>Os velhinhos

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Glen Davis e Jermaine O’Neal não resistem a um beijinho

Torcedor tem memória curta, todo mundo sabe disso. Fica claro até aqui no Bola Presa, em que mantemos uma sólida média de 6 posts por semana durante toda a temporada e na offseason, que deveria ser o mais perto que conseguimos de “férias”, tem gente reclamando quando passamos alguns dias (em pleno fim de semana!) sem postar. No Celtics, a amnésia foi ainda maior. Depois de uma temporada aos trancos e barrancos, perdendo jogos fáceis e despencando pela tabela, ninguém mais acreditava que eles pudessem ser reais candidatos ao título do Leste, muito menos então de toda a NBA. O time foi criticado por ser velho demais, cansado, sofrer com lesões, não ter um técnico decente, não ter adicionado jogadores bons o bastante para o banco, ter se acomodado e comer meleca de nariz. Foi aos poucos vencendo um jogo nos playoffs, dois, três, ganhou o Leste e deu sufoco para o Lakers na grande Final. Aí ninguém lembrava que eles tinham fedido na temporada regular, era claro que eles eram favoritos, como alguém pode duvidar de um time com Garnett, Pierce e Allen?

O Celtics fez tudo direitinho para enganar a memória da torcida. Se tivessem chutado traseiros na temporada regular e acabado no topo do Leste, mas aí fedido nos playoffs e sido eliminados logo de cara, todo mundo só se lembraria que o elenco está velho demais e que nem adianta tentar de novo. Como foi exatamente ao contrário, o que ficou na memória de todo mundo foi um time que sabe crescer na hora certa e vai com certeza dar sufoco no Lakers e no Heat na temporada que vem. Com essa certeza na cabeça, fez todo o sentido do mundo dar novos contratos para Paul Pierce e Ray Allen. O óbvio era manter o time e tentar mais uma vez logo depois de ter chegado até a Final e perdido com honra.

Ou seja, o Ray Allen é um baita de um cagado! Suas atuações nos playoffs, salvas raríssimas exceções, foram as que mais mostraram como o elenco do Celtics ficou mais velho do que a “Praça é Nossa”. Após dominar um jogo, era possível ver como o time inteiro era incapaz de correr ou jogar fisicamente no próximo, exausto, com a língua de fora. Dependeram de jogadores novos mas limitados para segurar as pontas enquanto o Ray Allen ficava boiando no formol. Não dá pra negar que o trio do Celtics é espetacular, mas o corpo humano tem dessas coisas estranhas: a idade chega de repente, de um dia para o outro. O Garnett treinou excessivamente em suas férias, Ray Allen teve seu corpo muito exigido pela falta de um bom arremessador reserva, e o resultado foi que os dois desmoronaram repentinamente depois de um temporada inteira em que pareciam querer uma coisa e o corpo respondia outra, com atraso. Mais ou menos como o Yao Ming e o Ilgauskas devem se sentir dentro daqueles corpos enormes que parecem estar se locomovendo debaixo d’água.

Vibrei muito com o Celtics durante os playoffs inteiros e a sensação na Final contra o Lakers era de tristeza para mim: parecia nitidamente ser a última chance de Pierce, Garnett e Ray Allen ganharem mais um anel de campeões. Como os três, com suas limitações tão brutalmente expostas por times que jogaram de forma física e veloz, poderiam aguentar mais 82 jogos em uma temporada regular para então jogar os playoffs mais uma vez com a pirralhada adversária correndo e distribuindo trombadas de novo? A alegria por ver Artest ganhando um campeonato foi logo eclipsada pela angústia de ver um time que morria ali, ainda em quadra, enterro em pleno ginásio. Se tivessem fôlego de chegar no banheiro já seria muito. O Glen Davis ainda tinha a vantagem de que, gordo, poderia ir rolando.

Muito se falou sobre o Celtics ser desmontado, começar uma reconstrução, trazer reforços de peso, se livrar do contrato do Ray Allen e suas atuações risíveis nos playoffs. Mas todo mundo se esqueceu do ar cansado e do cheiro de asilo da equipe porque misteriosamente eles seguiram vencendo time após time até a Final. O Ray Allen seria um desses jogadores vovôs que de uma temporada para a outra só recebe ofertas pequenas e em geral para ser reserva (tipo o Shaq), mas o sucesso do Celtics na pós-temporada, bem a hora em que importava, escondeu sua decadência. Ray Allen poderia ajudar qualquer equipe da NBA por um salário módico, mas no Celtics lhe ofereceram um contrato de 20 milhões de dólares por duas temporadas. Menos do que ele ganhava antes, mas muito mais do que ele merece ganhar hoje em dia. Deu sorte.

Paul Pierce também topou um contrato novo menor do que ganhava antes. Ao invés de algo em torno de 20 milhões por temporada, ganhará 15 milhões, mas como expliquei antes foi apenas para garantir um contrato longo baseado nas antigas regras salariais, ou seja, garantir o leitinho e os diamantes das crianças. É uma boa pagar menos por um jogador de elite como Pierce, mas por outro lado insisto que em muitas ocasiões seu estilo de jogo é prejudicial ao Celtics – e especialmente ao Rajon Rondo, que se torna cada vez mais a grande estrela da equipe.

O Ray Allen é um jogador inteligente pra burro e que coloca medo nas defesas adversárias mesmo quando está fedendo. Sabe se posicionar para forçar a defesa para fora do garrafão, infiltra com bastante habilidade e é um defensor acima da média. Kevin Garnett sabe organizar o posicionamento defensivo da equipe, motivar os novatos, ameaçar de morte quem fizer cagada, beber o sangue dos bebês recém-nascidos dos adversários, e não compromete negativamente seu time mesmo em seus piores momentos, simplesmente por saber fazer coisas demais em quadra. Paul Pierce pode ser meio fominha, esquece o cérebro na gaveta às vezes, mas ainda é um dos melhores pontuadores da NBA e certamente é o jogador mais forte fisicamente em sua posição, algo que sempre ajuda quando ele não está andando de cadeira de rodas. Então seria um absurdo dizer que o Celtics já era e que renovar seus contratos foi uma cagada. Digamos apenas que pode não ter sido uma atitude muito realista – e certamente foi uma atitude pouquíssimo corajosa. A culpa nem é dos coitados, que envelhecem como todo ser humano e se dedicam vinte vezes mais do que qualquer um para estar em plena forma física, mas a temporada da NBA é ridiculamente longa. De um jeito retardado. Quando carinha quizer reclamar que passamos uns dias sem postar, pensa no tamanho da maldita temporada regular da NBA que acompanhamos de perto todos os dias e de como todo mundo precisa de férias, vamos ler um livro, bater um gaminho, dar uma namorada! O trio do Celtics não tem como estar fisicamente preparado para esse grau de desgaste físico principalmente após uma temporada em que todo mundo aprendeu que basta dar umas cabeçadas para os vovôs desmancharem. Negar que esse time não tem como se manter ileso fisicamente é negar uma realidade gritante. Manter esse time pode ser sensato, mas é covarde assim que admitirmos que eles não tem pernas para serem campeões da NBA.

No garrafão, vai faltar ainda mais perna com a saída de Kendrick Perkins. Apesar de ser feito de tijolos, o pivô contundiu o joelho na série contra o Lakers e só deve voltar às quadras, se tudo der certo, lá pelo meio de fevereiro do ano que vem (se aprendemos algo sobre a memória dos fãs, ele só vai voltar quando ninguém mais lembrar dele). Rasheed Wallace também não estará na temporada que vem porque se aposentou acertadamente. Percebeu não apenas que a idade chegou e seu físico está lhe deixando na mão com dores terríveis nas costas (coisa de velho no bingo, ou do Tracy McGrady), mas também que ele não estava motivado, não tinha saco pra aturar uma temporada inteira com o Garnett queirando cortar seu pescoço. Jogava por seus amigos no Pistons, mas não fez amizades em Boston. Foi realista e percebeu que não dá pra enfrentar o tempo ou o tesão que temos ou não temos pelas coisas. Que descanse em paz.

Pro garrafão do Celtics não virar geleia, o grande reforço foi a contratação de Jermaine O’Neal. Quem chega agora nem imagina que o cara já foi uma das maiores promessas da NBA, chutando traseiros diariamente e ganhando um salário exorbitante porque parecia que podia render ainda muito mais.

Só que uma lesão no joelho nunca mais lhe permitiu jogar com a mesma intensidade, sua evolução foi interrompida e tornou-se um jogador completamente diferente. Ficou velho, lento, jogando cada vez mais longe do garrafão, e tudo isso é muito engraçado porque ele sempre – sempre! – teve cara de bebê de comercial da Pampers, parecia que nunca ia envelhecer. Sua passagem pelo Raptors e pelo Heat foram até que animadoras, porque ele provou que não é o Saci Pererê, tem duas pernas, consegue andar de um lado para o outro e tem capacidade de ser um excelente reserva em algumas equipes por aí. Não vai revolucionar o Celtics mas vai dar uma força enquanto todo mundo espera o Kendrick Perkins. Até que se machuque, claro, porque o Jermaine é como se fosse o Clippers de um homem só, sempre alguma coisa em seu corpo tem que dar errado.

Entendo que a solução mais fácil, após o retorno súbito da esperança dos torcedores do Celtics (que estavam quase se conformando com o fim do time ao término da última temporada), era manter o mesmo elenco. O buraco no garrafão tinha que ser tapado e o Jermaine O’Neal estava lá dando sopa e topou uma graninha singela, de 12 milhões por 2 temporadas. Entendo também que são jogadores motivados, inteligentes, capazes de causar suadouro e botar medinho em qualquer time da NBA. Mas parece que eles estão apenas colecionando vovôs numa tentativa desesperada de me fazer sentir velho! Eu vi o Garnett em seu auge no Wolves, sendo fácil um dos melhores alas de força de todos os tempos; eu vi o Jermaine O’Neal no Pacers dominando jogos e sendo o mais valioso ala de sua geração, eu vi Ray Allen no Sonics levando um time nas costas sendo o melhor arremessador de três da história. E agora, diabos, o Sonics nem existe mais, o Jermaine precisa de bengala, o Garnett parece que vai desmontar às vezes como se fosse feito de Lego.

Torço por todos eles, acho nobre e justo que tentem de novo por uma última vez, e acho hilário que tenham adicionado ao elenco justamente outro jogador na mesma condição, em fim de carreira com um corpo que desiste do basquete antes que o cérebro aceite a derrota. Quero demais que se despeçam em grande estilo, com um anel de campeão. Mas a verdade é que ganharam todos contratos grandes demais, o time perdeu a chance de adicionar novas peças, e a reconstrução que estará nas costas de Rajon Rondo foi adiada e por isso será mais difícil de ser efetuada. Esse time não vencerá o Lakers estando um ano mais velho, com um Perkins voltando de contusão e uma chance gigantesca de que algum jogador fundamental do elenco esteja na enfermaria. Ou dois, ou três. Já mencionei que eles contrataram o Jermaine O’Neal? É possível que uma meia dúzia de jogadores morra de gripe ou osteoporose.

Coloquem o Celtics na lista de favoritos, não percam de jeito nenhum seus confrontos com o Lakers e muito menos com o Heat, em que o trio de velhinhos tentará ensinar alguma coisa para o trio de pirralhos. Mas não exagerem na hora de levar esse time a sério. Quando estiverem perdendo tudo na temporada regular vale lembrar que isso não significa nada, são apenas jogadores cansados, com um dos piores técnicos da NBA, que acabaram de perder o grande estrategista responsável pelo seu fantástico esquema defensivo (Tom Thibodeau foi ser técnico do Bulls) e que estão se poupando. Quando estiveram ganhando tudo na pós-temporada, vale lembrar também que não aguentarão tantos jogos, que o corpo vai desistir cedo ou tarde, que eles já foram espetaculares e agora nos emocionam apenas com um esforço desmedido e monstruoso que tenta nos provar que nada é impossível – enquanto, infelizmente, não conseguem vencer a natureza. A velha geração passou grande parte do tempo apanhando sozinha, solitária, sem chances reais de ganhar um título, e só foram se juntar quando já era tarde demais e o físico não funciona mais. A nova geração aprendeu mais cedo. Talvez não funcione, talvez os velhinhos ainda possam nos surpreender. Mas cada vez mais, o Celtics é uma corrida contra o tempo. E, para mim, esse tempo já terminou.

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