>Os malefícios de torcer

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O Durant grita porque, nessa idade, é assim que se pede leitinho
A partida de ontem entre Jazz e Thunder foi uma das mais espetaculares da temporada. Depois de mais de uma semana afastado da NBA (vida boa nas montanhas), dei a sorte de escolher acompanhar justamente uma partida tão memorável. A escolha pelo jogo, no entanto, não foi aleatória: o Jazz tem sido um dos meus times favoritos de assistir nos últimos anos, enquanto o Thunder é meu novo queridinho agora que Houston, Grizzlies e Kings estão eliminados e não podem mais ir aos playoffs.
Com o Jazz empatado em número de vitórias e derrotas com outros três times (todos ocupando da segunda à quinta posição) e o Thunder logo atrás, em sexto, com apenas uma derrota a mais, o confronto decidia diretamente o posicionamento para os playoffs. Para mim, o jogo simplesmente mostrava a mudança dos tempos: aos poucos fui torcendo contra o Deron Williams, um dos meus armadores favoritos na NBA, e vibrei com cada lance do time adversário que, durante muito tempo, chamei apenas de aquele-que-outrora-se-chamava-Sonics. Mais do que feliz, me senti orgulhoso de perceber que os times se modificam e, portanto, meus interesses e gostos também mudam constantemente. Enquanto tanta gente critica esses torcedores que migram seu interesse de um time para o outro dependendo de quem está mais na modinha, concluo que não seguir a modinha é simplesmente uma baita burrice. Já pensou se eu não tivesse acompanhado a partida de ontem só porque o Kevin Durant acabou de virar popzinho?
Foram 45 pontos do garoto-acne, incluindo sete bolas de 3 pontos. Três delas, aliás, foram feitas em sequência durante os minutos finais do quarto período, quando o jogo parecia empatado. A terceira bola, arremessada com a tranquilidade de quem toma chá com o Tim Duncan, partiu de uns bons dois passos atrás da linha de 3 pontos. Foi assim que, de repente, o Thunder perdia apenas por um mísero pontinho. Durant ainda errou por muito pouco uma cesta de três, todo torto, bem marcado e de costas pro aro, no estouro do cronômetro que teria dado a vitória ao Thunder. Com seu erro, o jogo foi para a prorrogação em que o Deron Williams continuou sua noite absurda e acertou o arremesso da vitória com um segundo apenas para o fim.
O Deron Williams marcou 42 pontos, maior marca da carreira. Já faz tempo que insisto que o Deron tem o melhor arremesso de média-distância da NBA (além de um dos melhores crossovers e um dos melhores “step-backs”, aquele passinho para trás para ganhar espaço). Ele é simplesmente mortal conseguindo se livrar do marcador apenas o suficiente para um arremesso nas proximidades do garrafão. Sem falar de sua força física que lhe garante umas trombadas tranquilas rumo à cesta e capacidade de viver dando cabeçadas durante os pick-and-rolls. A visão de jogo é apenas um bônus, jogando no esquema tático do técnico Jerry Sloan ele nem precisava – o Deron Williams parece ter nascido para armar o jogo para o Jazz, só seria mais perfeito se tivesse nascido mórmon e achasse que os negros tem essa cor porque não aceitaram Jesus (perceba que minha primeira crítica ao Jazz ou os mórmons só veio aqui, várias linhas depois de iniciado o post, porque aqueles torcedores sem senso de humor que aparecem no blog são sempre vindos do Orkut e, portanto, não conseguem ler mais de três linhas – sua alfabetização se restringe a frases como “só add quem deixar scrap”, por isso nunca mais faço uma piada com eles nas primeiras linhas de um post).
O Deron Williams é sensacional, deu a sorte de estar num time que usa todos os seus pontos fortes, e permite que o Jazz seja uma máquina fortíssima quando o elenco está dentro dos desenhos táticos. Cansei de ver meu Houston tomar pau de um Jazz obediente taticamente em que todo mundo se move o tempo inteiro e o ataque limitado acaba mostrando uma quantidade inesperada de armas ofensivas. O Denis e eu sempre batemos na tecla de que o time é lindo de se ver jogar – mas aí, vendo meu amado Deron Williams chutar traseiros e o Jazz jogar com todas as peças no lugar certo, eu não conseguia fazer nada além de, sorrindo com a beleza do jogo, torcer contra. Meus tempos de entusiasta do Jazz terminaram.
Aqui no Brasil, quando torcemos para um time da NBA não se trata de uma escolha cultural. Salvas raríssimas exceções, ninguém aqui nasceu ou foi criado numa cidade com um time da NBA, ninguém tem pais que torcem para o time e colocam bandeira da equipe no quarto do bebê no hospital, ninguém faz parte de uma etnia ou minoria representada por uma equipe, nem tem amigos ou parentes que cresceram juntos ao redor de um ginásio com jogos todas as noites. Nossas escolhas por uma equipe são arbitrárias e representam, no máximo, uma identificação com um modo de jogo. Vemos um time jogar e achamos legal ou chato, vemos um time que só perde e escolhemos porque curtimos sofrer e ser corinthianos, vemos um fraco ganhar do forte e escolhemos porque curtimos uma zebra, vemos um time colecionar títulos e escolhemos porque ganhar é divertido, vemos um jogador espetacular e escolhemos seu time porque será legal acompanhar a carreira de sua estrela. As relações afetivas com os times surgem depois, quando ninguém se lembra mais que a escolha do seu time de coração foi arbitrária e aleatória. O esporte tem dessas, carinha dar sopapo ou meter pipoco em nome de um time que ele – que nem mais se recorda – um dia sentou no sofá e decidiu “é, vou torcer pra esse aqui”. Quem é que se sujeita a ficar bravo ou ofender por um troço tão aleatório, tão desassociado de laços culturais?
Mas o torcedor passa anos acompanhando o time vencer (se você torce pro Lakers e Spurs), anos acompanhando o time feder (se você torce pro Jazz) e anos sozinho assistindo novela da Globo (se você torce pro Grizzlies), ele passa a estar ligado ao time, e começa a achar um absurdo o cara que chegou agora e, também aleatoriamente, escolhe um time qualquer para acompanhar. Tudo porque, como o Denis sempre gosta de lembrar, brasileiro não gosta de esporte: brasileiro gosta é de torcer. Então todo mundo tem que escolher time enquanto o torcedor de longa data mete o pau em quem está chegando agora babando – com razão – em cima do LeBron James.
Nos Estados Unidos, o pessoal não tem tanto acesso a partidas da NBA quanto a gente pensa. São poucas transmissões em canais abertos, mas cada região passa todos os jogos de seu time. Então um morador de San Antonio pode ver todos os jogos do Spurs e aos poucos começa a querer se enforcar de tédio, mas não verá quase nunca o Cavs jogar. Pior: times que não recebem cobertura nacional dos grandes canais acabam desaparecendo dos olhos do público, e um torcedor de San Antonio só vê equipes como Kings e Nets quando esses times enfrentam o Spurs. Então, lá na gringolândia, o torcedor não tem muita escolha a não ser seguir seu time.
Aqui não. Sem ter um canal local passando os jogos do nosso time, nosso acesso aos jogos é através da TV paga, que em geral mostra sempre as mesmas equipes (é questão de público e dinheiro), mas nossa alternativa é acompanhar pela internet, em que podemos assistir qualquer jogo de qualquer equipe. Qualquer um. Frente a essas circunstâncias, esse lance de acompanhar apenas um time, ou então de ser contra as modinhas, parece uma estupidez tremenda, um comportamento que errou de cultura e de país. Ao invés de criticar os torcedores modinha do Bucks, todo mundo que acompanha NBA no Brasil deveria correr e acompanhar um par de partidas dos veadinhos para ver do que se trata, como jogam, como é sua defesa, o porquê de estarem ganhando jogos. Ao invés de odiar o LeBron por ser modinha ou o Kobe por ser fominha, todo mundo deveria correr para acompanhar suas maiores atuações. Quando o Kings e o Tyreke Evans explodiram no começo da temporada, o Denis e eu não parávamos de ver jogos da equipe. Quando o Kevin Durant começou a pontuar como um maluco, lá estou eu para tentar entender o que raios faz esse Thunder ser tão bom.
Nessa temporada, assisti quase todas as partidas do Houston. Mas, confesso, foi apenas porque o time era divertido demais de se ver. Abandonei vários jogos da equipe, quando as coisas estavam capengando, para ir acompanhar o Kings em alta – e até para acompanhar, como fiz tanto, o Nets em baixa. O Nets virou para mim uma espécie de modinha do Mundo Bizarro, eu queria acompanhar pra entender o porquê de feder tanto se os jogadores eram tão legais. O resultado foi que o Nets tem o quíntuplo de posts no Bola Presa nessa temporada do que tem o Spurs, porque eu sou um modinha. E vou dizer uma coisa, é uma delícia seguir a moda e ir espiando o que de melhor – e de pior! – está acontecendo ao redor da NBA.
Alguns torcedores do Jazz tão agradáveis quanto a Vanuza cantando o Hino Nacional me tiraram um bocado de apreço pela equipe. Mas minha falta de interesse no Jazz, mesmo enquanto o time chocava a NBA e nos fazia morder a língua, tem mais relação com o interesse crescente por outros times. Amor e obediência incondicionais são um absurdo: tudo é histórico. Se você ama e obedece incondicionalmente ao seu país, deveria perceber que esse amor é tão arbitrário e aleatório quanto torcer para o Palmeiras ou para o Fluminense, e eventualmente teu país pode estar fritando judeus por aí e você vai estar batendo palmas, nesse lance de incondicional. Tudo depende do momento, das circunstâncias. Eu torço pro Houston até que isso seja divertido, no momento em que eles contratarem o Bruce Bowen eu deixo para lá. Esse lance de “eu torço para tal time e não importa o que ele faça, o que interessa é vencer” é coisa de quem não gosta de esporte ou basquete, gosta é de vitória. Mas aí dá pra deixar a NBA de lado e ir disputar par-ou-ímpar. Vitória é o caralho, estamos aqui porque é divertido, porque nos faz bem, porque nos permite uma janela para o mundo, porque nos dá orgulho da humanidade, porque nos dá nojo da humanidade. Se é só vencer, pega teu irmãozinho e vai jogar Street Fighter com o Sagat.
Sendo assim, interesses, amores e paixões pelos times da NBA vem e vão o tempo inteiro. Sorte de quem torce menos e aproveita mais, sorte de quem sabe porque e para quê está gastando horas e horas diárias da sua vida num esporte que consiste de acertar uma esfera laranja numa circunferência exageradamente alta lá nos Estados Unidos, e a gente assiste de longe, batendo palminha atrás do teclado. Então eu vejo menos Jazz e mais Thunder. Acompanho o meu Houston trocando de canal quando começa o Grizzlies. Deixo o Michael Jordan pra lá porque seu tempo já terminou e tem um caralhada de jogadores maravilhosos que apareceram na NBA desde então. Acompanho Kobe, LeBron, Wade e Durant, tudo ao mesmo tempo, sem ter birra por nenhum deles apenas porque estão ficando famosos ou porque um é melhor que o outro. É por isso que a política do Bola Presa é não fazer lista com os quatrocentos melhores alas de todos os tempos, não ficar vivendo no passado e nem criar qualquer inimizade que não seja bem-humorada. Senão o Chris Paul é chamado de estrume só porque um carinha prefere o Deron Williams. Torcer acaba atrapalhando a fruição de um esporte que tem trocentos times, trocentas estrelas, trocentos jogadores incríveis que são completamente nada-a-ver e você só conhecerá vendo os 5 minutos finais de uma partida perdida pelo Pacers.
Eu querer que o Thunder ganhasse não estragou nem um pouco a partida maravilhosa do Jazz ou a marca histórica do meu queridinho Deron Williams, apenas tornou mais indignante a falta não marcada em cima do Kevin Durant no seu arremesso de três pontos que poderia ter vencido o jogo (vale conferir, junto com os melhores momentos, no vídeo abaixo).
Se o arremesso iria entrar ou não, nem importa, ele sofreu uma falta e teria direito aos lances livres que poderiam empatar ou vencer o jogo. Os juízes não deram, o Durant ficou na quadra reclamando, foi arrancado de lá pela comissão técnica, e eu fiquei um pouco emburrado. Acontece. Acompanhei uma das melhores partidas da temporada, com um final eletrizante e até roubado, simplesmente porque resolvi embarcar na modinha do Kevin Durant. Já tem gente odiando o garoto e nem é porque ele tem a metade da nossa idade e já chuta traseiros um absurdo, é só porque ficam babando ovo nele. Porque, afinal de contas, legal mesmo é babar ovo no Eddy Curry.
Confesso que fico até um pouco aliviado de não ter o meu Houston Rockets para acompanhar nos playoffs. Além de não entupir o Bola Presa com posts do tipo “diabos, o meu time não tem chances mas eu amo o Kevin Martin“, poderei assistir trocentas outras equipes em duelos incríveis sem ficar torcendo muito, posso ficar vibrando com os jogos e esperando alguns confrontos específicos. Torço moderadamente até a favor do Spurs, que agora é um time moderadamente divertido e imprevisível, mas peço desculpas aos moradores do Rio pela minha torcida pelo San Antonio estar causando alguns fenômenos pluviais.
Não deixe ninguém tirar a tua diversão em acompanhar algum jogador queridinho do grande público, ou de torcer por um time que está nas manchetes, ou que acabou de ganhar um título. Mas também não se prenda a esse jogador ou a esse time que, como você sabe, foi escolhido meio ao acaso. Permita-se degustar toda a NBA sem que seu fanatismo te torne completamente cego para as outras coisas que cercam o universo do basquete. E, acima de tudo, se você não tem senso de humor, vá torcer para o Jazz para que fiquem todos concentrados em um só lugar e as outras maçãs não se estraguem. A NBA pode ser muito legal, apesar de muita gente – fanática por ela – tentar provar o contrário.

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