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Não, apesar da foto do Sheed, não se trata aqui da coluna “Both Teams Played Hard”. Dessa vez, o post nem sequer é nosso, aqui do Bola Presa. Simplesmente nos deparamos recentemente com uma reportagem de Eric Adelson, para a revista da ESPN, e ficamos muito fascinados por ela. Como sei que alguns dos nossos leitores matam as aulas de inglês para ficar lendo o nosso blog, e também porque o Rasheed Wallace vem se tornando uma figura cada vez mais forte aqui no Bola Presa (basta olhar para cima e dar de cara com a foto do nosso novo template), resolvi traduzir o post e colocar aqui. Assim como fiz quando traduzi um post do blog do Arenas, deixo bem claro que o texto abaixo não é meu e, dizendo isso, espero conseguir até escapar da prisão. De todo modo, se eu for preso será por um bom motivo, porque a reportagem realmente chuta uns traseiros apesar de ser um pouco longa. Aconselho a ida até o final para conhecer o Rasheed, essa figura quase folclórica que caminha pela NBA. E se você pode ler o original em inglês, também aconselho, afinal minha tradução é ligeiramente livre e consideravelmente questionável. Mas acho que quebra bem o galho. Seja como for, deixo com vocês um pouco de Rasheed Wallace.
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por Eric Adelson
Ouça sua cabeça
Técnico Sheed. Diga em voz alta: Rasheed Wallace, técnico do Pistons. Imagine ele andando de um lado para o outro pela linha lateral, resmugando atrás de sua barba grisalha. Talvez com a gravata afrouxada ou seu palitó retirado, sua faixa de cabeça, que já é marca-registrada, há muito deixada de lado. Ali está o técnico Sheed ensinando os novatos como lidar com o corta-luz, defender jogadores maiores, interceptar linhas de passe. Ele está tão disponível para seus jogadores quanto está para os que vieram para o “summer camp“, e ele sempre é um mentor para eles pessoalmente, um por um.
Foi durante um jogo contra o Jazz no começo dessa temporada que uma visão do ala de força, machucado e vestindo um blazer no banco, fez pela primeira vez o GM Joe Dumars cogitar: Como Wallace seria como técnico? Dumars, desde então, chegou até mesmo a sugerir para o grandalhão que ele fique com o time e agarre um apito quando se aposentar.
Técnico Sheed. Dê um minuto antes de pensar que seu mundo virou de cabeça para baixo.
“Ele é tão brilhante quanto é perspicaz”, diz Dumars. “Ele irá liderar a liga em faltas técnicas, mas ele também sabe onde todo mundo deveria estar o tempo inteiro.” O técnico Flip Saunders diz: “Ele tem todo o necessário para ser um grande técnico. Ele vê as coisas antes delas acontecerem. Bill Guthridge, que era assistente técnico na Carolina do Norte quando Wallace passou por lá, vê assim também. “Ele absorveu tudo. Ele estava ouvindo mesmo se o que estava sendo dito não era direcionado a ele. Ele tinha uma grande esperteza – quase uma esperteza digna de armadores principais.” Até um ténico rival, Stan Van Gundy, concorda. “Ele é estremamente esperto, à frente de toda jogada. Ele não erra ajudas ou rotações defensivas. Ele sabe quando é tempo de arremessar e quando é tempo de passar. Nunca entendi porque ele não é um All-Star freqüente.”
Wallace não é um All-Star freqüente porque ele é uma dor freqüente nos olhos dos engravatados da NBA e dos juízes. Mas apenas assista o homem jogar. Seus passes para quem está livre – braços extendidos acima da cabeça – são tirados diretamente de um manual de instruções. Seus corta-luz são perfeitos, pés plantandos bem separados e paralelos todas as vezes. E considerando que uma de suas responsabilidades é marcar os jogadores mais altos da liga, ele raramente se mete em problemas de faltas (faltas pessoais, pelo menos). Ele sempre absorveu nuances rapidamente. “Nós estávamos trabalhando numa jogada contra marcação por pressão,” relembra Bill Ellerbee, técnico de Sheed no colégio Simon Gratz na Philadelphia. “Eu disse a ele que deixasse os armadores usarem-no como um poste. Nunca tive que dizer outra vez.”
Recentemente, Wallace, 33, aconselhou duas das pessoas mais quietas que ele já conheceu – o antigo companheiro de equipe Ben Wallace e o atual companheiro de equipe Amir Johnson – a adentrarem na extrovertida arte da comunicação em quadra. “Ele me ensina”, diz Johnson. “Você tem que olhar pra quadra, tem que ser o cara que fala.” Ninguém (incluindo Saunders) é mais barulhento no banco do que Wallace, seja chamando um corta-luz ou dizendo para o ala Jason Maxiell ficar “reto e parado” ou assegurando Rip Hamilton de que sua movimentação para a cesta vai funcionar “o dia todo”.
Anos atrás, na sua visita ao campus da Carolina do Norte, Wallace não perguntou onde ficava o melhor restaurante ou a melhor irmandade de garotas. Ele queria conhecer Chuck Stone, membro dos Tuskegee Airman que ajudou a fundar e foi o primeiro presidente da Associação Nacional de Jornalistas Negros, e que escreveu centenas de colunas desafiando o status quo e deu aulas na universidade de Chapel Hill. A mente de Wallace sempre vagou para muito além do jogo.
Então, para responder à pergunta do Dumar: como Wallare seria como técnico? Provavelmente muito bom, e possivelmente ainda melhor do que é como jogador. Wallace é super atento a tudo que acontece à sua volta. É um talento que seria muito útil para um técnico, mas que também pode às vezes trabalhar contra um jogador cuja missão principal é executar um pacote limitado de tarefas noite após noite. Saunders, por exemplo, diz que Wallace é “esperto demais para o seu próprio bem.”
Chauncey Billups disse uma vez para Jim Rome que Wallace “é tão bom que fica entediado jogando contra alguns caras que não estão à sua altura.” Ele nunca ficaria satisfeito levando uma vida de toco-em-toco de um homem de garrafão. Embora ele dificilmente arremessasse bolas de três pontos no colegial ou na faculdade, Wallace começou a arremessá-las em Portland – “um experimento”, como ele chamou – e isso mudou seu jogo. Subitamente, ele era uma ameaça de qualquer lugar da quadra. Mas também fez dele uma potencial ameaça para seu próprio time.
Nos dias de hoje, esse time é um membro da elite da NBA. Mas vai para os playoffs com uma falha séria: jogo de garrafão. O Detroit ainda está para substituir caras como Ben Wallace e Mehmet Okur, e não ganhará outro título a não ser que alguém limpe o aro nos rebotes e levante um ataque que está subitamente perto do fundo da liga em pontos no garrafão. Esse alguém é Wallace.
O Pistons tem muitos arremessadores. E apesar de Sheed se considerar um “atirador” (“um arremessador arremessa, um atirador faz os arremessos”), isso não é capaz de substituir uma dieta diária de 12 rebotes. “Mais pro final do jogo”, diz o ex-técnico do Pistons Larry Brown, “eu gostaria de vê-lo mais perto da cesta.” Dumars concorda, admitindo que ver Wallace com suas costas para a cesta o faz pensar, “Por que ele não pode fazer isso 82 noites por ano?” Ellerbee diz que certa vez o alertou sobre nunca sair do garrafão. “Se eu fosse seu técnico, iria exigir mais. Mais rebotes, mais tocos. Nós precisamos de um pivô, não das outras merdas.” O próprio Sheed admite, “Quem dera eu tivesse dado ouvido a ele.”
Então talvez a melhor pergunta seja como Wallace seria sendo o técnico de si mesmo. Bem, ele diz que ficaria na posição 4 e que mandaria a si mesmo jogar no garrafão e arremessar de trás da linha de 3 pontos. Mas esse é Sheed, o jogador, falando.
O técnico Sheed com certeza faria melhor.
Siga seu coração
Agora que se senta em um vestiário rival, Ben Wallace pode falar livremente sobre Rasheed Wallace. “Se as explosões de fúria dele nos incomodavam?”, ele repete, olhando para cima. “Nem um pouco. Quando ele ficava excitado, eu ficava pronto. Às vezes o time não entrava na partida de verdade até que ele tomasse uma falta técnica.” Seus colegas de equipe, se estivessem sendo totalmente sinceros, teriam que admitir que também existiram momentos em que essas explosões indicaram o fim – como quando Sheed estourou depois de ser expulso em Cleveland do Jogo 6 das finais do Conferência Leste na temporada passada. A falta de auto-controle foi tolerada quando Rasheed veio para Detroit em 2004 como a peça que faltava, mas não vai rolar agora que ele é a peça principal. Wallace é o gerador emocional do Pistons, com o poder de deixar o time frio, esquentar as coisas ou então acalmá-las.
Não é preciso olhar muito longe para descobrir de onde vem sua motivação. Antes que seu filho mais novo desse o primeiro arremesso no ginásio do colégio que agora leva seu nome, Jackie Wallace levou seu filho para o técnico de basquete do colégio de Simon Gratz, na Philadelphia, e disse: “Se ele lhe causar algum problema, dê um soco nele.” Ela era uma mãe solteira pobre demais para instalar um chuveiro em seu banheiro, mas era bastante rica em suas noções de certo e errado. E seu senso de justiça guia Rasheed como uma estrela no céu. “Ela deveria ter tido tudo melhor”, Rasheed diz. “A vida não é justa, ponto final.” Os irmãos de Rasheed, Mohammed e o tardio Malcolm, são homônimos de dois homens corretos e desencaixados que foram transformados em vilões antes de serem apreciados. Mas Rasheed faz esse papel tão bem quanto eles.
Apesar de ter mais dinheiro do que até mesmo pessoas ricas podem agarrar, Sheed já foi visto andando pelas ruas com buracos nos seus suéters – daí seu apelido “Homeless Harry” (“Harry Sem-teto”, um mendigo que se tornou figura histórica para os americanos). E quando seus companheiros de time vestem roupas chiques, ele é conhecido por tirar as vestimentas de seus armários, pendurá-las na lousa branca, desenhar uma seta em direção às roupas e escrever, zombando enojado: “Vocês tão falando sério?!” Ele deixa seu cabelo crescer, cortando apenas quando volta para a Philadelphia, pelo mesmo barbeiro em que tem ido por anos. Ele raramente faz comerciais. “Eu poderia ter conseguido um comercial de bebida”, Wallace diz, “mas isso não é pra mim.” Ele se recusou a ser fotografado para essa matéria, dizendo que preferia dividir os holofotes com as outras estrelas do seu time, e durante os 20 minutos em que nos deu uma entrevista, raramente fez qualquer contato visual conosco.
Ao mesmo tempo em que não se veste com exagero e nem prostitui sua imagem, ele é obcecado por crianças e caridade. Wallace volta para sua velha vizinhança no verão para montar uma clínica de basquete, em que compra almoço para cada criança todos os dias. Quando o Pistons estava gravando um agradecimento natalino com “Jingle Bells” para passar nos telões do ginásio – um clipe que ainda recebe visitas no YouTube – Wallace foi rápido em se voluntariar. Nele, começa no fundo, cantando a letra como que por obrigação. Mas não demora muito, está tacando seus companheiros de equipe para todos os lados e pulando para frente para gritar, “Remix!” antes de se tornar uma máquina de “beat box” humana pelo resto da cena, tudo enquanto projeta sua cabeça como uma tartaruga tomando Ritalin: “JINGLE! Bé-Bé-Bé-BELLS!”
Que bom seria se aquele Sheed – feliz, quase em êxtase, da maneira em que ele é durante sua tradicional dança na reunião dos jogadores antes dos jogos – fosse o único Sheed. Ao invés disso, o cara é sempre derrubado na lona por aqueles que procuram sem parar por conspiração. Quando Wallace levou sua mulher para a Itália no verão passado, ele a preparou para encontros com racismo – “Eu esperava ser tratado de maneira injusta” – e o encontrou nos olhares cautelosos das atendentes nas lojas enquanto ele olhava por aí nos corredores de uma boutique. Esqueça o fato de que o que poderia estar chamando atenção eram seus 2,11 de altura ou sua fama global. Wallace foi procurando discriminação, e a encontrou. Às vezes sua paranóia é justificável… Wallace foi repreendido por comparar seus parceiros jogadores da NBA com escravos em 2003, mas o colunista William C. Rhoden do jornal New York Times recebeu elogios por seu livro “Forty Million Dollar Slaves” (Escravos de 40 Milhões de Dólares) sobre o mesmo tema.
Wallace tem uma reputação de falar o que lhe vem à cabeça – basta olhar para as 11 faltas técnicas nessa temporada, um número que o coloca entre os líderes da liga – mas talvez ele esteja apenas transmitindo a justiça de sua mãe Jackie. Quem mais poderia ter inspirado sua teoria de que a NBA tem “bonequinhas” que são protegidas a todo custo? “Eu posso aceitar a derrota”, ele diz. “Mas não me venha com besteiras. Me dê um chacoalhão justo. Nós também somos parte dessa liga.” Por “nós” ele quer dizer seus companheiros de time. Da última vez que checamos, a maioria deles é constituída por campeões, não párias.
A maioria dos atletas busca elogios e reconhecimento; Wallace reluta contra os dois. Nas Finais de 2005, foi pedido que todos os jogadores subissem num pódio durante as introduções logo antes das partidas; Wallace se recusou a fazê-lo antes do Jogo 1 e ficou sobre o pódio por menos de um segundo antes do Jogo 2. “Rasheed estava totalmente constrangido”, diz Larry Brown. “Eu tive que implorar para que ele subisse. Eu quase tive que tomá-lo pela mão.” Sua reação ao ser nomeado para o time do All-Star dessa temporada foi similar, com ele demonstrando quase tanta frustração pelo fato de ter que cancelar uma viagem com a família para as Bahamas quanto pelo fato de ser forçado a confrontar a possibilidade de que ele tenha se tornado uma das “bonequinhas” que ele despreza.
O fato é, Wallace deveria estar no Hall da Fama, mas não faz parte dele dominar – ser aquela estrela que só aparece uma vez a cada geração que seu talento lhe permitiria ser. Talvez isso explique porque ele demora tanto no perímetro ao invés de ser uma força muito maior no garrafão. Ele sempre se sentiu mais confortável do lado de fora olhando para dentro.