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Momento “Onde está o Wally”: quantos dedos do meio levantados
você consegue encontrar nessa foto? Eu contei seis.
Quem esperava uma vitória do Cavs contra o Heat na noite de quinta provavelmente ainda achava que o LeBron jogava pelo Cavs. Não havia qualquer possibilidade de que tivéssemos um bom jogo, disputado ou interessante, simplesmente porque o Cavs fede. Resultado de uma equipe montada ao redor de LeBron por anos e que, mesmo em seu auge, tinha jogadores que nunca fizeram sentido uns com os outros, o que restou da equipe é uma vergonha para o basquete. Alguns jogadores possuem momentos de talento, o Byron Scott é um técnico genial (que, curiosamente, teria tornando LeBron um jogador melhor), então o Cavs até engana um pouco às vezes, tipo mulher feia porém maquiada. O Heat, no entanto, tem umas espinhas na cara e provavelmente não tem uma perna ou um braço, mas ainda assim é um mulherão.
O espetáculo da partida de ontem não estava, certamente, dentro da quadra. Até mesmo porque LeBron teve a decência de tratar o jogo como se fosse qualquer outro de sua vida – ou seja, com profissionalismo. Foi uma partida comum entre um time ruim e um time bom, com lances bonitos e uma tonelada de airballs, que jamais teria chamado a atenção do público. O espetáculo estava, sim, fora da quadra, na arquibancada. Os torcedores, como adolescentes ainda apaixonados por uma mulher que os deixou, deixaram que LeBron soubesse que estavam magoados. As placas, os cantos e as reações foram tolas como só um adolescente de coração partido consegue ser, ouvindo NX Zero no quarto enquanto briga com os seus pais. Mas mostram, também, como a relação de amor e ódio por um jogador pode ser paradoxal. Para falar sobre isso, vamos dar uma olhada em alguns vídeos das reações na partida de quinta:
No vídeo acima, a torcida canta “asshole” ainda durante o aquecimento de LeBron. Numa tradução Google, “asshole” seria algo como bundaburaco. Numa tradução livre, seria o nosso “seu cuzão de merda”.
Nesse outro vídeo, acima, vemos dois gritos. O primeiro é “Akron odeia você”, e é pra machucar mesmo. Akron é a cidade em que o LeBron nasceu, significa muito para ele, e LeBron já disse esperar que sua cidade não lhe julgue traidor como Cleveland faz. O segundo, mais bem humorado, é “Delonte”, em referência ao boato ridículo de que o Delonte West teria comido a mãe do LeBron (não num sentido “Walking Dead”) e que isso teria criado uma fissura no grupo que levou à eliminação nos playoffs na temporada passada.
O vídeo acima, último, é um documentário de dois adolescentes de Cleveland e mostra a rotina dos dois antes do jogo, entrevista com alguns torcedores no ginásio e registra todos os cantos contra o LeBron durante o jogo, além dos torcedores do Heat tomando um monte de copos de cerveja na cabeça e sendo expulsos do ginásio. Nele podemos ouvir cantos como “Scottie Pippen” (coitado do Pippen, sempre sobra pra ele essa fama de não ter sido estrela, de ter sido apenas secundário, que é tão injusta), “sidekick”(algo como “ajudante”, tipo o Robin é do Batman, em referência ao papel do LeBron frente ao Wade no Heat) e “who is your dad” (“quem é seu pai”, em triste referência ao LeBron ter sido criado só pela mãe).
Apesar do cunho agressivo de muitos dos cantos para o LeBron, não achei nada tão absurdo assim. Principalmente porque fica implícito que ninguém no ginásio acredita realmente naquilo. Levanta um cara puto da vida, dizendo que o LeBron é um cuzão e que o Delonte comeu sua mãe, enquanto veste uma camiseta do LeBron com o número 23 nas costas, riscado. Fica tão óbvio que o cara era completamente fã do LeBron que não dá pra acreditar que ele esteja puto com o jogador, está puto é com o fato de que ele foi embora. Ódio de ex não dá pra levar a sério, porque ele quer dizer exatamente o contrário do que realmente diz. Os cantos de ódio ao LeBron significam apenas que queriam que ele estivesse ali, mas que ele não está. É o ódio que se joga em cima do morto durante um funeral, aquele ódio que só significa que amamos muito alguém que não podemos mais ter de volta.
Justamente por isso, durante o jogo me surpreendi com a baixa intensidade das vaias quando o LeBron tocava na bola. É como se o pessoal, consciente de que o LeBron sabe o quanto é amado naquela arena, nem se esforçasse tanto para mostrar o contrário. Comentei na hora,
no nosso Twitter, que o
Vince Carter tinha sido muito mais vaiado no seu primeiro retorno a Toronto – e olha que canadense só assiste basquete se tiver entrado no ginásio por engano, achando que ia ser jogo de hóquei. Hoje,
Morris Peterson confirmou meu comentário. Ele, que jogava no Raptors na época, disse que as vaias ao Carter foram mesmo mais intensas que as contra o LeBron. O motivo é simples: Carter pediu para ser trocado e chegou a boicotar o time para que acatassem sua vontade. Além de começar a dar migué durante os jogos, chegou ao absurdo de dedar para o banco do
Celtics qual jogada o
Raptors faria para tentar empatar um jogo nos segundos finais. Com a jogada previamente dedada, a defesa do Celtics foi perfeita e o Raptors perdeu o jogo. Nunca mais o Carter seria visto de outro modo que não vilão, inimigo. Sua camiseta nunca será aposentada por lá, porque a reação da torcida é de puro e verdadeiro ódio.
Em Cleveland a torcida não tem motivo para odiar LeBron a não ser pelo fato de que ele foi embora. Claro, há um ou outro caso de etiqueta desrespeitada, como dar o pé na bunda do seu ex em rede nacional (quem fez isso por Orkut sabe que dá merda), mas não foi nada absurdo. Os torcedores falam que foi traição, que ele é um cagão, mas no fundo todo mundo sabe que não há nada de errado em ele ter escolhido jogar com dois de seus melhores amigos e aumentar suas chances de conseguir um anel – principalmente porque a torcida do Cavs sabe muito bem como o LeBron toma porrada injustamente graças a comparações injustas e aleatórias (que porra ele tem a ver com o Jordan?), e que essas críticas sempre caem no fato de que ele ainda não foi campeão. Se ele faz ritual antes do jogo como trocentos jogadores fazem, é porque é estrelinha. Se ri durante o jogo, é mala. E tudo sempre recai no fato de que ele só poderia fazer essas coisas se fosse campeão. Então beleza, no fundo todo torcedor do Cavs sabe que o LeBron foi para o Heat ter mais chances de ser campeão e pronto. Dói, dá raiva, mas no fundo tá tudo bem. Pra mim é bem óbvio que, assim que o Cavs arrumar um novo namorado (uma ou duas estrelas vindas de draft e que tornem o time relevante de novo), a relação com o ex volta a ser de boas memórias. Não tenho a menor dúvida de que sua camiseta será aposentada em Cleveland, porque faltam ainda muitos e muitos anos e essa bobagem toda vai esfriar inteiramente até lá. Diferentemente do ódio de Toronto pelo Vince Carter, por exemplo. Lembram que o Shaq, por exemplo, era vaiado em Los Angeles quando falou merdas sobre Kobe e o resto do elenco e ganhou um anel de campeão pelo Heat falando que o Wade era o melhor jogador do planeta? Pois bem, aquilo durou 15 minutos. Alguém em sã consciência acharia que a camiseta de Shaq não será aposentada em Los Angeles?
Chego até a deixar a hipótese de que o LeBron será sempre muito mais vaiado quando for para Chicago do que ele é em Cleveland. Isso porque a torcida do Bulls, ressentida com o fato de que LeBron (e Wade, e Bosh) não toparam jogar lá nessas férias, não têm como barreira o fato de tê-lo amado, de ter suas camisetas, de tê-lo como ídolo. Ele é um jogador mais fácil de odiar em Chicago, e as vaias de desdém por alguém com quem não se tem uma história são mais simples, violentas e barulhentas.
A história sempre dói, é claro que o LeBron se sente magoado de ter que ouvir tanta merda num lugar em que sempre deu tudo de si, em que nasceu, cresceu e se tornou um homem de barba na cara. Mas ele também está consciente de que a reação dos torcedores é só ruído, calor do momento e piada. Eu sou fã do LeBron e teria mijado fácil num dos seus bonequinhos que foram atirados nos mictórios do ginásio por torcedores mais fanáticos, simplesmente porque é uma reação caricatural, comicamente exagerada, inofensiva – muito longe das provocações completamente cruéis que acontecem regularmente nos jogos do Utah Jazz, por exemplo. O pessoal foi pra lá, gritou bobagem, cantou que o Delonte comeu a mãe do cara, mas quando o LeBron jogou seu pó de magnésio para cima antes do jogo, a maioria achou o máximo e estava fotografando com o celular. Sabem que estão vendo história – e esse é um sentimento delicioso que só podemos ter com os melhores jogadores, os Kobes e LeBrons da vida. Seria muita perda de tempo perder a história sendo feita fazendo birra, e acho que por isso a reação do povo de Cleveland não deve durar, eles sabem bem quão especial LeBron é. Vamos dar a eles então dois drafts, deixemos que o LeBron volte pra casa, e vamos ver se não vão estar todo sorrisos novamente.
Para o próprio LeBron, voltar a Cleveland também vai deixar de doer. Porque agora dói, claro, a gente esquece que o cara é um ser humano que foi trabalhar – trabalho, tipo a gente, embora não esperemos ser chamados de cuzão por 20 mil pessoas quando vamos no almoxerifado da firma – e tem que se preocupar se vão tacar uma cadeira em sua cabeça depois de tudo que fez por esses malucos. Mas uma hora passa, fica ameno para todas as partes. E a dor vai ser outra: “será que tomei a decisão certa?”
Assim que LeBron foi para o Heat, Tracy McGrady veio a público dizer que invejava LeBron, que ele próprio nunca tivera um companheiro tão talentoso quanto LeBron teria em Wade (com exceção de Grant Hill, mas com o qual pouco jogou graças às contusões constantes dos dois), e que se arrependia de ter passado boa parte da carreira tentando levar times sozinho. Garnett também fizera discurso similar para o LeBron quando alegou que ir para o Celtics jogar com outras estrelas foi a melhor coisa que poderia ter feito em sua vida, ao invés de ficar numa franquia fracassada e apagada (a gente mal lembra do Garnett no Wolves, quando ele era fácil o melhor jogador da NBA). Mas agora, depois que a decisão óbvia foi tomada, o pessoal volta com outro discurso. O Tracy Mcgrady veio a público de novo dizer que LeBron e Wade não se complementam (o que é fato, porque nenhum deles gosta de arremessar), que o time não vai funcionar porque eles dois querem segurar a bola, e que a química que o LeBron tinha no Cavs era espetacular e não deveria ser trocada por nada no mundo. E é esse o peso que o LeBron terá que carregar: ir para o Heat era fácil, parecia genial, apelação, gerou inveja, mostrou uma nova mentalidade de jogadores que deixam o ego de lado e topam jogar juntos para vencer. Mas jogar num time na vida real é diferente, significa enfrentar contusões, más decisões do técnico, jogadores que não combinam, gente com chulé, abrir mão de muitas coisas. O Celtics foi campeão porque soube apanhar, soube feder, e soube como sair disso tudo. Depois quase entrou em crise, mas eles dão um jeito, sabem unir as forças e começar de novo. Falta ainda para o Heat isso, se lascar no começo de temporada e saber sair melhor disso, com contusões ou não, jogadores que encaixam ou não. Agora é fácil de criticar dizendo que vai dar merda, antes era fácil dizer que o LeBron e o resto do Heat tavam apelando.
Contra o Cavs, vimos um Heat unido tentando proteger o LeBron de uma ex-namorada furiosa. Esse é o tipo de coisa que pode salvar um time e fazer com que superem as limitações. Ou que pode não servir para nada, e apenas aumentar o peso das expectativas – que já começa a fazer ruir, pouco a pouco, as bases desse Miami Heat muito mais do que os egos muito bem contidos de todo o elenco. Quem diz que Wade, Bosh e LeBron perdem porque seus egos entram em conflito se encaixa naquele ódio fácil do Chicago Bulls, por exemplo, aquele ódio de quem quer odiar e pronto. Porque quem odeia o LeBron com seu coração partido sabe: montar um time que funciona não é fácil pra ninguém, eles viram que em Cleveland levou tempo – e que mesmo assim não funcionou a ponto de trazer um anel. Quanto tempo será que os críticos darão a esse time para se acertar até que a imagem dos jogadores envolvidos esteja permanentemente manchada por ódio e ignorância?