>Perda

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“Isso, Yao! Chineses não votam mas
também têm dedos indicadores!”

O Greg Oden não consegue evitar: onde quer que ele vá, existem contusões. Todo mundo se lembra que ele se contundiu em casa, antes da sua primeira temporada começar, simplesmente levantando do sofá. Outras tantas contusões vieram, Oden nunca ficou saudável em sua vida, e agora que finalmente está em plenas condições de jogo, contusões se limitam a acontecer ao seu redor, como se ele emanasse uma aura de lesões. Na noite de ontem, Dikembe Mutombo deu o azar de estar perto do Greg Oden por alguns minutos enquanto Yao Ming descansava um pouco. O resultado? Mutombo, contundido de forma aleatória marcando Greg Oden sem muito contato, passou longos minutos literalmente chorando no chão.

Apesar de ter jogado pouco na temporada regular, Mutombo havia jogado bem contra o Blazers na partida anterior e nitidamente estava sendo poupado para os playoffs, uma força imponente e importante para o sucesso do Houston Rockets na pós-temporada. Quando ele caiu, minha primeira preocupação egoísta foi a falta que faria nessa série, tornando o garrafão do meu Houston mais baixo e menos defensivo. Mas quando as lágrimas de Mutombo começaram a escorrer enquanto ele socava o chão em nítida agonia, me senti um idiota e tive que conter minhas próprias lágrimas. Mais do que um dos melhores pivôs de todos os tempos, com seus tocos inacreditáveis e o dedinho característico dizendo “não” para o infeliz que fosse rejeitado, mais do que um mentor para Yao Ming nos fundamentos defensivos e na utilização de emoção em quadra, mais do que um péssimo falante da língua inglesa incapaz de ser compreendido com sua voz rouca de desenho animado, Mutombo é um ser humano que se importa com outros seres humanos. Não pretendo entrar nos méritos de seus projetos de caridade na África e discutir se esse tipo de política ajuda ou prejudica o continente, o que importa é que Dikembe Mutombo tenta utilizar sua grana e sua fama em algo que não seja 4 jatinhos (aposto que ele tem apenas dois). Se o basquete é uma aberração que permite que um punhado de seres humanos com problemas de altura enfiem dinheiro nas orelhas, então que ao menos alguém perceba o absurdo e não gaste tudo em 40 banheiros. O que o Mutombo fez pode ser pouco, pode ser tolo para alguém exageradamente milionário, pode até mesmo ser prejudicial em alguma forma, mas não tem como não achar louvável essa presença caridosa bizarra em meio a uma cultura do excesso em que o Ben Gordon quer 200 milhões ao invés de meros 180 milhõezinhos. Sua presença destoa até mesmo em quadra, com seu tradicional bom-humor e irreverência no dedinho erguido após cada toco. Na temporada passada, quando Yao Ming se contundiu pela milésima vez, Mutombo tornou-se titular e simplesmente chutou traseiros, garantindo rebotes e desviando arremessos o tempo inteiro, como se sempre tivesse sido titular – tudo com mais ou menos uns 70 anos nas costas. Ainda tinha fôlego para o dobro disso, toda hora dizia que iria se aposentar mas todo mundo sabia que era só charminho. Pode ser que ele tivesse que descansar um pouquinho mais aqui, um tequinho mais ali, mas ainda havia aquela certeza constante de que ele iria produzir, jogar para a equipe, correr de um lado para o outro. O Mutombo só iria se aposentar quando o basquete fosse jogado por robôs no século XXIII, era em que o supercomputador conhecido como “David Stern 8000” proibirá os tocos para tentar aumentar a pontuação das partidas. Mas aí tinha que surgir a aura de contusões do Greg Oden, sempre trazendo pânico e miséria por onde passa. Após as lágrimas, Mutombo anunciou que não voltaria ao basquete ainda no vestiário, alegando que a contusão foi séria mas agradecendo os maravilhosos 18 anos de carreira que teve na NBA. Deveria é ter anunciado que ia dar uns cascudos no Oden, isso sim.

A partida entre Houston e Blazers até perdeu a graça depois da contusão do Mutombo. É sempre muito triste que alguém abandone aquilo que fez por toda a vida graças a um acaso inesperado, mas pensando melhor, que modo melhor de abandonar o esporte do que literalmente no meio de uma partida? Nada planejado, calculado, frio: Mutombo se aposentou no calor do jogo, tentando marcar Greg Oden mesmo quando nitidamente seu joelho tinha virado farofa. Foi um lutador até o último segundo, tentando desesperadamente se agarrar a qualquer vestígio de basquete, mas por fim teve que permitir que seu corpo fosse ao chão. Deve ter doído pra burro e nunca é legal ver um marmanjo desses chorar (ainda mais eu que lacrimejo com cortes de papel nos dedos), mas foi um final digno para um dos maiores de todos os tempos naquilo que fazia de melhor. Foi um final de carreira tão espontâneo quanto seus dedinhos que, penso nisso com vergonha pela humanidade, tanto tentaram evitar.

Muito se falou sobre ser um ato de desrespeito, humilhante, e ele passou a ser proibido de direcionar seu dedinho para qualquer jogador. Foi obrigado, então, a direcionar para a torcida – e ainda assim recebia uma falta técnica por isso volta e meia. Completamente incompreendido, seu ato remete à luta-livre, à intimidação, à animação da platéia, nos mesmos moldes daquilo que o Artest faz e eu tanto aprecio. A NBA perde também, portanto, um animador, além de um excelente jogador. O Houston perde uma força no garrafão que nunca parecia estar velho demais. Mas ninguém perde o homem que o Mutombo é, suas ações na África e seu papel como embaixador do esporte não vão desaparecer por causa de uma contusão aí. Ainda mais ele, que não deve se afastar do basquete nunca (vale lembrar que ele é sempre o cara mais empolgado da platéia de todos os campeonatos de enterrada e All-Star Games por aí). Ele é um apaixonado, e disso a NBA vai sentir falta, confesso. A porcentagem de jogadores chatos, agora que o Mutombo se aposentou, acaba de aumentar em 50%.

Se eu já não estava triste o suficiente, a derrota do Houston me deixou ainda pior. O Blazers aprendeu um pouco com os outros times providos de um cérebro e colocou uma marcação dupla no Yao Ming – em tempo integral. Enquanto esteve em quadra, Yao foi vítima da famosa “dança do maxixe“, com um homem no meio e duas mulheres fazendo sanduíche. Boa parte do tempo era o Przybilla atrás e alguém, como Odon ou LaMarcus Aldridge, na frente. Basta ver um par de jogos em que a tática é usada para saber que o Yao Ming torna-se imprestável, porque ninguém se atreve a passar a bola para ele. O espaço criado na quadra é usado pelos outros jogadores da equipe, mas em geral essa tática congestiona o garrafão e exige que os jogadores secundários do Rockets tenham uma boa mira para arremessar de fora. Já vi muitos jogos sendo perdidos assim porque ninguém conseguia acertar um simples arremesso livre e, por isso, insisto que a bola deveria chegar no Yao de qualquer jeito porque aí sim a marcação deve deixar o garrafão ou então, como é comum, fazer uma falta. O que o pivô chinês apanhou na partida, com todo mundo se revezando para empurrá-lo para longe do aro e impedir que tocasse na bola, não foi piada. E tudo em vão, porque quanto mais ele lutava por posição, mais era ignorado no ataque. Acabou se tornando uma força desperdiçada até que no segundo tempo o técnico Rick Aldeman colocou o Yao para jogar fora do garrafão. Não durou muito tempo mas foi uma brisa de ar fresco num jogo em que o pivô não viu a cor da bola e, por isso, Ron Artest tinha certeza de que teria que salvar o jogo num zilhão de arremessos ridículos. Mesmo com Oden, Przybilla e LaMarcus Aldridge todos com 5 faltas ainda na metade do último período, o Houston insistiu em não passar para o Yao e não atacar a cesta. É verdade que, graças a arremessos milagrosos do Aaron Brooks no minuto final (foram 3 bolas de três pontos seguidas), quase que o Houston alcançou e empatou a partida, mas sem dúvida alguma o time mereceu perder. Até porque, convenhamos, não era um jogo em que era permitido sorrir – perdemos Dikembe Mutombo, afinal de contas.

O Blazers, por sua vez, está rindo à toa. O Brandon Roy teve uma das atuações mais espetaculares da sua carreira porque marcou 42 pontos apesar de uma marcação mais do que competente de Shane Battier e do pobre do Ron Artest, que foi realmente humilhado. Acho que não tem combinação de crossover seguido por passo para trás e arremesso que seja mais sensacional do que a do Roy, e o movimento é completamente mortal, indefensável e com um alto índice de acerto. Ele chuta traseiros, mas foi LaMarcus Aldridge o diferencial da partida, acertando seus arremessos de fora do garrafão e se aproveitando muito bem do tempo que Scola passou no banco de reservas. Para a próxima partida, será necessário recolocar Yao embaixo da cesta. Mas o jogo terá muito menos graça – faltarão inesquecíveis dedinhos. Só espero que o Greg Oden seja deixado em quarentena, porque não podemos perder Yao Ming vítima de uma aura de macumba.

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