>Por um basquete divertido

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Um tem cabeça quadrada, o outro tem mullets, mas no fundo são todos irmãos

A gente está andando devagar nessa semana de feriado, afinal todo mundo merece botar a cabeça pra fora de casa de vez em quando – especialmente depois de passar tanto tempo sentado na privada, já que um carinha leitor do Bola Presa que reclamou da minha ausência perguntando se eu estava com caganeira acertou em cheio. Mas a verdade é que o Mundial de basquete também caminha devagar, sem surpresas, cheio de lavadas, e o negócio só esquenta hoje às 15h, quando o Brasil enfrenta a Argentina  por uma chance de ir às quartas-de-final. Com uma vitória, dá até pra sonhar com uma semi-final – e nada mais – e voltar pra casa com gostinho de sucesso. Especialmente porque, em pleno feriado em que as pessoas estão caçando, esperançosas, fotos da Sandy pelada para se entreter, assistir a uma partida de qualquer esporte entre Brasil e Argentina soa muito tentador. Podia ser até partida de bocha, desde que a galera pudesse torcer contra a Argentina e alimentar o ódio idiota. Os caras moram aqui do lado, falam uma língua parecida (espanhol é português com sotaque), têm uma cultura muito próxima, jogam basquete pra caralho, e a gente insiste em torcer para que eles morram. Vai entender.

Uma vitória do Brasil vai fazer um monte de tiozinho gordo de bigode fedendo a churrasco prestar mais atenção no basquete apenas porque fizemos alguns argentinos perderem, mas acho que o esporte nem precisa de muitos tiozinhos gordos de bigode, é melhor mesmo que eles continuem só torcendo para o Flamengo. O que importa mesmo é que um monte de pirralinho que torce contra a Argentina no futebol pode se empolgar com a partida de basquete, parar de procurar as fotos da Sandy e resolver dar uma chance pro esporte, num efeito dominó que vai levar algum gordo de bigode a colocar mais investimento nas categorias de base. Ridículo que isso tenha que vir às custas de um ódio por gente que fale enrolado, assiste Chaves e usa mullets, mas nosso esporte precisa muito desse aumento na auto-estima – e aumentar a auto-estima quase sempre implica em diminuir, xingar e descer o cacete em outra pessoa. Aliás, nossa noção de esporte implica bastante em odiar outra pessoa, e muita gente só torce para poder odiar os rivais. Gosto de imaginar que os leitores do Bola Presa são diferentes, que estão mais abertos a pensar o esporte de outras maneiras, que acham uma besteira esse lance pseudo-patriota e se preocupam com o esporte em si, sem fronteiras, mas além da terrível verdade inegável – existem torcedores do Jazz que nos leem – também há o fato de que todo mundo tem um tio gordo que vai xingar os argentinos amanhã e talvez se empolgue de verdade com a partida. Minha torcida, portanto, mais do que por uma vitória brasileira, fica para que seja um jogo espetacular, daqueles com 80 prorrogações, pra deixar todo mundo impressionado e com vontade de lotar os ginásios no Brasil e assistir NBA em outubro. Mas torço um pouquinho, confesso, para uma derrota argentina em parte só para o Luis Scola parar de jogar esse Mundial idiota e ir descansar um pouco para a temporada que vem no meu querido Houston.

Meu time sempre sofreu demais com os torneios internacionais simplesmente porque o Yao Ming era obrigado a jogar pela seleção chinesa durante suas férias da NBA. Quando uma cúpula de dirigentes chineses e americanos se uniram para acertar os detalhes de seu ingresso na liga, assim que ele havia sido draftado, ficou estabelecido que a seleção da China seria sua prioridade. Nem por um segundo, após descobrir uma fratura no pé de Yao que poderia ter sido escondida até o fim dos playoffs, o Houston cogitou a possibilidade de comprometer a presença do pivô nas Olimpíadas. Yao foi retirado das quadras e começou um processo de reabilitação focado única e exclusivamente nas Olimpíadas da China, e é claro que ao voltar para o Houston não estava em plenas condições físicas e acabou se lesionando de novo – e de novo, e de novo, como bom produto “made in Taiwan”.

Recentemente o Yao Ming afirmou que cogitava a aposentadoria caso sua lesão não melhorasse, afirmando que a seleção chinesa teria que se virar sem ele, e eu afirmei que esse discurso era apenas uma desculpa para que ele não tivesse que jogar nunca mais pela China sem soar um traidor. Dia desses, veio a confirmação: Yao admitiu estar em plena forma física, voltou a treinar com bola sem limitações em Houston, e afirmou que sua entrevista havia sido mal entendida por aquelas bandas, que ele apenas estava se afastando da seleção chinesa finalmente. Seus minutos serão limitados nos primeiros meses de temporada, mas Yao está pronto para voltar a ser titular do Rockets – e passar longe da seleção pelo resto da carreira.

Enquanto isso, seu parceiro argentino de garrafão não dá sinais de que um dia abandonará a seleção. Dá pra imaginar fácil o Luis Scola entrando em quadra de cadeira de rodas, vão ter que amarrar o pé dele na mesa da cozinha para evitar que ele tente entrar em quadra pela Argentina aos 60 anos de idade. Mas, ao contrário do peso patriótico que Yao carregava injustamente nas costas, Scola afirma que só quer jogar porque “acha divertido”. Admite que gosta de competir, seja qual torneio for, e que se diverte sendo a estrela, a peça mais importante da equipe – coisa que não acontece no Houston Rockets, em que ele tem papel secundário. Para Luis Scola, jogar pela seleção é uma chance de ser a maior arma no ataque, ganhar jogos sozinho, assumir responsabilidades. E faz tudo isso com tanta facilidade que chega a afirmar que os jogos pela Argentina são, pra ele, preparação para a temporada da NBA.

Cada vez mais essas partidas internacionais perdem a importância, e não é apenas no basquete: todos os outros esportes, até mesmo o futebol, sentem o fenômeno. Os melhores jogadores do mundo participam de ligas de alto nível – seja a NBA, seja o basquete europeu – em que podem enfrentar os outros melhores jogadores do mundo. A nacionalidade vira um troço um tanto secundário quando um russo defende uma equipe grega, jogando ao lado de um americano, ou quando um espanhol é campeão da NBA ao lado de um esloveno e um belga. É claro que tem o lado financeiro, são os times que pagam os salários dos jogadores e eles muitas vezes exigem dedicação exclusiva, mas tem também um outro fato mais simples: não dá pra se ter tudo, abraçar o mundo. O corpo humano não aguenta. Se o jogador fica exausto jogando pelo seu time e ainda vai jogar pela seleção nas férias, vai ter um rendimento ruim nas duas competições. Quando se dá ao corpo o devido descanso, na maior parte das vezes é preciso escolher – e aí a escolha é óbvia, opta-se pela melhor liga, pela de mais evidência, pela de mais estrelas, pela de maior salário, e com isso o basquete de seleções fica em segundo plano. Num mundo em que as ligas são tão internacionalizadas, a simples ideia de um torneio entre seleções faz cada vez menos sentido e ele vai sendo deixado de lado. Não é babação de ovo em cima da NBA, como dizem que a gente faz, que “eles são soberanos”, porque o mesmo se aplica a qualquer campeonato europeu por aí. O nivel é alto, tem gente do mundo inteiro, e jogar por uma seleção só acaba tendo valor em casos muito específicos – tipo o Brasil, que precisa chamar atenção para o seu basquete, ou o Scola, que está se divertindo.

A Argentina de Scola, campeã olímpica, teve um valor muito maior do que forçar os americanos a levarem seus principais jogadores para retomar o posto de vencedores (até porque eles já mostram que não precisam dos melhores jogadores num troço bobo como o Mundial). Scola e seus amigos provaram que os melhores jogadores de basquete do planeta podem estar em qualquer lugar, até mesmo num país cheio de mullets e tango na América o Sul. Pode até ser na China, em que os habitantes deveriam ser supostamente pequenos e frágeis, ou na Grécia, ou na Espanha, ou na Turquia. Todo mundo agora joga basquete de alto nível, esse posto de “país número um do basquete” é terra de ninguém, e ele sequer faz mais sentido e nem é mais necessário. Juntem gregos, turcos, espanhóis e argentinos e misturem tudo, em quantas ligas pudermos, as mais divertidas possíveis. É só isso, sem ter que pisar em ninguém, nem afirmar a nação de ninguém. Para quê tocar hino antes do jogo? O basquete é de todo mundo.

É por isso que o Luis Scola é um monstro absurdo: além de jogar na NBA e na seleção sem se contundir ou se cansar, além de ter mostrado que é um dos melhores do planeta mesmo sendo argentino e sendo incapaz de pular a altura de uma gilette, ele joga para se divertir, para aceitar papéis diferentes, para variar. Não perde um jogo pela seleção da Argentina, mas sabe que sua prioridade é o Houston, em que ele divide o garrafão com um chinês e enfrenta tantos estrangeiros quanto é possível.

Para a partida de hoje entre Brasil e Argentina, então, basta que ela seja divertida, muito divertida. A pataquada de seleção vai ficar de lado se todo mundo que acompanhar o jogo se maravilhar com a beleza do espetáculo, e resolver acompanhar os trocentos torneios sem fronteiras – não apenas a NBA, repito – a que temos acesso hoje em dia e que não estavam ao alcance de qualquer um alguns anos atrás. A internet faz mágica, manda as fronteiras pela privada porque podemos acompanhar a tudo, e ao vivo. Então, mesmo em caso de derrota do Brasil, esteja pronto para distribuir links, blogs, canais de televisão e informações úteis para o seu tio gordo de bigode. Se ele se divertir, vai querer mais – e todo o resto é desimportante. Se for bacana, a seleção vai ter desempenhado mais do que bem o seu papel. Agora, por outro lado, se der pancadaria com a Argentina… aí fizemos papelão, pega a participação do Brasil e joga no lixo. Precisamos de basquete bonito e bem jogado, então minha principal preocupação é justamente essa: que não haja pontapés.

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