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Ao cair no chão após um giro do Dwight Howard no garrafão, Shaq foi criticado pelo técnico do Magic, o Stan Van Gundy, que o chamou de “flopper”. Para quem não fala esses idiomas da gringolândia, o termo refere-se a jogadores que se atiram no chão para simular contato, fingem que foram atingidos e exageram as colisões. Ou seja, todas essas coisas com as quais tanto estamos acostumados no mundo do futebol. Não por menos, é nossa cultura futebolística que gera os maiores “floppers” lá fora: o Varejão foi eleito o maior em atividade no quesito, enquanto o Manu Ginóbili não fica atrás e já rendeu vídeo tirando sarro feito aqui mesmo no Bola Presa.
Bem, o Shaq não encarou de maneira muito saudável a insinuação de que ele tem esses hábitos latinos (tendo em vista o quanto ele sempre odiou e criticou o pivô Vlad Divac, que era um flopper de carteirinha apesar de ser europeu, e provavelmente o primeiro a levar a prática para a NBA). Aproveitando que está na melhor fase de sua carreira desde que foi campeão com o Heat (ou talvez, até me atrevo a dizer, a melhor fase desde seus tempos de Lakers), Shaq atacou um bocado a envergadura moral do técnico do Magic, com uma série de acusações que, resumindo, simplesmente quiseram dizer que ele fede. Não sou chegado nessa parte de fofoca, gente se ofendendo pela mídia não está incluso na minha estranha lista de fetiches bizarros, mas algo que o Shaq falou por entre os palavrões me chamou a atenção:
“Eu tentei receber uma falta de ataque. A merda das regras dizem que você não pode ficar de pé lá e ser atingido. Você tem que cair.”
Ou seja, o Dwight Howard veio para cima dele com “aquele giro velho do Patrick Ewing”, como disse o próprio Shaquille O’Neal, mas ele teve que se atirar no chão para que a regra valesse. De fato, isso é bastante diferente de se atirar no chão fingindo um contato, até mesmo pela linguagem corporal. “Eu caí, levantei e não reclamei”, o Shaq explicou, o que é obviamente uma versão do Mundo Bizarro do Ginóbili, que se atiraria no chão e reclamaria com aquela cara de choro de quem passou a vida inteira vendo novelas com a Thalía.
Mais do que se aproveitar da regra para conseguir uma vantagem desleal em quadra, o Shaq parece legitimamente incomodado com a regra, e com razão. As regras de contato na NBA nunca levaram em conta o fato de que ele tem 150 quilos (estou sendo bonzinho hoje) e que as pancadas que recebe, mesmo quando duras e obviamente faltosas, não necessariamente são capazes de derrubá-lo no chão. As coisas que os defensores fazem com ele são geralmente cruéis, uma série de golpes duros e marretadas certeiras, mas como o Shaq parece um muro de tijolos o impacto visual é amenizado e, às vezes, sequer marca-se falta. O efeito inverso acontece com jogadores muito pequenos e leves, como TJ Ford. Qualquer pancada que ele sofre atira o magrelo no chão com tremenda violência que não é possível não marcar uma falta no lance. Suas quedas são, aliás, tão estrondosas que em geral mudam o grau da falta: de comum, simples cotidiano, passam a ser “faltas intencionais”. Está muito na moda a NBA punir jogadores com alguns jogos de suspensão quando uma falta que parecia comum à primeira vista acaba fazendo um jogador cair de maneira mais forte no chão. Glen Davis, no clássico recente entre Celtics e Cavs, foi expulso por uma falta dura no Varejão que pareceu pior pela queda do que pela pancada em si. Claro, achei o contato exagerado e desnecessário, mas o ponto que eu quero abraçar é o seguinte: se a mesma falta cometida tivesse sido em cima do Shaquille O’Neal, o Glen Davis teria sido expulso? Teria sequer recebido uma falta técnica? Teria sequer sido falta, pra começo de conversa?
O Yao Ming, como pivô, sofre dos mesmos problemas com as regras de contato e, assim como o Shaq, reclamou recentemente: “Toda vez que um jogador está com os pés no chão, mesmo se ele quiser sentar e descansar um pouco, é falta de ataque minha. Isso não é justo.” Graças ao seu tamanho e seu peso, Yao não tem direito a ser físico no garrafão. Qualquer contato parece ser muito forte, muito brusco, e a falta de ataque é marcada – afinal, um peteleco em uma mosca parece um golpe mortal e Yao está constantemente jogando contra moscas numa NBA em que a posição de pivô está sendo gradualmente assumida por jogadores de outras posições, em geral alas não muito altos.
“Eu sei que tenho 140 quilos. Quando me empurram, talvez não me afete tanto, mas eu tenho que maneirar, maneirar mesmo, a minha força para empurrar de volta.”
As palavras do Yao podem parecer chocantes para quem passou toda a carreira do chinês reclamando que ele não joga de maneira física no garrafão. Mas seus relatos mostram como as regras impossibilitam que ele use seus dotes físicos tanto no ataque quanto na defesa. Segundo ele, seus marcadores agarram seus braços, usam os dois braços para empurrá-lo para longe e frequentemente se valem dos cotovelos e até mesmo dos joelhos. Se ele faz o mesmo na defesa (ou metade disso, ou um terço disso), o jogador cai, explicitando o contato, e a falta está marcada.
O Shaq está vivendo uma grande fase da sua carreira não apenas em números, mas também do ponto de vista do entretenimento. Diz gostar de Phoenix, dos torcedores, da estrutura do time, dos companheiros, e que está se divertindo mais do que em qualquer outro momento de sua vida. Isso não o impede, entretanto, de incomodar-se com o problema das faltas. Saiu nitidamente frustrado da partida contra o Magic não apenas pela acusação de “flopper”, mas também porque seu duelo contra “o outro Superman”, Dwight Howard, foi estragado por faltas marcadas em excesso para ambos os jogadores.
Se me perguntarem o porquê do Shaq ter subido de produção nessa temporada, arriscarei um pouco o quesito motivação, mas a verdade é que acredito que ele tenha jogado sempre do mesmo jeito, todos os jogos, durante toda sua carreira. Sua eficiência depende única e exclusivamente do critério dos árbitros, do que a NBA está disposta a marcar naquele momento. Não veremos mais um Shaq dominante, destruindo com as partidas, e não é exatamente por causa da idade – as regras não permitem mais que ele faça o que antes fazia tão bem. Talvez nenhum outro jogador da história tenha obrigado tanto a NBA a alterar suas regras quanto Shaquille O’Neal e sua dominância exagerada do esporte, de semi-círculo no garrafão a três segundos de defesa, e a nova era de David Stern – preocupado com a imagem de sua Liga aos olhos da meninada e dos velhos caquéticos conservadores americanos – aboliu o contato que pareça violento em qualquer grau.
Ao mesmo tempo, com os placares na NBA diminuindo temporada após temporada com um predomínio indiscutível de defesas fortes, o David Stern instituiu a marcação de faltas a qualquer toque de mão da defesa no perímetro, fazendo com que os times – e os armadores, especialmente – marcassem mais pontos, sempre da linha dos lances livres. Ou seja, enquanto criticamos o Yao Ming por ser uma moça e o Shaq por ser velho, vemos um mundo em que o Dwyane Wade cobra 30 lances livres por segundo. Para os pivôs, os tempos são ingratos. Esperamos tanto da nova geração, há tanta pressão para que Dwight Howard escreva seu nome na história, mas ele nunca será dominante no garrafão ofensivo. Em parte porque ele fede um pouco, claro, mas especialmente porque ele nasceu na época errada, uma era em que ele não pode ser físico debaixo da cesta, a não ser que tivesse uns 20 centímetros a menos.
O negócio é um pouco complicado: por exemplo, por ter quase dois metros e trinta, o Yao Ming já perde terrivelmente em velocidade, mobilidade e impulsão. A altura exagerada funciona muitas vezes como um obstáculo para o que ele quer fazer em quadra. Mas aí, além disso, as regras evitam que ele possa usar seus 140 quilos de massa muscular na defesa e no ataque contra os adversários menores e mais ágeis. Então para que serve sua estrutura física? É completamente inútil, não há brechas para que ele possa dominar o jogo. Vai reclamar que ele arremessa demais, que ele fica longe da cesta? Para quem acompanha de perto, o Yao é bastante agressivo em alguns jogos e é constantemente punido por isso com seu traseiro “made in China” no banco de reservas, com excesso de faltas. Vai reclamar que o Shaq está ficando velho? Basta alguns juízes agindo de forma diferente e ele ainda enfia 40 pontos na cabeça de alguém (mas ainda assim perde para o Spurs, vale ressaltar), sem precisar de “flop” nem nada disso. O Yao concorda:
“Pelo menos não tenho que me preocupar com um flopper no próximo jogo (contra o Suns). Não acho que o Shaq seja esse tipo de jogador.”
O chinês tem razão, porque no duelo entre os dois a força em jogo é bastante similar. Não haverá uma mosca sendo jogada ao chão quando o Yao for para a cesta. Mas se o Shaq quiser usar as regras, que os dois sabem que fedem, talvez ele tenha que cair no chão às vezes. Bastante degradante para um homem que, em diferentes circunstâncias (pense num David Stern que tivesse virado gerente do Wall-Mart), poderia ter sido o maior pivô de todos os tempos. Fácil, fácil.