. Na verdade, a grande maioria dos jogadores mais físicos da NBA sofreu bastante com a arbitragem olímpica. No primeiro jogo da seleção argentina, Luis Scola e Fabricio Oberto se enrolaram com problemas de faltas por questão de costume: na NBA, os juízes não costumam se importar muito com disputas por bolas soltas, o objetivo é mais proteger quem já tem a posse de bola. Nas regras da FIBA, o enfoque era outro e qualquer trombada de Scola por um rebote virava falta. Levou um tempinho para que eles se acostumassem e o mesmo ocorreu com os americanos, não apenas em contato durante bolas soltas mas também com trombadas no garrafão e faltas de ataque, muitas faltas de ataque.

É tudo uma questão de prioridade. A expressão no rosto de Chris Paul quando um árbitro apitou uma carregada de bola sua foi impagável. Minha impressão era de que ele nunca havia sido punido por carregar a bola antes em toda sua vida. Oras, na NBA ninguém está olhando para isso, existe muito contato, muita penetração, olhar para as mãos do jogador é secundário.

Se o estilo da arbitragem durante o jogo da final entre os Estados Unidos e Espanha foi mais “NBA”, é justamente porque o jogo foi mais físico, duro, brigado, com atletas explosivos capazes de bater para cima da cesta o tempo todo e a tendência da arbitragem é se focar mais nisso. Também há a questão da força e do tamanho dos jogadores, ninguém apita do mesmo modo uma partida entre raquíticos e uma entre halterofilistas, simplesmente porque os impactos parecem diferentes. Já falei disso há muito tempo atrás, criticando arbitragens diferenciadas para Yao Ming e Shaq por causa de seus físicos. Apitar um jogo dos Estados Unidos nas Olimpíadas não é, portanto, a mesma coisa que apitar um jogo do Irã.

Se a arbitragem mudou seu foco durante a final, foi simples consequência da ação envolvida na partida. Mas que fique bem claro que a incompetência, a falta de critério, esteve presente o tempo inteiro e prejudicou os dois lados, principalmente nas faltas de ataque. O resultado do jogo ficou comprometido? Não mais do que ficaria em qualquer outra partida da história da humanidade em que os juízes federam por serem humanos. Na minha opinião, esse papo do Calderon é coisa de perdedor fracassado. E esse lance de admiradores do basquete europeu criticando a arbitragem da NBA é na verdade gente que gosta da arbitragem ruim ao invés da péssima. Sujos reclamando dos imundos.

Seria legal ver o Dwyane Wade batendo para dentro e não tendo faltas fantasmas sendo apitadas nele o tempo inteiro? Seria, claro. Mas num jogo em que sujeitos rápidos e fortes pra burro batem para cima uns dos outros, é difícil saber quando houve um contato. Não significa que esses árbitros sejam mais burros só porque os europeus tão de olho pra ver se o Chris Paul tá carregando ou caminhando com a bola. Só podemos ter uma certeza: a arbitragem sempre vai ser uma droga em todo e qualquer lugar e o jeito é aceitar isso. Menos em jogo do Spurs, claro, menos em jogo do Spurs.

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