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Dentre as informações que o assistente técnico da seleção brasileira Sileno Santos nos mandou, uma das coisas que mais nos impressionou foi uma análise rápida de cada uma das seleções que enfrentará o Brasil na primeira fase das Paraolimpíadas, vinda do estudo de jogos de todas as equipes. Isso imediatamente nos lembrou uma anedota.
Era uma vez o Mundial Feminino de Basquete ocorrido em São Paulo, em 2006, em que o Denis e eu comparecemos a quase todos os jogos. Em geral, quando um jogo do Brasil acabava, a torcida ia embora para a casa e sobrávamos num ginásio praticamente vazio. Quando o Brasil se classificou para as semi-finais, em que enfrentaria a Austrália, ficamos ansiosos para assistir às australianas em quadra poucas horas depois para dar uma olhada melhor no que iríamos enfrentar. O Denis e eu víamos o jogo da Austrália compenetrados quando de repente percebemos que o então técnico da seleção brasileira, o Barbosa, passeava calmamente pela arquibancada batendo papo, tirando fotos com “fãs” e dando uns autógrafos. Nem por um segundo olhou para a quadra.
Não resisti, me debrucei na arquibancada vendo-o lá embaixo e gritei “Barbosa!“. O velhinho olhou pra cima feliz, achando que eu queria dar um tchauzinho, mas eu continuei: “Barbosa, assiste ao jogo! A gente pega as australianas amanhã!” Ele me xingou, com um ofensivo gesto de mãos, e arrisco dizer que, depois disso, ele nunca deve ter tido vontade de ler o Bola Presa. Pois é, não dá pra agradar todo mundo.
A seleção masculina de basquete em cadeira de rodas parece ser justamente o oposto, analisando jogos importantes dos oponentes com a intenção de jogar da melhor maneira possível, adequando-se a cada adversário. O que será obviamente necessário, afinal caímos no grupo mais difícil. Vamos espiar as duas chaves:
Grupo A
África do Sul
Irã
Japão
Suécia
Alemanha
Canadá
Grupo B
Brasil
Estados Unidos
Austrália
China
Israel
Inglaterra
Cair no mesmo grupo que Estados Unidos, Austrália e Inglaterra no basquete em cadeira de rodas é como cair na Conferência Oeste da NBA e ficar sofrendo pela 8a vaga nos playoffs. Então, vamos dar uma olhada nos adversários do Brasil e também nos dias e horários dos jogos pra todo mundo poder acompanhar. As partidas que acontecem de noite não tem desculpa para não assistir, todo fã de NBA tá acostumado a dormir tarde e vamos acompanhar todos os jogos em nosso chat com transmissão ao vivo (ao menos esperamos!). Já as que são de manhã exigem as mesmas mutretas que a gente usou para assistir às Olimpíadas umas semanas atrás. Se bem que a maioria (eu incluso) periga perder o emprego se arranjar mais uma desculpa ridícula para enganar o chefe e ficar assistindo aos jogos em casa. Aqui no meu emprego minha mãe pegou 3 tipos de doenças raras, minha vó pensou que era Napoleão, fiquei preso na privada e fui picado por um tipo exótico de abelha narcoléptica, que me fez dormir no ônibus e acabei perdendo o ponto em que tinha que descer. Acho que não rolam mais desculpas, mas não é nada que uns links para ver os jogos no trabalho mesmo não resolva!
Domingo, dia 7
Brasil vs Austrália (5h15)
Um dos adversários mais difíceis do grupo, medalha de bronze no Mundial de 2006 e medalha de prata nas Paraolimpíadas de 2004. Segundo Sileno, “sua formação básica conta com dois jogadores pontuados 4,5, sendo um deles considerado o melhor do mundo em 1996, um jogador ponto 3,0 com muita habilidade na armação e dois pontuados 1,0 que executam perfeitos corta-luzes para seus jogadores.” Nunca pensei que alguém fosse analisar uma seleção australiana que não tivesse a Lauren Jackson de roupinha justa, mas aí está a prova contrária:
“A delegação estudou a equipe australiana em diversos vídeos, sendo o principal deles o jogo final entre Canadá e Austrália realizado em janeiro deste ano, quando ocorreu a realização do evento teste das instalações esportivas em Pequim.“
Brasil vs Estados Unidos (23h)
Um dos grandes favoritos ao título do torneio, ganhadores do ouro no Mundial de 2002 e da prata no Mundial de 2006. O time vem crescendo nos últimos tempos, vencendo o bi-campeão Olímpico, o Canadá, durante o Para-Panamericano do Rio, ano passado. Pelo que parece, a palavra-chave da seleção americana de Kobe e LeBron é a mesma para a seleção paraolímpica: profundidade. A equipe é completa e permite que as substituições aconteçam sem que exista perda de nível técnico. Além disso, os jogadores dominam os fundamentos, algo que já era de se esperar – eles são americanos e não sabem fazer outra coisa além de comer Big Mac e jogar basquete (o Eddy Curry só sabe comer Big Mac, mas isso não vem ao caso). Abaixo, a preparação para enfrentá-los:
“O Brasil se preparou para este adversário analisando as últimas fitas de vídeo do Mundial da Holanda e dos jogos Para-Panamericanos, além de realizar, às vésperas das Paraolímpiadas, jogos amistosos contra os americanos em seu centro de treinamento na cidade de Birmingham, em Alabama.”
Segunda, dia 8
Brasil vs Israel (22h)
A seleção de Israel é um adversário complicado mas que o Brasil está de certa forma acostumado a enfrentar. No Mundial da Holanda, em 2006, o Brasil perdeu para Israel na fase de classificação (74 X 51) mas depois se vingou na disputa pelo nono e décimo lugar, vencendo os israelenses (61 X 53). A seleção é bastante alta e os jogadores atuam em renomadas equipes européias, com bastante experiência internacional. A comissão técnica brasileira analisou os jogos contra Israel em 2006 e espera encontrar respostas para garantir a vitória na primeira fase dessa vez.
Quarta, dia 10
Brasil vs Grã Bretanha (9h45)
Mais uma pedreira, medalha de bronze nas Paraolimpíadas de 2004 e quinto lugar no Mundial da Holanda em 2006. O time está com novo técnico, o australiano Murray Treseder, ganhador da medalha de ouro nas Paraolimpíadas de 2000. A equipe perdeu na final da “Visa Cup” para os Estados Unidos em maio, num jogo muito disputado que já está nas mãos da comissão técnica brasileira para ser dissecado. Se os caras podem dificultar a vida dos americanos, podem dificultar a vida de qualquer um.
Quinta, dia 11
Brasil vs China (7h30)
A China é um mistério. Não estou falando da medicina que contém agulhas e energias místicas, da magia milenar, dos velhinhos misteriosos com ár de sábio e barba longa. A seleção chinesa é que é um mistério por não ter participado da fase de classificação, ganhando automaticamente o direito de participar do torneio por ser o país-sede. Para nossa sorte, será nosso último adversário na primeira fase, nos dando tempo o suficiente para conhecer os chineses nos jogos anteriores. Por enquanto, basta saber que eles não tem Yao Ming, o que é sempre um bom começo. Mas a gente nunca sabe se o governo chinês não criou um atleta em laboratório só pensando na medalha paraolímpica.
EUA vs Austrália (9h45)
A chance de ver os dois melhores elencos do grupo do Brasil se enfrentando. É uma boa pedida para a gente, que é tão leigo para o basquete em cadeira de rodas quanto a Luciana Gimenes é para neuropsicologia, dar uma olhada no nível global do esporte. Eu também pretendo usar esse jogo para mostrar o esporte para um monte de gente no meu trabalho. É uma desculpa para que eu possa assistir a partida sem ter que me esconder, mas também é um modo de espalhar uma prática esportiva que definitivamente chuta uns traseiros e que vai ser legal demais de acompanhar.
Segundo a matemática do Sileno Santos (porque aqui a gente só sabe contar usando os dedos), o Brasil tem que ganhar pelo menos dois jogos para acabar em quarto lugar do seu grupo e se classificar para a próxima fase. Derrotar os adversários mais fracos, Israel e China, será tarefa fundamental para a classificação, mas não será nada fácil. O único problema de se classificar em quarto lugar é que o cruzamento será com o primeiro colocado do outro grupo, que será o Canadá a não ser que alienígenas abduzam toda a seleção (ou que ursos comam toda a seleção, se eles ainda não estiverem em Pequim). Você quer enfrentar o Canadá? Nem eu. Fizeram bastante propaganda dizendo que eles não são um time bacana de se ter pela frente. Então o ideal seria o Brasil se classificar em terceiro lugar, enfrentando assim adversários bem mais fracos porque o resto do grupo A é bem mais mamata. Para tanto, o ideal seria ganhar 3 ou 4 jogos, o que deve ser quase impossível mas ao menos vale a nossa torcida. Seja como for, não nos resta dúvidas de que nossa seleção está muito bem preparada.
Justamente por isso, em algum lugar do Brasil, jogando bingo, o ex-técnico Barbosa deveria sentir vergonha. E não perder um jogo sequer de um time preparado e dedicado: nossa seleção de basquete em cadeira de rodas. Se alguém tiver o telefone do sujeito, pode me passar. Faço questão de ligar para ele de madrugada e gritar: “Barbosa! Assiste ao jogo!“