Quando LeBron James resolveu voltar para Cleveland e abandonar a equipe com a qual jogou quatro finais em quatro anos, ganhando dois anéis de campeão no processo, seus parceiros de time precisaram decidir também seus futuros na franquia. Dwyane Wade mostrou o desejo de se aposentar no mesmo Miami Heat que o draftou em 2003, e no qual ele ganhou três campeonatos. Por mais triste que fosse ver seu último par de bons anos numa quadra de basquete sendo gastos em um time em reconstrução, depois de construir esse legado em Miami já não lhe fazia sentido ir embora e tentar se manter relevante em outro lugar. Mas para Chris Bosh, decidir seu futuro era muito mais difícil, especialmente porque o meu Houston Rockets colocou na mesa um contrato máximo de quatro anos para que ele se juntasse a James Harden e Dwight Howard rumo a uma chance real de título. Bosh ter recusado a oferta do Rockets e decidido continuar em Miami é algo que mostra muito de sua personalidade, mas também o modo como a NBA lidou com seu talento desde que foi draftado pelo Toronto Raptors.
Quando chegou à Liga, Bosh já era um protótipo do que viriam a ser os “novos alas de força“, com arremessos de média distância, bom controle de bola e a capacidade de driblar seus marcadores em direção à cesta. Lembrava o Kevin Garnett do começo de carreira, com potencial para armar o jogo e arremessar de fora. Mas por conta do seu tamanho e das limitações do elenco daquele Raptors, Chris Bosh foi improvisado como pivô e apesar de todas as dificuldades físicas pelas quais passou no processo, foi incrivelmente bem sucedido. Estando no Canadá, Bosh aprendeu rapidamente os pontos positivos e negativos de não se localizar no centro da atenção da mídia. Por um lado, sua carreira não recebia qualquer pressão, as metas da equipe eram simples, havia pouca cobrança por parte de fãs e jornalistas. Por outro lado, seus grandes feitos passaram amplamente despercebidos pelo público em geral. Tanta trombada no garrafão, tanto impacto físico nunca lhe ganharam o respeito que merecia. Ganhou como imagem o esteriótipo de jogador sem força física, reclamando por não ter um pivô que pudesse lhe ajudar a se dedicar às posições em que teria mais facilidade. Sua ida para Miami conseguiu então lhe dar o melhor de dois mundos: trouxe atenção para o seu jogo, técnico e especialistas dando valor para os sacrifícios que ele teve que fazer em quadra para fazer sua parceria com Wade e LeBron funcionar e dois anéis de campeão para legitimar seu trabalho; e ao mesmo tempo lhe permitiu um ambiente de pressão limitada, com menos holofotes do que em franquias tradicionais como Lakers e Knicks, e funções divididas com outras estrelas para facilitar o esforço.
[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Bosh tenta abraçar o mundo”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2015/12/Bosh.jpg[/image]
Para Bosh, continuar em Miami após a saída de LeBron manteve essa rede de facilidades: a pouca pressão da imprensa, as vantagens de se morar em Miami, a familiaridade dele e de sua família com o ambiente, com a equipe técnica, com Wade. Bosh admitiu que ir jogar em Houston não apenas não seria garantia de título – basta lembrar que o trio que ele formou em Miami levou um tempo para finalmente conseguir funcionar – como também traria uma cobrança terrível de vencer imediatamente mesmo se os jogadores não encaixassem, que o estilo tático não funcionasse ou que alguém ficasse descontente. Além disso, jogar com Harden e Dwight colocaria Bosh de novo num modelo de sacrifício pessoal por um bem maior, limitando seu estilo de jogo para acomodar as outras estrelas. Quando LeBron saiu, Wade e Bosh sentaram, conversaram e chegaram à conclusão de que se ambos jogassem com mais liberdade, tendo mais impacto no jogo, poderiam sentir mais prazer em quadra e também tapar a maioria dos buracos ocupados por seu antigo companheiro. Ou seja: Wade e Bosh acreditavam que, para além das facilidades de se manter no mesmo modelo, cidade e elenco, também poderiam lutar por um campeonato – com a vantagem de que ninguém espera em são consciência que isso aconteça.
A primeira temporada desse projeto não deu nada certo, sequer foram aos playoffs. Além de Goran Dragic chegando no meio da temporada e lesões de Dwyane Wade, Bosh ainda perdeu quase 40 jogos com uma embolia pulmonar gravíssima – aliás, essa foi a lesão “da moda” na temporada passada, né. Enquanto todos estavam saudáveis, entretanto, o que se viu não foi assim tão bonito: o esquema tático tinha problemas sem LeBron James, Bosh ter que jogar mais perto da cesta atrapalhou o jogo de perímetro da equipe, faltava um armador que pudesse criar espaços e que fizesse cortes frequentes rumo à cesta. Dragic tentou se adequar a esse papel mas teve dificuldades com o espaçamento e com a movimentação sem a bola, e faltava ao jogador a confiança necessária para que os adversários temessem ao mesmo tempo seus arremessos e suas infiltrações.
[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Dragic mostra que é fã de metal”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2015/12/Dragic.jpg[/image]
Erik Spoelstra é um técnico famoso por deixar seus jogadores improvisarem em quadra, mas desde que estejam de acordo com a movimentação ofensiva pré-determinada e ocupem os lugares definidos pelas análises estatísticas de aproveitamento da equipe. Mesmo com seu jeitão tranquilo e nada confrontador, digno de sua aparência de Nhonho magro, ele é bastante chato nos vestiários mostrando como as decisões dos seus jogadores em quadra não deram certo porque não seguiram um ou outro plano de jogo. Dragic sofreu um bocado no começo porque não entendia essa transformação sutil que tentavam fazer em seu jogo nos bastidores. Só agora, com pouco mais de 50 jogos pelo Heat, Dragic disse finalmente estar se sentindo confortável com o esquema tático e entrosado com Bosh e Wade. Afirmou estar mais tranquilo em quadra, se divertindo mais no processo. Ao mesmo tempo, Bosh parece retornar aos poucos para suas funções da época de LeBron, arremessando menos e atuando como facilitador, ligando através dos passes o lado direito e o esquerdo da quadra, e criando espaços com suas bolas de fora. Depois de uma temporada de mais experimentações e papéis menos definidos, o Heat encontrou de novo um jeito de jogar que lembra o que lhe fez campeão – mas sem LeBron, o que exige obviamente novas peças, um Goran Dragic inspirado, um Gerald Green agressivo porém obediente, e pouco ou nenhum espaço para erros. Como esses erros ainda acontecem com frequência, especialmente no ataque, o time está longe de parecer aquela máquina invencível que vimos em anos anteriores. Mas ali, na miúda, com a segunda melhor defesa da NBA no momento, um esquema tático eficiente e jogadores entrosados, eis que o Heat já é o melhor colocado no Leste, estatisticamente à frente do Cavs de LeBron em termos de aproveitamento. E não dá nem pra dizer que isso só acontece porque é Leste, já que nessa temporada bizarra o Heat seria o terceiro colocado do Oeste, atrás apenas de Warriors e Spurs.
Se antes não ter ido para o Rockets parecia absurdo, especialmente com o Heat terminando a temporada em décimo lugar do Leste e a equipe de Harden e Dwight jogando a Final do Oeste, agora já parece que o sonho secreto de Wade e Bosh – de lutar por um título dentro do mesmo esquema, da mesma franquia, da mesma equipe técnica – é uma possibilidade real, e que só exige um pouco de paciência. Muitos times poderiam ter queimado Dragic rapidamente, tentar trocá-lo, ou remontar a equipe do zero diante do fracasso, mas Spoelstra insiste na ideia de que criar uma identidade no elenco é algo que acontece de maneira natural com o tempo, desde que os conceitos corretos sejam oferecidos aos jogadores com constância e coerência. Numa Liga cheia de equipes que implodem da noite para o dia, será uma lição incrível se o Heat voltar ao topo da NBA apenas dando tempo para seus jogadores se acostumarem com a nova realidade da perda de LeBron James. Afinal, para aqueles que ficam a vida sempre continua.