>
Tem hora em que é bom ter a atenção de todo mundo, ser famoso, estar em destaque. Mas tem hora em que é melhor quando as pessoas estão olhando para o outro lado, tipo quando você está maluco para arrancar aquela caquinha do nariz no meio da rua. É aquela agonia de aguardar duas dezenas de pessoas olharem para o outro lado para não te pegarem no flagra, e quando finalmente todos se viram para ver, por exemplo, um atropelamento, é como se fosse um milagre. Existe algo nos céus e ele quer que eu tire minhas caquinhas à vontade, mesmo que alguém tenha que ser atropelado por isso.
Pois essa deve ser justamente a sensação do Atlanta Hawks na noite de ontem. A caquinha que aconteceu no jogo deles contra o Orlando Magic passou completamente despercebida porque todo mundo estava olhando para o atropelamento, um tal de LeBron James passando por cima dos atuais campeões da NBA. Se alguém tivesse ficado congelado num iceberg durante a temporada passada e tivesse sido trazido de volta à vida apenas para assistir ao jogo de ontem, essa pessoa seria um personagem ridículo de quadrinhos e chamaria Capitão América, mas fora isso, não haveria como explicar que esse Boston Celtics acabou de ser campeão. O time de ontem não lembrava aquele das grandes atuações contra o Lakers nas Finais do ano passado, do mesmo modo que o Cavs não lembrava aquele time horrível que apesar de feder sempre chegava longe nos playoffs. Aliás, o Cavs não lembrava sua versão antiga nem no uniforme, já que ontem usaram uma versão retrô que parecia uma toalha de mesa. Como assim o Cavs passa tão bem a bola? Como assim o Celtics não sabe defender? O homenzinho descongelado estaria mesmo muito confuso, sem falar na dificuldade que seria entender o que aconteceu com o Warriors desde a temporada passada e como é que a Britney Spears voltou a fazer sucesso.
Mas uma coisa continua exatamente igual: o Cavs ainda é uma das equipes mais pentelhas de se enfrentar. Não há um passe do outro time que não seja desviado, atrapalhado, incomodado. Não havia uma jogada do Celtics que saísse limpa ou parecesse ter acontecido como planejada. A tática “vilã de High School Musical” de deixar o adversário feio para sair vencedor já é antiga em Cleveland, mas agora o Cavs não acaba mergulhando na própria feiúra que causa e consegue jogar de forma bonita e eficiente. Os atiradores de três pontos estão bem calibrados, dois deles sempre ficam em quadra, os pivôs não param um segundo de executar um corta-luz atrás do outro e a bola se movimenta com velocidade e sem egoísmo – a não ser nas mãos de LeBron James. Embora algumas vezes tenha exagerado um pouco, é incrível ver a capacidade de LeBron em tomar a bola para si e segurar o ritmo do jogo, deixar o cronômetro rodar, mudar um pouco a abordagem, e saber quando utilizar-se desse recurso. Em um momento, está partindo para contra-ataques, rodando a bola, envolvendo os companheiros. Em outro, segura a bola, conta até dez e depois resolve fazer alguma coisa (em um par de vezes fez bobagem, mas a habilidade de saber alterar a cadência do jogo é coisa rara e LeBron não tinha esse poder mutante há pouco tempo atrás).
Quanto ao Celtics, dificilmente eu saberia o que dizer ao nosso homenzinho descongelado. O James Posey até faz falta mas não vamos exagerar, ele era apenas uma peça de apoio e todo o resto do elenco evoluiu o bastante para minimizar as perdas, desde Rajon Rondo até Kendrick Perkins e Leon Powe. A queda tão brusca de produção, esse chute nos bagos vergonhoso na partida de ontem, parece inexplicável sem levar em conta o fator psicológico. É como se todo mundo em Boston agora se sentisse mortal, percebesse que às vezes eles fedem e podem perder qualquer jogo. Nos playoffs passados eles quase perceberam a realidade na série contra o Hawks, que ganharam com muito sufoco, mas desde então a mentalidade era de que não tinha como dar errado. Bem, agora as coisas estão definitivamente dando errado pra valer e o elenco inteiro parece assustado, eles simplesmente não sabem como é feder – vão ter que aprender agora, com a corda no pescoço.
Isso repercute diretamente nos playoffs. Se antes o Celtics era o time a ser vencido, a equipe amada idolatrada salve salve, e todo mundo se mijava nas calças antes das partidas pensando no Garnett devorando carne humana e na surra que iriam levar, agora o negócio muda por completo. Na noite de ontem o Cavs humilhou o Celtics inclusive fisicamente, na porrada, deixando meia dúzia de jogadores de verde estirados no chão. O termo “surra” é bem propício, e agora todo mundo sabe que é possível dar umas belas palmadas nos sujeitos. Para azar do Boston, não tinha outro jogo mais importante para todo mundo olhar pro outro lado, a vergonha passou em rede nacional (e ao redor do mundo) e as fragilidades técnicas e psicológicas foram completamente expostas – de um modo que, sinto dizer, parece ser irreversível.
Já a vergonha do Hawks não foi tão catastrófica assim. Primeiro que ninguém (fora o próprio Celtics!) tinha medo de enfrentar os passarinhos, outra que ninguém acompanhou o massacre – em parte porque o interesse no jogo do Cavs era muito grande, em parte porque o Hawks não tem torcida mesmo. O Magic simplesmente chutou traseiros, marcando 121 pontos no jogo e 71 apenas no primeiro tempo, ou seja, teria feito muito mais se não tivesse abandonado o último período (em que marcou apenas 18). O Hawks, por sua vez, não chegou nem aos 90. O que isso nos diz, crianças? Primeiramente, que o time de Atlanta tem uma tendência muito grande a feder devido à inconsistência, ao garrafão fraco, à idade dos jogadores e às contusões constantes. Além disso, nos diz que o Magic é um time que pode dar uma surra história num dia e perder de lavada no outro. Como o Denis bem disse, falta algo para o time, que insiste sempre no mesmo esquema de jogo. Quando as bolas caem, como contra o Hawks, fica difícil pará-los: foram 16 bolas de três pontos convertidas em 28 tentadas. O time é o sonho do finado Antoine Walker, é a Meca do JR Smith, é o paraíso perdido do Travis Outlaw: a regra é arremessar de fora o tempo inteiro, haja o que houver, e quando as bolas não caem o jeito é torcer para que todo mundo esteja olhando para o outro lado – ou seja, rezar por outro Cavs e Celtics. Nos playoffs, no entanto, todo mundo estará olhando.
Aliás, esse lance de olhar para o outro lado me lembrou uma outra história. Enquanto o Cavs e o Magic davam sovas históricas, o alto escalão do Blazers liberava uma carta aberta alertando que serão tomadas medidas legais para processar qualquer time que se atrever a contratar Darius Miles. O negócio é complicado: o Miles foi dispensado sob a alegação de ser possuidor de uma lesão que teria lhe encerrado a carreira, e portanto as regras da NBA permitem que seu salário seja cortado da folha de pagamento do Blazers. Mas se o Darius Miles chegar a jogar dez jogos por outro time, fica provado que a lesão não colocou em risco sua carreira e o Blazers volta a ter que pagar a grana que lhe devia. Bem, desde que o Miles saiu de Portland, boatos diziam que ele estava muito bem nos treinos e com um discurso de que não estava pronto para parar de jogar (o que por sua vez já é engraçado, porque o Darius Miles sempre pareceu não ser muito fã de jogar basquete, quase uma versão do Tim Thomas, só que feita em Taiwan, porque quebra o tempo todo). Mas se ele estava bem nos treinos, era óbvio que a lesão não havia sido do tipo que encerra carreiras, e o Blazers estava apenas dando um jeitinho de se livrar da porcaria daquele contrato gigante, ainda mais lembrando que o time era profundo demais para manter mais um corpo semi-morto no banco. Ou seja, tá na cara que o pessoal lá em Portland quis dar um migué, usar as regras dando um “jeitinho brasileiro” (para os nossos leitores de Angola e Portugal, isso não significa lidar com as regras dançando samba, comendo feijoada e lutando capoeira, por favor.)
Já que era capaz de andar com as duas pernas e até mesmo levantar os braços, Darius Miles é melhor do que muito jogador em atividade por aí (Kwame Brown, estou olhando pra você!), e por isso acabou ganhando algumas chances na pré-temporada e recentemente em dois jogos com o Grizzlies. Das dez partidas necessárias para que ele seja considerado “em atividade”, já se foram oito. Então a água está batendo na bunda do Blazers, que está prestes a ter que pagar o salário inteiro do Miles, ficar acima do teto salarial, pagar uma multa por isso, e não poder assinar um free agent na temporada que vem. Pra mim, a reação natural seria ficar quieto num canto, sem fazer muito barulho, torcendo para que ninguém perceba o que está acontecendo, já que o Darius Miles não é muito memorável mesmo. Reze para que todo mundo olhe para o outro lado, para a crise no Celtics, para o debate de MVP, para os escolhidos do BBB (tem uma velha, essa não sai na Playboy!), qualquer coisa. Mas não. O alto escalão do Blazers ameaçou processar quem resolver deixar o Miles jogar duas partidas “só pra prejudicar as finanças da equipe de Portland” e agora todo mundo está prestando atenção na história, todos os times sabem do que está acontecendo, e todo mundo vai querer o maldito do Darius Miles – que, além de tudo, pode muito bem quebrar um galho em praticamente qualquer time por aí, com o bônus de ferrar o Blazers no processo.
Pra mim, pareceu alguém com uma mala de dinheiro gritando, no meio da rua, que vai processar quem levar a mala embora. Afinal, é sempre uma boa idéia anunciar que você está cheio de grana numa situação vulnerável, né? Alguém no Blazers é mesmo uma anta.
Resultado? O Grizzlies gostou do Miles e vai assiná-lo, ele jogará bem mais do que duas partidas, o Blazers vai pagar a taxa por ultrapassar o teto salarial, e o time de Memphis vai sair triplamente favorecido: consegue um jogador que pode contribuir em várias posições, atrapalha os planos do Blazers de dominarem o mundo, e ainda ganha um monte de dinheiro. Explico: as taxas pagas pelos times que ultrapassam o teto salarial são repassadas igualitariamente entre os times que estão abaixo do teto. Lembram que o Grizzlies estava bem abaixo, com grana sobrando, e anunciou que preferia manter o dinheiro a assinar alguém só por assinar? Pois bem, isso vai render uma grana extra que um dia os ajudará a dominar o mundo. O Memphis vai ser campeão quando todo mundo estiver olhando para o outro lado. Aposto um pé nisso, desde que não seja meu.