Os dois DeMar DeRozan

No primeiro dia do ano, DeMar DeRozan bateu seu recorde de pontos na carreira: foram 52 na vitória na prorrogação em cima do Milwaukee Bucks. Cinco jogos antes, DeRozan já tinha alcançado sua maior marca até então, com 45 pontos na vitória em cima do Sixers. Certamente um dos melhores pontuadores da NBA, líder de um Toronto Raptors que está atualmente na segunda colocação da Conferência Leste, à frente do Cleveland Cavaliers. Por que então DeRozan e seu time são tão pouco celebrados? Por que não conseguimos olhar com nada além de desconfiança para essas atuações memoráveis?

O motivo se resume num evento simples: entre os 45 e os 52 pontos de DeMar DeRozan, tivemos seu jogo de SETE pontos contra o Dallas Mavericks. DeRozan jogou 34 minutos, perfeitamente dentro de sua média por partida, e arremessou 16 vezes, acertando míseras TRÊS bolas. Não à toa seu Toronto Raptors perdeu a partida, mesmo quando o Mavs passou longos 6 minutos sem conseguir fazer um único ponto sequer no final do quarto período e uma liderança de apenas 10 pontos no placar. Nesse ínterim de 6 minutos, DeRozan só tentou um único arremesso – mesmo número de arremessos que ele tentou no primeiro quarto inteiro. Ignorado no ataque, apagado, invisível – todos atributos impensáveis para um jogador que marcaria em breve 52 pontos arremessando 29 bolas e acertando 17 delas, somando 17 pontos só no quarto período e prorrogação de um jogo disputadíssimo. O que acontece? Como um jogador pode oscilar tanto?

Se o Raptors ainda nos desperta incredulidade é porque existem dois DeRozans: aquele que é imparável, capaz de pontuar sem parar e quebrar o recorde de pontos da franquia numa noite comum em Milwaukee; e um outro, que marca 7 pontos num jogo e que também perde as Semi-Finais da Conferência Leste para o Cavs por quatro jogos a zero, como foi o caso nos últimos Playoffs. Essas duas caras do DeRozan me fascinam. Será que ele ingere um líquido misterioso que liberta sua personalidade agressiva e pontuadora? Será que ele tem um irmão gêmeo, no que seria um roteiro brega de novela mexicana? Será a tradicional desculpa do “psicológico fraco”, um jogador que se desestabiliza nos momentos de maior pressão?

Por mais que eu adore a possibilidade do gêmeo maligno, minha sugestão é um pouco diferente. Vamos dar uma olhada numa coletânea com os 52 pontos de DeRozan na partida contra o Bucks:

Existe um padrão nessas jogadas: DeRozan está sempre sofrendo marcação individual, ou então infiltrando contra seu marcador e a cobertura adicional acontece através de um jogador que está EMBAIXO DO ARO. Nessas situações, vemos de tudo: DeRozan jogando de costas para a cesta arremessando por cima do seu defensor, arremessos contestados de meia distância, infiltrações em que ele desvia do jogador que está embaixo da cesta com contorções de último segundo e até as bolas de três pontos que ele sempre evitou ao longo da carreira. Quando entrou na NBA, DeRozan tentou 16 bolas de três na temporada – uma média de 0.2 por partida. Na temporada passada, pressionado pelo “basquete moderno”, tentou diversificar seu jogo e arremessou 124 bolas de três pontos, 1.7 por partida. Contra o Bucks o que vemos são 5 bolas de três pontos convertidas, várias no mano-a-mano, em movimento. Pela primeira vez na carreira ele atingiu a média da NBA em aproveitamento nas bolas de três pontos e deve ultrapassar seu recorde de arremessos no perímetro bem antes do final da temporada. Ou seja, com esse tipo de marcação ele agora consegue até mesmo converter arremessos de longa distância, o que abre ainda mais espaço para infiltrações e, consequentemente, para os 13 lances livres que ele cobrou ao longo da partida.

Agora vamos dar uma olhada abaixo na primeira tentativa de DeRozan contra o Mavs, a partida em que ele marcou míseros 7 pontos:

 

Assim que DeRozan usa um corta-luz, um jogador corre para encostar em DeRozan e atrasá-lo enquanto seu defensor, Wesley Matthews, se recompõe e estabelece posição DENTRO da linha de três pontos. Quando DeRozan recebe um segundo corta-luz, Matthews passa pelo corta-luz e o pivô se dedica exclusivamente a bloquear o caminho de DeRozan para a cesta beeeeem longe do aro, quase no círculo da linha do lance livre. Sem esse caminho, DeRozan passa a bola para fora para um arremesso ruim de Serge Ibaka.

Segundo exemplo, parecido mas ainda mais extremo:

 

De novo Wesley Matthews luta contra o corta-luz, um pivô protege a entrada para o garrafão, e aí os dois AMONTOAM no DeRozan para impedir qualquer arremesso de meia distância ou infiltração. A ideia é forçá-lo ao passe através de um bom defensor dedicado e uma defesa por zona que proteja seu caminho por trás do defensor. Precisamos dar os méritos para a defesa do Mavs, que é a que toma menos pontos no garrafão em toda a NBA, justamente a especialidade de DeRozan. Mas é desesperador como o Raptors não tem nada a oferecer para DeRozan que não seja um corta-luz simples e, se não funcionar, um outro corta-luz ou uma jogada que o deixe totalmente isolado contra seu defensor. Isso quer dizer que os 52 pontos contra o Bucks são responsabilidade inteira de DeMar DeRozan, que trucidou seus marcadores e inventou pontos em situações difíceis e improváveis, mas também quer dizer que contra defesas inteligentes e armadas para pará-lo, também é responsabilidade dele sair sozinho do buraco. É uma situação extremamente cruel, de extrema pressão, em que cabe a ele inventar a roda todos os jogos – não existe solução pronta ou fácil.

Acho bacana que depois das duas “refugadas” que vimos nos vídeos acima, DeRozan parou de forçar quando era possível passar para alguém, acionar um companheiro. De fato, insistir numa jogada quando a defesa está preparada para contê-la é simples teimosia. Mas isso significa que mesmo num jogo contra um oponente mequetrefe – o Mavs é o terceiro pior colocado na Conferência – que é justamente quando a estrela de um time pode brilhar e terminar a fatura mais cedo, DeRozan pode ser apagado por uma defesa bem montada e o time precisa arrancar uma vitória através de passes para Ibaka e Valanciunas, jogadores com menores aproveitamentos e que podem ser mais facilmente contidos pelos adversários.

Vale reassistir aos 52 pontos contra o Bucks e pensar: não teria sido melhor dobrar a marcação ainda na linha de três pontos, ou então colocar um jogador de garrafão na cobertura de tudo que DeRozan fizer? O que o Bucks tentou foi alternar defensores, tentar novos duelos, e colocou até Antetokounmpo para marcá-lo. Resultado: ele simplesmente arremessou por cima do grego gigante. Mas se Antetokounmpo fosse a SEGUNDA LINHA defensiva, o Raptors precisaria vencer com outros jogadores.

Não é que o Raptors não seja capaz disso: Kyle Lowry é um bom pontuador, Ibaka continua contribuindo, CJ Miles é bom no perímetro, Norman Powell está evoluindo, OG Anunoby é um bom novato defensivo. O banco certamente evoluiu bastante desde a temporada passada. Mas é que nenhum desses é um pontuador nato, uma força da natureza que faz mais de 50 pontos contra sua marcação individual, alguém que melhora seu repertório de ataque ano após ano e pode ser um dos maiores talentos ofensivos de sua geração. O Raptors é um time bom, mas DeRozan é espetacular – e infelizmente a equipe precisa abrir mão dele quando qualquer defesa resolve que vai marcá-lo com mais de um defensor.

Vejo algumas pessoas dizerem que DeRozan marcar 52 pontos é indício de que as defesas da NBA estão piorando, estão menos físicas e outras bobagens do tipo. Pelo contrário: a defesa que tomou esses 50 pontos é uma defesa extremamente tradicional, com marcação individual como vimos por décadas e décadas na História da NBA. Jason Kidd, técnico do Bucks, gosta de experimentar com defesas diferentes, mas parece que nos jogos mais “tensos” opta por defesas bastante individuais. E defesas assim são trucidadas por talentos ofensivos como DeMar DeRozan. Por outro lado, uma defesa inteligente de verdade, bem pensada e ensaiada, impede o rapaz de atingir dois dígitos no placar. Se DeRozan tem média de 25 pontos por jogo e não de 4o é porque as defesas são cada vez mais organizadas, forçadas a trabalhos progressivamente mais coletivos, com técnicos especializados. Hoje, até um time inteiramente voltado para o ataque, como o Houston Rockets, consegue inovar defensivamente com treinadores específicos para tipos de defesa específicos.

O resultado é que ser espetacular como DeRozan não basta: conseguimos ver seu talento, que é absurdo, apenas quando alguma defesa abaixa a cabeça, comete erros bobos ou toma decisões equivocadas. Para ver esse talento TODOS OS DIAS, em todos os jogos – e consequentemente confiar que essas atuações espetaculares aparecerão nos Playoffs, nos momentos que mais importam – é preciso que o time CRIE maneiras de jogadores como DeRozan “escaparem” das melhores defesas, colocando-os em melhores situações de arremesso. Não é tornar o jogador bom, mas sim permitir que ele seja tão bom quanto é em situações adversas, contra defesas especializadas em pará-lo.

O paralelo com Kevin Durant é óbvio: passou a carreira em Oklahoma arremessando por cima de defensores, matando seus marcadores individuais, pontuando à vontade. E então passou a enfrentar defesas que não o deixavam encostar na bola, marcações duplas, zonas mistas. Não era demérito de Durant, mas sim uma AUSÊNCIA TOTAL DE ESTRUTURA, a falta de um sistema que permita ao jogador manter sua identidade mesmo quando o adversário lhe força para fora da zona de conforto. No Warriors, Durant não ficou subitamente melhor, apenas ganhou a rede de segurança que lhe coloca em boas oportunidades de arremesso quando antes não haveria nenhuma – e que impede que ele sofra marcação dupla, tripla, coberturas, marcações específicas para enfrentá-lo.

Infelizmente, é disso que DeMar DeRozan precisa. Vemos sua pior face – o gêmeo maligno – quando lhe falta apoio do time, uma jogada ensaiada para lhe dar a bola com livre acesso à cesta. Tudo para ele é puro esforço, tudo precisa ser brigado, conquistado, cabe a ele e apenas a ele inventar os arremessos, ganhar uma bola de longa distância, forçar contato. Mas quando tudo é puro esforço, a frustração também é gigante: bastam um par de dias ruins nos Playoffs e todo esforço parece em vão. Toda a campanha positiva parece um desperdício. Não adianta se esforçar sozinho. Até as grandes estrelas precisam de uma estrutura que permita a elas serem quem elas de fato são mesmo quando tudo o mais lhes impor o contrário.


 

Já viu as novas camisetas do Bola Presa em parceria com a iTees? Comece o ano com uma de nossas estampas exclusivas clicando aqui!

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

Como funcionam as assinaturas do Bola Presa?

Como são os planos?

São dois tipos de planos MENSAIS para você assinar o Bola Presa:

R$ 14

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

R$ 20

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Como funciona o pagamento?

As assinaturas são feitas no Sparkle, da Hotmart, e todo o conteúdo fica disponível imediatamente lá mesmo na plataforma.