>Psicológico

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Deve encher o saco cumprimentar o LeBron
quinhentas vezes por partida



É normal a gente achar que gente famosa é robô, tem uma vida maravilhosa, deve fazer seu trabalho direitinho e não reclamar – aceitar o contrato abusivo que lhe paga milhões, não cometer nenhum deslize durante as férias, não perder a cabeça ou se empolgar muito dentro de quadra. Mas, como insisto em alertar por aqui, essa gente é humana – quer dizer, menos a Alinne Moraes, claro.

O cara pode ir para o trabalho, entrar em quadra, fazer sua parte, mas é absurdo não compreender que o cara é uma pessoa comum que sofre, que tem saudades, dor de barriga, tédio, e que tudo isso inevitavelmente interfere em suas atuações como jogador de basquete. Com a troca, ontem, de Billups por Iverson, muito se comentou sobre como os jogadores do Pistons vão reagir ao perder um amigo de muitos anos. Algumas vozes levantaram-se, gritando: “eles não tem que reagir a nada, só têm que fazer seus trabalhos.” E aí eu lembrei do Delonte West.

O armador do Cavs passou duas semanas de pré-temporada afastado do time. Após um treino comum, de rotina, o Delonte surtou com uma marcação de um árbitro de basquete colegial que estava apitando a brincadeira, teve que ser contido pra não dar uma boa sova no sujeito e, quando os ânimos esfriaram, pensou em abandonar a NBA. E deu o fora.

O Delonte West sofreu a vida inteira com depressão. Segundo ele, quando as coisas estão boas, quando tudo parece que vai dar certo, ele se afunda num buraco sem fundo. É tipo um Clippers, só que psicológico. Mas o basquete sempre havia sido sua salvação, seu refúgio, o lugar para onde ele corria quando seu mundo estava desabando. Os depoimentos ao redor da NBA são sempre assim, salvas raras exceções: as quadras são sempre um refúgio, o basquete é sempre uma paixão. Mas não há nada mais eficaz para destruir uma paixão do que transformá-la em trabalho. Ao invés de prazer, vira obrigação. Não dá pra se divertir num negócio quando você está preocupado com o que dirão se você errar aquele arremesso, se lhe oferecerão um contrato, se você deveria estar mesmo dando aquele passe ou cortando para a cesta naquela direção. Tente fazer sexo preocupado com a angulação, a temperatura, o humidade do ar e cada pequeno movimento seu e me avise como foi (ou, provavelmente, como não foi).

Por mais que se ame basquete, por mais que um jogador de basquete morra de tesão pelo esporte, tem hora em que a pressão deve encher o saco. Se você desencana e joga por diversão, vão te acusar de maluco por arremessar quando quer (tipo o Antoine Walker) ou vão te acusar de jogar sem paixão, sem dar o sangue em quadra (tipo o Tim Thomas e, quando era saudável, até o Darius Miles). Se você se preocupa demais com sua atuação e com o resultado, acaba brochando e fica difícil render em quadra. Frente à uma depressão profunda e uma relação brochada, o que o Delonte West fez? Seguiu o conselho do Pelé e foi falar com seu médico sobre disfunção eréctil – digo, sobre seu estado depressivo e a vontade de abandonar o esporte.

Com ajuda de remédios, terapia em grupo e seções individuais de análise, Delonte retirou um pouco da pressão sobre seus ombros e resolveu voltar para o time. Reaprendeu a sentir prazer com o esporte, a esquecer um pouco as opiniões alheias e a se divertir em quadra. Em seu primeiro jogo de pré-temporada após iniciar seu tratamento, teve uma atuação horrível – pelo que me lembro, acertou 2 de seus 13 arremessos ou algo assim. Mas depois da partida, estava feliz da vida:

“Noite passada foi o jogo mais divertido que disputei em anos. Foi como estar numa quadra de rua, criança outra vez. Aproveitei como nunca.”

Que bom que você se divertiu de noite, seu garanhão! E com o início da temporada, o Delonte parece continuar se divertindo, algo que pode ser sentido em suas atuações. Na defesa, está impecável, no ataque sua pontaria está certeira. É claro que isso tem a ver com o fato dele estar jogando na posição 2, com o Mo Williams assumindo a armação principal. Desde seus tempos de Sonics ficou provado que o Delonte funciona melhor tanto na defesa quanto no ataque quando joga longe da bola, ao contrário de seus tempos de Celtics (e um pouco no Cavs) em que fica com a bola nas mãos boa parte do tempo. Mas sua nova abordagem do esporte também está dando resultados, ele é um sujeito mais feliz e capaz de jogar melhor esse tal de basquete.

Vale aproveitar para comentar um pouco sobre o Cavs. Eu fui o primeiro a dizer que o Mo Williams ia enlouquecer o LeBron por ser um fominha inveterado, mas sua presença está sendo benéfica em vários aspectos. Primeiro, ele segura bastante a bola e isso está ajudando o jogo do Delonte West. Segundo, ele arremessa como um retardado quando o LeBron está no banco, sendo que na temporada passada o time sentava no chão e começava a jogar ludo quando o LeBron ia sentar. Já que o Mo Williams tem os bagos pra arremessar, LeBron pode passar mais tempo descansando e o time não perde tanto poder ofensivo. Ontem, a defesa do Cavs humilhou o Mavs, o Nowitzki marcou apenas 8 pontos enfrentando alternadamente LeBron, Ben Wallace e Ilgauskas, e LeBron estava no banco todo feliz da vida quando Mo Williams ficou biruta e o time marcou uns 12 pontos seguidos sem tomar nenhum.

Mas, voltando à depressão de Delonte, existe outro caso interessante: Steve Francis. Nos seus tempos de Houston Rockets, ele e Cuttino Mobley eram melhores amigos. Faziam tudo juntos o tempo inteiro, suas famílias eram amigas e um não desgrudava do outro. Os dois foram trocados juntos para o Magic e disseram que, com a companhia um do outro, a transição seria mais fácil. O Francis estava em seu auge, teve uns bons jogos em Orlando, mas aí o Mobley foi trocado. Era a primeira vez em anos que um não jogava com o outro, era tipo Bochecha sem Claudinho. Francis caiu de produção quase que imediatamente, seu jogo foi decaindo, contusões aconteceram e ele simplesmente desapareceu. De um dos jogadores mais impressionantes da NBA a um jogador esquecido de terninho no fim do banco em apenas uma amizade desfeita.

No Pistons, Billups, Hamilton, Prince e Rasheed são uma família. Não dá pra negar que mandar o Billups embora vai ter outras repercussões que irão muito além do aspecto tático. Há uma alteração humana, psicológica em jogo. Mas, se eu tivesse que chutar (e eu praticamente tenho, males de se ter um blog), arriscaria dizer que a troca vai ser boa para o psicológico da equipe. Ninguém vai virar o Steve Francis, pode relaxar.

O Detroit Pistons é um time complicado. Equilibrado, defensivo, dominante – mas que sempre acaba perdendo para um talento único e fora de série nos playoffs. Se existe um time que aprendeu que a temporada regular não serve pra nada, esse time é o Pistons. Então, todos os anos o mesmo elenco, com as mesmas bases táticas, o mesmo jogo coletivo, tem que enfrentar 82 jogos sabendo que não serve pra porcaria nenhuma e se preocupando só em parar LeBron James na hora do mata-mata. Como manter a motivação de um time desses? Como impedir que eles entrem em quadra desanimados, conscientes de que esses jogos são fáceis demais ou desimportantes demais? Com isso em mente, os dirigentes do Pistons já haviam avisado que uma mudança drástica aconteceria no elenco para essa temporada. Qualquer mudança daria uma impressão de novo começo, de nova jornada, ao invés de mais uma maldita temporada em que vai acontecer tudo igual outra vez. Pra começar, Rodney Stuckey ganhou minutos de titular como armador vindo do banco. Amir Johnson virou o ala titular, mesmo com minutos de reserva. E agora, sai um armador centrado e e entra um dos maiores pontuadores da NBA.

Se o Iverson não jogar de armador principal, eu engulo meu nono pé (ando apostando muitos pés ultimamente). O Stuckey deve continuar vindo do banco e o Iverson vai chegar para ser titular, ao lado de Hamilton e Prince. Se o resto do elenco mantiver a defesa que já é marca registrada da equipe e o Iverson for o pontuador confiável e constante que sempre foi, essa mistura maluca pode dar muito certo. Mas, de todo modo, acho genial para o Pistons simplesmente porque é uma mudança radical o suficiente para injetar ânimo no resto do elenco, para que o Rasheed acorde de manhã e pense “hum, uma novidade, como será o jogo de hoje a noite?” logo depois de sua mulher lhe dar uma falta técnica por não abaixar a tampa do vaso. E, para nós torcedores, é um ânimo novo para acompanhar um time que, por sua constância, nunca foi lá um grande evento para se assistir. Domingo, contra o Celtics, veremos Iverson num Pistons renovado. Vai ser bizarro? Vai. Mas eu aposto meu décimo pé como vai dar certo.

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