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Rebote: basquete-arte
Quando tudo parecia mudado, eis que bastou uma ou duas partida pra gente voltar dois anos na máquina do tempo. Até daria pra começar o post dizendo que não é só no Brasil e não é só no futebol que não se tem memória, que é tudo presente, mas isso não vem ao caso. O que acontece é que qualquer reação, até as mais exageradas, são motivadas por acontecimentos reais.
Estou falando, claro, de todas as declarações de que o Lakers é um time que não consegue fazer frente ao jogo físico do Celtics. Que o Lakers é, no termo usado à exaustão nos EUA, um time ‘soft’. Algo que a gente aqui no Brasil, sem a mesma delicadeza, chamaria de “fresco” ou “de mulherzinha”. No site da NBA já vi pelo menos uns dois ou três colunistas dizendo que o legado desse time do Lakers está em jogo nos próximos jogos, que perdendo essa série será como atestar que não mudou nada desde 2008 e que o time ainda é muito fresco e sempre vai perder para times que joguem com mais força física, com mais vontade, que vão para o contato físico.
Eu concordo apenas em parte com isso. Não acho que o Lakers está perdendo por causa de falta de vontade ou porque o Celtics é um time com mais raça. Acho que o Celtics tem a vantagem de 3 a 2, antes de mais nada, porque jogou 3 jogos em casa contra só 2 do Lakers. E depois disso, por mais uma única e simples razão: rebotes. Em especial os rebotes ofensivos.
Os rebotes tem sido decisivos nessa série. Em todos os cinco jogos, quem teve mais rebotes venceu o jogo e em 4 dos 5 jogos (sendo o último jogo a exceção) quem teve mais rebotes ofensivos levou a partida também. O jogo passado pode ter sido uma exceção porque o Celtics teve um aproveitamento ofensivo estranho, por um lado passou boa parte do jogo acertando mais de 60% dos seus arremessos, por outro cometeu o maior número de turnovers nessa série. Ou seja, ou era cesta ou era erro, sem chance para rebotes de defesa ou ataque.
Ao contrário de 2008, o Lakers tem sim um time muito físico e que joga bem na defesa, o que forçou o Celtics a um aproveitamento baixo nos 4 primeiros jogos, e o Celtics é bem conhecido por sua defesa, também forçando o Lakers a jogadas forçadas. O resultado de jogos assim são partidas com muitos rebotes e quem tem controle deles tem mais chance de arremesso, o que é essencial quando o aproveitamento é tão baixo.
No primeiro jogo Andrew Bynum e Pau Gasol tomaram conta do garrafão, mas nos últimos jogos a combinação de Perkins e Garnett nos rebotes defensivos e Glen Davis e Rajon Rondo nos ofensivos está matando o Lakers. E é o domínio dos rebotes que impulsiona questões essenciais no esquema de jogo das duas equipes: só com os rebotes de ataque o Lakers consegue dominar o garrafão e só com os rebotes de defesa o Celtics consegue puxar contra-ataques rápidos.
A principal mudança na questão dos rebotes que fez o Celtics parecer o melhor time da série nos últimos jogos foi que o Doc Rivers mandou todo mundo atacar os rebotes de ataque em qualquer jogada. Mesmo os rebotes em que o Lakers parece ter domínio aparece alguém do Celtics lá para pular junto, tentar um tapinha pra fora ou até um roubo. Nem sempre dá certo, mas quando dá é uma posse de bola a mais, o que tem feito a diferença numa série que tem, depois de 5 jogos somados, um placar de 464 para o Celtcis a 462 para o Lakers. Nada mal uma diferença de 2 pontos depois de 240 minutos de jogo, hein?
Esse ataque aos rebotes do Lakers também força o Lakers a perder tempo. São vários segundos de posse de bola perdidos na luta pelo rebote, na conquista do espaço e no passe para o armador começar a jogada. Isso complementa bem a defesa agressiva do Celtics, que força o Lakers a sair do garrafão para pegar a bola. No jogo passado não foi raro ver o Lakers começar a montar sua jogada com apenas uns 14 ou 12 segundos sobrando no relógio de 24 segundos. Com tão pouco tempo para enfrentar uma defesa tão forte foi quase impossível colocar Gasol e Bynum em situação de cesta, obrigando o Kobe a arremessar mais do que o normal e sempre em situações que ele não gostaria de arremessar.
Mas como ele é um extraterrestre que usou seus talentos de outro planeta para se infiltrar no nosso povo e nos influenciar sendo um ídolo do esporte, o Kobe foi retardado o bastante para marcar 19 pontos só no terceiro período e impedir o Lakers de ser destruído pelo Celtics. Um período de 19 pontos em uma situação normal significaria vitória do Lakers, em um jogo em que o ataque não conseguia nada, serviu só para segurar a diferença na casa dos 8 pontos.
Esse ataque aos rebotes de ataque, por fim, anula também o jogo de transição do Lakers. Ele não é mortal e veloz como o liderado pelo Rajon Rondo do outro lado, mas com um ritmo mais moderado é capaz de criar as situações ideais para o ataque do Lakers. É na saída rápida que o Gasol se estabelece mais perto da cesta, que saem as pontes-aéreas para o Bynum ou que o Odom mostra o seu lado mais criativo e pontuador.
Não quero tirar a importância das chamadas “hustle plays” que todo mundo está comentando na imprensa americana, dando a vantagem para o Celtics. Essas jogadas são aquelas ganhadas na raça, na vontade: uma bola no chão que alguém pula, um toco conseguido por ter pulado com mais vontade, uma bola que ia sair e alguém voou para conseguir salvar. São jogadas que dão moral para o time e que colocam a torcida no jogo, não dá pra negar, mas que são essenciais mesmo por conseguirem mais posses de bola para o time que as conquista. E enquanto essas jogadas são mais raras, os rebotes estão lá em toda santa posse de bola, também rendendo novas posses.
Podem falar de nervosismo, tradição, maldição, ataque, defesa, contra-ataque, turnovers, banco de reservas, bolas de 3, jogadores ‘soft’, posição da lua, horóscopo, qualquer coisa. Tudo isso é importante e pode decidir um jogo, mas depois de 5 jogos acho que ficou bem claro que os dois times se equivalem na soma dessas características. O que tem sido decisivo são os rebotes: como eu disse antes, quem ganhou a batalha dos rebotes ganhou o jogo e não vejo porque seria diferente no jogo de hoje e em um eventual jogo 7.
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8 ou 80 na Final
Já que eu acho que um número, o de rebotes, pode definir o título, é hora de alguns números interessantes da série decisiva
– No jogo 2 Andrew Bynum teve 7 tocos e Pau Gasol, 6. Foi a primeira vez desde que a NBA começou a contar o número de tocos em 1973 que dois companheiros de time tiveram mais de 5 tocos em um jogo da Final.
– Mas nem tudo é perfeito no mundo da defesa de garrafão de LA. O Lakers teve 28 tocos nos primeiros três jogos da série, nos últimos dois somou apenas 4.
– Ray Allen acertou 8 arremessos de três no jogo 2 da Final, um recorde da história das Finais. Nos outros jogos ele tentou 18 arremessos de três pontos e não acertou nenhum.
– Já Kobe teve seu recorde de bolas de 3 em um jogo de playoff no jogo 4, com 6 acertos. Porém, no mesmo jogo, teve seu recorde de erros, 7.
– O jogo 4 teve uma estatística bizarra: nenhuma enterrada.
– O mesmo jogo 4 marcou apenas a quarta vez nos últimos 25 anos que um time venceu um jogo da final sem que seu cestinha fizesse mais de 20 pontos. Paul Pierce foi o cestinha do Celtics com 19 pontos. As outras duas vezes aconteceram com o Spurs em 2007, Pistons em 2005 e Rockets em 1994.
– No jogo 4, Andrew Bynum jogou 32 minutos e não pegou nenhum rebote de defesa. A última vez que ele havia jogado pelo menos 25 minutos sem ter conseguido um rebote defensivo foi no dia 23 de fevereiro de 2007 contra, surpresa, o Boston Celtics.
– O Lakers não chegou aos 40% de aproveitamento no jogo 5. Foi a vigésima vez na temporada que o Celtics segurou o adversário abaixo dessa marca, nunca perdendo um jogo quando isso aconteceu.
– As 12 assistências do Lakers no jogo 5 foram a segunda pior marca do time em toda a temporada.
– Kobe Bryant marcou 23 pontos seguidos para o Lakers entre o fim do segundo quarto e metade do terceiro no jogo 5. Foi a primeira vez que um jogador marcou mais de 20 pontos seguidos pelo seu time desde que LeBron James fez 25 pontos seguidos contra o Pistons na final do Leste de 2007.