Os reis – Parte 3: Chris Bosh

>Encerramos hoje (para alegria de alguns, que não aguentam mais ver a gente falando nisso) uma série de 3 artigos sobre o novo Miami Heat. Cada um deles foca um dos três jogadores que acabam de assinar com a equipe (LeBron James, Dwyane Wade e Chris Bosh), analisando o que essa superequipe significa para cada um, para suas carreiras, e como decidiram tornar essa união possível. O primeiro artigo foi sobre Dwyane Wade e seu posto soberano no Heat. O segundo foi sobre LeBron James, seus tempos de colegial e como isso pode ter influenciado sua escolha. Para finalizar, o terceiro artigo abaixo aborda Chris Bosh, sua maldição por ter que jogar de pivô e sua invisibilidade em Toronto que tenta, agora, ser deixada para trás.

Bosh parece um dinossauro, tem pescoço de brontossauro, e por isso não deveria sair do Raptors

No ano em que o Chris Bosh entrou na NBA, era uma droga conseguir acompanhar jogos do Raptors. As transmissões na internet eram escassas e a TV religiosamente ignorava a franquia fracassada do Canadá, que nem é país de verdade, para transmitir jogos do LeBron James novato e do Denver Nuggets com Nenê e Carmelo Anthony (especialmente a TV brasileira, que tem um patriotismo bizarro e nos forçou a assistir por muito tempo um dos piores quintetos da história da NBA, que era aquele Nuggets com o brasileiro ainda novato, irch). A maioria das coisas que sabíamos de Bosh era de “ouvir dizer”, até ele jogar o All-Star Game com os outros novatos. A primeira vez que ele tocou na bola fora do garrafão e bateu para dentro com uma série de dribles secos, rápidos e bem executados, fui à loucura. Seu físico lembrava o de Kevin Garnett nos primeiros anos na liga, ou seja, um magrelo anoréxico de braços gigantescos, mas com mãos é pés rápidos, talento para sair driblando, arremesso consistente e muito confortável de frente para a cesta, como se fosse um armador que comeu muito Neston quando era criança e cresceu demais. Fiquei imaginando que colocar aquele sujeito dentro de um garrafão deveria ser um crime punido com cadeira elétrica. Se não fosse pelos seus 2,08m de altura, ninguém jamais teria considerado tal heresia. Mas num time sem tamanho, Bosh não apenas foi colocado perto do aro – ele virou o pivô da equipe.

Para se ter uma ideia, é o equivalente a colocar uma garotinha de 4 anos no seu vestidinho de aniversário para enfrentar, várias vezes por semana, escoceses gordos que arremessam toras de madeira e comem carne crua. Os primeiros anos de Bosh foram cruéis, com as dificuldades de adaptar-se à liga – que afligem a todos os pirralhos – somadas às dificuldades de jogar fora de sua posição natural, ganhar físico rapidamente e apanhar mais do que a Rihanna dos brutamontes no garrafão. Mesmo que a NBA tenha sofrido nos últimos anos com uma imensa falta de pivôs, Bosh sempre teve que jogar contra jogadores muito mais fortes, mais físicos e na maioria das vezes mais altos do que ele. Conforme se distanciava do aro para poupar o físico e usar melhor seus recursos ofensivos, como arremessos e infiltrações, mais o Raptors sofria com a falta de uma presença física lá dentro, especialmente para os rebotes ofensivos.

A situação era tão ruim para o Bosh que o Raptors, em desespero, escolheu um pivô no draft muito antes do que ele merecia, apenas para suprir a necessidade. Era o brasileiro Baby, um dos piores pivôs a ter pisado numa quadra da NBA, e ali se dava o primeiro passo da maldição de Chris Bosh. Seu desenvolvimento dependia de que pudesse jogar em sua posição natural como ala de força, e o Raptors destruiu-se como franquia apenas para tentar reparar essa impossibilidade: com contratações, trocas ou mudando o estilo do time para jogar com o Bosh no garrafão sem prejudicá-lo tanto, o time foi pelo ralo junto com o físico, a felicidade e o rendimento do pivô improvisado.

A lista de fracassos do Raptors nas tentativas de acomodar Bosh é imensa. Além de Baby, no mesmo ano contrataram Aaron Williams, que vinha de uma boa temporada alimentado pelos passes de Jason Kidd, e é claro que ele não deu certo sem o armador que faz a carreira (e o salário) de tantos jogadores por aí. Com a chegada de Bryan Colangelo, engravatado que administrava o Suns e resolveu ir brincar no Canadá, Baby foi imediatamente trocado pelo Kris Humphries, um pivô que nunca deu certo mas ao menos quebra um galho na defesa. Colangelo trouxe também Nesterovic, o pivô de ombros largos e cabeça minúscula, com cérebro de estegossauro, que foi campeão no Spurs mas só faz o trabalho sujo, não sabe sequer amarrar os cadarços. O pirralho Charlie Villanueva, que estava chutando traseiros e na briga por ser novato do ano, ganhava cada vez mais minutos em quadra e forçava, com isso, Bosh a jogar de pivô. Após muitas reclamações, embasadas nas lesões cada vez mais frequentes que assolavam o corpo combalido do pivô improvisado, Villanueva foi trocado pelo armador TJ Ford apenas para que Bosh ficasse contentinho. Mas o armador não apenas era feito de vidro e sofreu sérias lesões durante sua estadia em Toronto (uma delas, na coluna, com risco de lhe encerrar a carreira) como também, mesmo saudável, nunca deve ter passado a bola uma vez sequer para o Chris Bosh porque é um fominha safado. Depois da ida de Villanueva, veio o pivô Jake Voskhul, que me obrigou até a ver como escreve o nome dele no Google, vinha de uma temporada razoável no Suns e foi uma das aquisições mais risíveis na história da franquia. Quando Jermaine O’Neal foi trazido ao elenco, a única ajuda legítima que Bosh recebeu no garrafão em toda sua carreira, contusões tiraram o vovô das quadras por muito tempo e Jermaine foi rapidamente trocado para liberar espaço salarial em uma temporada que já estava completamente perdida mesmo.

Não faltou esforço em Toronto por parte de Bryan Colangelo. Por vezes, fez o possível para trazer ao menos algum pivô para a equipe e colocar Bosh na ala. Por outras, frente ao fracasso absoluto dos pivôs que frequentaram o elenco (era tanto cara ruim que seria melhor usar o Rajon Rondo de pivô), tentou tornar o Raptors uma cópia paraguaia do Suns, com o Bosh jogando de pivô num sistema de jogo veloz, de correria, que permitisse aos jogadores de garrafão atacar o aro ao invés de ter que jogar de costas para ele, enfrentando marcadores maiores e mais pesados, como fazia Amar’e Stoudemire em Phoenix. Nunca deu muito certo em parte porque sempre faltou ao time um armador que pudesse impor esse estilo de jogo (TJ Ford sabe correr, mas só para a frente e alguém tem que ficar perto de sua orelha para avisar que a quadra acabou), mas também porque Bosh continuava sofrendo com o abuso físico de ter que defender pivôs maiores e ser recebido com pouca delicadeza no garrafão pelos defensores adversários. Desde sua segunda temporada na NBA, nunca chegou nem perto de jogar todas as partidas graças a lesões físicas, com exceção da temporada em que jogou ao lado de Jermaine O’Neal, em que conseguiu resistir a 77 jogos.

É por isso que as reclamações constantes de Bosh nunca foram tidas como “estrelismo”: elas sempre foram justificadas. Chris Bosh é um jogador auto-centrado, de vida pública bastante restrita, longe de quaisquer polêmicas ou debates. Sempre se deu bem com a vida no Canadá, longe dos grandes centros comerciais, da falação da mídia e da badalação dos fãs americanos. Declarou seu amor ao estilo de vida canadense um sem número de vezes, dando todas as indicações de que se manteria no Toronto Raptors assim que surgisse a oportunidade. Mas nunca parou de avisar, em tom de reclamação, que só teria como ficar no time se montassem ao seu redor uma franquia vencedora – em que ele pudesse jogar de ala, não de pivô. Chororô que lhe virou marca registrada.

O ego de Bosh sempre foi uma coisa bastante confusa. Sua postura tranquila e humilde de morador canadense que não se importa de morar longe da atenção da mídia convive com uma postura de estrela que constantemente afirma não ser um jogador para “fechar um elenco”, mas sim uma estrela em volta de quem franquias deveriam ser construídas. É possível entender um pouco isso. Quando ele era novato ninguém tinha como acompanhar seus jogos, longe das grandes televisões, mas agora é fácil pela internet e nosso amado League Pass. Só que para o público em geral, mesmo nos Estados Unidos, que depende em grande parte da televisão para acompanhar a liga, Bosh ainda é um desconhecido. Tratam-no como um jogador secundário, um cara “bonzinho” no garrafão, e não lhe ajuda a imagem em nada o fato de que continua, ano após ano, jogando fora de sua posição de origem. Bosh ganha mais peso, mais músculos, mais massa, aprende a dar e receber porrada, mas não dá pra esconder a verdade: ele é magro, fraco e desconfortável frente ao impacto, para força física não existe silicone ou batonzinho que possa dar uma disfarçada. Nas raríssimas ocasiões em que podemos ver – pela internet – o Bosh jogando como ala durante frações de uma partida, é como se o céu abrisse e os anjos tocassem vuvezelas: ele é, sem sombra de dúvidas, um dos melhores jogadores da NBA. Mesmo tranquilo, humilde, brincando no Canadá com os ursos e os guardas florestais, deve ser bastante chato não ser reconhecido como merece graças a simples ignorância. Um jogador de seu calibre deveria, ao menos, estar nos playoffs constantemente para ter o mínimo de exposição na mídia e mostrar seu lugar. Mas em 2006-07, depois das trocentas alterações que o Bryan Colangelo fez ao elenco, o Raptors acabou em terceiro no Leste e foi facilmente eliminado pelo Nets em decadência. No ano seguinte, acabaram em sexto e foram eliminados pelo Magic, que começava a se tornar uma potência. Depois, nunca mais. Assim como aconteceu com o Cavs de LeBron, que fez as trocas mais estapafúrdias do mundo para mostrar serviço e nunca adiantou, o Raptors trouxe bons jogadores mas nunca sanou a principal deficiência, alguém no garrafão para ajudar Bosh. E, assim como Dwyane Wade, Bosh sabe como é estar num time fracassado, com apenas uma estrela, que sofre miseravelmente apenas para conseguir alcançar os playoffs.

A amizade com Wade vem desde que se reuniram pela primeira vez para jogar pela seleção americana. Sempre saíram juntos no Canadá, nas visitas do Heat a Toronto, e decidiram assinar contratos menores de extensão com suas equipes por partilharem do medo de ficar em times que fediam. Haviam se divertido tanto jogando juntos na seleção que não queriam mais ficar em times derrotados segurando o peso sozinhos. Dizem que, durante anos, Bosh alimentou a certeza de que iria jogar com Wade caso o Raptors não se transformasse. Quando a última temporada terminou, toda a esperança do Toronto Raptors de ter Bosh de volta não era nada além de aparência, aquela fé obrigatória que deve-se ter frente aos fãs para aparentar que, no mínimo, “a gente fez o que podia para manter o jogador”. Era muito óbvio que ele sairia, e todos os amigos da dupla Bosh e Wade – LeBron James e Amar’e inclusos – sabiam que os dois jogariam juntos em algum lugar. Flertaram bastante com o Chicago Bulls apenas porque lá o Bosh sabia que não teria nunca mais que jogar de pivô, deixando a função para o Joaquim Noah. Por fim, preferiram ficar no Miami Heat apenas pela possibilidade de que o LeBron se juntasse a eles.

A decisão beneficiou Wade por lhe manter a casa, a praia, a camiseta, o título de prata da casa, maior estrela, queridinho da torcida. Para o LeBron, foram prometidas vagas de emprego para amigos, privilégios no ginásio para familiares, e uma franquia vencedora com planejamento e que há pouco ganhou um título de NBA mesmo com um elenco mequetrefe. Para o Bosh não poderia ser diferente e promessas também foram feitas: só assinou com a equipe quando Pat Riley lhe prometeu, pessoalmente, que ele não teria que jogar de pivô nunca mais.

A promessa de posição basta. Aquele papinho de que “sou bom o bastante para que times sejam construídos ao meu redor” é coisa de quem quer atenção, provar que é bom, não é um ego absurdamente gigante que vai devorar o Heat – embora seja um pouco perigoso. Deve ser suficiente que ele possa jogar na posição em que ele domina, como ala-pivô, constantemente em rede nacional, em televisões de todo o mundo, e possa mostrar para o público que pode ganhar alguns jogos por conta própria. Não tenho dúvidas de que vai surpreender muita gente, eventualmente sendo realmente melhor que Wade ou LeBron, e é apenas disso que ele precisa para reforçar sua auto-estima e colocar-se entre os grandes depois de tanto tempo exilado no Canadá. Ao contrário do que se imagina, ajuda muito o fato de que Miami não é um grande centro basquetebolístico e que Bosh terá mais chances de poder ir ao mercado comprar papel-higiênico – no Canadá ele podia andar de um lado para o outro sem problemas, ir ao shopping, ter uma vida comum (lembro até que o Matt Bonner, em seus tempos de Raptors, ia para o ginásio de trem). Fazer isso em New York seria impossível, em Chicago seria muito difícil, e tornou Miami ainda mais atraente.

Muito se fala sobre os três egos eventualmente acabarem implodindo Miami. Curiosamente, acho que o maior perigo está justamente no Bosh, que ainda sente que precisa se afirmar como jogador, provar quem ele é e o que sabe fazer. LeBron e Wade já são consagrados, amados-idolatrados-salve-salve, só lhes falta vencer (ou voltar a vencer). Quem pode exagerar a mão e exigir mais a bola, ou entrar em crise caso tenha que jogar de pivô, é o Bosh. Por sorte, seu comportamento em quadra sempre foi exemplar e silencioso. Não é um líder vocal, não fala com os companheiros, não dá ordens, não dá broncas, não pede a bola. Joga com uma seriedade que aprendeu com Kevin Garnett, joga cada vez mais defensivamente como seu grande ídolo do Celtics, e vai ser uma múmia em quadra enquanto LeBron grita e dança e Wade comanda o time no gogó. Os problemas podem aparecer apenas nos vestiários, e com o tempo. O essencial para evitar um desastre será um elenco que coloque um pivô ao lado de Bosh e um técnico que saiba colocar a bola em suas mãos, porque dificilmente ele irá pedir por ela sozinho.

Vamos falar mais sobre ele mais tarde, mas Erik Spoelstra é um excelente técnico, novo, descolado, disponibilizando os esquemas táticos do Heat para serem vistos em seus iPhones. Arma bem seus times, é excelente desenhando jogadas, sabe se comunicar bem especialmente com as novas gerações de jogadores (tem apenas 39 anos, é uma ninfeta), e saberá dividir bem a quantidade de tempo que a bola passará nas mãos de cada jogador. O curioso é que LeBron e Bosh tiveram dois dos piores técnicos da história da NBA: Sam Mitchell em Toronto e Mike Brown em Cleveland, então a dupla vai ter orgasmos múltiplos por ser treinada por um técnico de verdade. Pode até ser que o Pat Riley, um dos melhores técnicos de todos os tempos e atual engravatado-mór do Heat, assuma esse time. Mas a verdade é que sequer será necessário, e vai ser muito mais divertido ver essa molecada sendo treinada por um técnico moleque como eles. A felicidade de Bosh e sua participação nas jogadas de ataque está em boas mãos. Só falta agora ao Pat Riley arrumar um ou dois pivôs para quebrar um galho.

Seus tempos no Raptors lhe fizeram invisível para a maior parte dos torcedores, o que pode ser uma maravilha para caras como Kwame Brown e Darko Milicic (que não conseguem jogar sob pressão), mas foram prejudiciais para um jogador tão bom quanto Bosh. Sinceramente, acho ele o ponto mais importante desse novo Miami Heat e muita gente sequer percebe. Seu talento é absurdo, ele é de fato um dos melhores jogadores da NBA, se jogar fora do garrafão vai provar que chuta traseiros e deve ganhar muitos, muitos jogos dominando sozinho. Por outro lado, é nele que encontramos as maiores chances de descontentamento, seja por jogar de pivô (por enquanto o elenco não tem outro pivô), seja por não tocar na bola o bastante, já que ele sente ter muito a provar. Além disso, suas contusões são excessivamente constantes, uma fascite plantar adquirida com o excesso de tempo como pivô no Raptors deve perseguir-lhe por toda a carreira, e as maiores chances de contusão são suas. Aí está o ponte forte e o ponto fraco desse Miami: Chris Bosh é bom o bastante para deixar de ser invisível e se tornar um dos três reis, tão soberano quanto os outros, mas suas contusões e sua situação nos bastidores vão decidir se esse império cairá ou não.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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