Resumo da Rodada 15/4 – O impossível

Quando Draymond Green acertou uma bola de três livre de frente para a cesta com 8 minutos restando no terceiro período e a diferença no placar saltou para 28 pontos a favor do Warriors, o Clippers ficou tão desesperado que não conseguiu sequer cobrar a saída de bola. Dar espaço para Green arremessar é uma tática que todo time usou ao longo da temporada, mas se ele está acertando essas bolas – e ele tem um excelente aproveitamento desde o All-Star Game – o que resta fazer? Naquele ponto, nada estava funcionando: a defesa extremamente agressiva do Clippers não havia impedido Stephen Curry de marcar 22 pontos só no primeiro tempo, o Warriors já estava ficando entediado de tanto cobrar lances livres e a lesão de DeMarcus Cousins, que se machucou ainda no primeiro quarto (e pode ficar de fora pelo resto dos Playoffs) apenas liberou Kevon Looney para vir do banco e ter o melhor jogo da sua carreira.Quando Stephen Curry teve que deixar a quadra no terceiro quarto ao cometer sua quarta falta – resultado direto de quão físico o Clippers resolveu ser durante todo o jogo, tanto no ataque quanto na defesa – parecia que o Clippers teria uma chance de respirar um pouquinho. A ilusão durou pouco: Quinn Cook entrou para substituir Curry e converteu 5 pontos consecutivos como se fosse a coisa mais fácil do mundo. Faltando 7 minutos para o fim do período, Kevin Durant converteu uma cesta e sofreu a falta, convertendo o DÉCIMO QUINTO arremesso consecutivo sem um único erro do Warriors e, com o lance livre, levando a vantagem do time a surreais 31 pontos. Era aquele momento que a gente tanto conhece: hora de sentar na calçada, chorar e, para nós, colocar o sono em dia. Quem aqui no Brasil não foi dormir imediatamente ganha o selo de torcedor teimoso – ou a carteirinha de insônia.

Quem não foi dormir, no entanto, ganhou de presente uma das maiores viradas da história do basquete da NBA. E o mais incrível é que o Clippers não fez muita coisa diferente além de avançar um pouco mais a defesa no meio do terceiro quarto, coisa pouca. O que tivemos na noite de ontem foi um desses casos de “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”: a insistência num modelo eventualmente deu resultado, ainda que tenha sido necessário estar perdendo por mais de 30 pontos no processo.

Se voltarmos para a última série dos Playoffs que o Golden State Warriors perdeu, teremos que retornar até as Finais da NBA de 2016, quando o Cleveland Cavaliers arrancou uma vitória improvável da própria orelha. A receita para aquele sucesso inusitado, e que mais ninguém conseguiu recriar desde então, foi um basquete incrivelmente físico, agressivo, brigado, que colocou o Warriors na linha dos lances livres mas, após infinitas faltas, trombadas, tocos e rebotes ofensivos, eventualmente deixou os então campeões com medo de fazer uma simples bandeja. O empurra-empurra deu resultado a ponto do Warriors se contentar com arremessos forçados de longe e querendo se livrar da bola, cometendo erros e gerando contra-ataques para o adversário.

Pois bem, de volta a 2019 eis o plano do Clippers: trombar com os adversários no ataque e na defesa até que eles quebrem, mental e fisicamente, queiram se livrar da bola e se contentem com arremessos forçados. E se o Warriors quiser trombar de volta, melhor: não só o Clippers acredita que vencerá um duelo direto de PORRADA, mas também sente que perderá menos se as principais estrelas dos dois times estiverem fora da quadra porque estouraram em faltas. Quem é mais importante para seu time, Durant ou JaMychal Green?

Vencer por 31 pontos não impediu Kevin Durant, por exemplo, de estar ENLOUQUECIDO com o empurra-empurra e as trombadas aleatórias de Patrick Beverly, que ficou responsável por sua marcação praticamente o jogo inteiro. A diferença de altura lembrou os velhos tempos em que um Dirk Nowitzki imparável sofria horrores contra defensores menores que grudavam no seu corpo e o forçavam a colocar a bola no chão para criar algum espaço, já que o arremesso por cima do defensor teria que ser inteiramente desequilibrado. Durant se viu obrigado a criar espaço na marra, sofrendo faltas o tempo todo, mas cometendo faltas também. Em uma sequência no terceiro período, Beverly roubou a bola de Durant no meio da quadra, forçou o ala a cometer uma falta de ataque na posse de bola seguinte, os dois trocaram mais uma falta cada um, e aí com Durant DESCONTROLADO vimos Beverly ficar tão grudado que seu adversário teve que dar um passo pra trás pra não cair, a marcação imediatamente dobrou e Durant teve que forçar um passe estúpido pra se livrar da bola que virou imediatamente um roubo e um contra-ataque. Quando o técnico Steve Kerr tirou Durant do jogo para esfriar a cabeça, o ala já tinha 4 faltas e a diferença no placar já tinha caído em 10 pontos. Stephen Curry, também com 4 faltas por passar situação similar nas mãos de Landry Shamet, voltou apenas no finalzinho do quarto para dar o arremesso final, acabou desperdiçando a bola contra uma defesa amontoada em cima dele, cedeu o contra-ataque e o Clippers entrou no período final perdendo apenas por 14 pontos. Era evidente que o Warriors estava rachando depois de tomar tanta pancada e que os jogadores estavam visivelmente incomodados, mas as coisas ainda estavam no controle – uma vitória do Clippers ainda parecia um sonho impossível.

O problema é que o Warriors foi esquecendo qual era a sensação de fazer uma cesta. Curry e Durant estavam ao mesmo tempo sufocados pela defesa, fora de ritmo por ter passado tempo demais fora da quadra com faltas e preocupados em não cometer mais faltas ainda – algo difícil dos dois lados da quadra. Lutar por espaço contra a defesa de maníacos do Clippers cria a chance de que você faça uma falta de ataque; do outro lado da quadra, com Lou Williams atacando a cesta e Montrezl Harrell fazendo pick-and-rolls como um trem descarrilhado, impedir que eles alcancem o aro cria a chance de que você tenha que cometer faltas necessárias. Até o final da partida, o Warriors cobrou inacreditáveis QUARENTA E CINCO lances livres, o que foi mantendo o time à frente do placar, mas que também impediu qualquer jogador de acertar uma cesta NORMAL pra lembrar qual era o gostinho. Sem entrar num ritmo de arremessos convertidos no ataque e sem poder ser muito agressivo na defesa, o Warriors saiu completamente de seu plano de jogo. Com 7 minutos para acabar a partida, Stephen Curry teve a bola roubada da sua mão por um Patrick Beverly piradíssimo no meio da quadra, ainda indo para o ataque. Naquele instante pudemos ver que as rachaduras haviam ido longe demais: mesmo 12 pontos à frente no placar, o Warriors estava quebrando.

Na posse de bola seguinte, mesmo com Curry, Durant, Klay Thompson e Draymond Green em quadra, o único jogador do Warriors com algum espaço para receber a bola e finalizar foi Andrew Bogut, que errou um ganchinho torto, e a vantagem no placar não parou de despencar. É claro que o plano do Clippers cobra um preço, entretanto: com 5 minutos para acabar o jogo, Beverly comete sua quinta falta. Um minuto depois faz sua sexta falta e está fora do jogo. Aquele ritmo insano, flertando com faltas em todas as posses de bola e em cada movimento do adversário, não se sustenta para sempre. Mas o mesmo acontece do outro lado: tentando ser minimamente mais agressivo, Durant tenta uma enterrada que levaria a vantagem para 7 pontos, mas Harrell força uma falta de ataque, a quinta de Durant. Um minuto depois ele também comete sua sexta falta e está fora do jogo.

Aqui está a pegadinha: Beverly fez apenas 10 pontos no jogo e sua saída é sentida na defesa, mas pouquíssimo no ataque. Kevin Durant, por sua vez, é expulso do jogo tendo dado apenas OITO arremessos – e, claro, 12 lances livres. O Clippers trocou a saída de um jogador secundário de seu time pela saída de um jogador essencial nos momentos decisivos para o time adversário. Sem ele em quadra, com Lou Williams comandando o ataque em todas as posses de bola e encontrando cestas impensáveis, o Clippers empata o jogo a um minuto do fim. Parecia ali que o Warriors tinha ruído em definitivo, se não fosse pela cesta de três do Curry do outro lado:

Vejam na jogada acima como Curry, para ter espaço para esse arremesso, precisa NAMORAR DE MÃOZINHA DADA com a chance de cometer uma falta de ataque. Se tivessem marcado, teria sido sua quinta falta e o Warriors estaria nu com a mão no bolso.

Depois de Lou Williams diminuir a vantagem pra um ponto mais uma vez e ter a posse de bola a 30 segundos do fim, o Warriors finalmente resolveu que não era uma boa ideia deixar Lou ficar com a bola nas mãos. O armador pontuou ou deu assistência para 52 pontos do Clippers só no segundo tempo, ou seja, que tal NÃO DEIXAR ELE DECIDIR? A dobra de marcação forçou Lou Williams a se livrar da bola, mas o resultado foi um passe pra Gilgeous-Alexander que encontrou Landry Shamet livre – justamente o melhor arremessador de três pontos do Clippers na temporada. Fim.

Stephen Curry até teve mais uma chance de responder, mas foi uma bola contestada que DESSA VEZ não caiu, sacramentando a virada histórica do Clippers. Partida impecável de Lou Williams, com 36 pontos e 11 assistências, a maior parte delas para Montrzl Harrell e sua falta de senso de preservação quando corta pra cesta. Foi um jogo histórico cheio de coisas fora do habitual: não apenas uma virada dessa proporção é muito rara na NBA (foi a segunda maior da história dos Playoffs) mas ela também aconteceu contra o Warriors, um dos melhores times de todos os tempos. E para que isso acontecesse, o Clippers precisou confiar num plano de jogo que NÃO FUNCIONOU por três quartos e meio, na esperança juvenil de que as rachadurinhas forçadas ao Warriors fossem se acumulando, pouco a pouco, até que o time implodisse de vez A TEMPO do jogo terminar. O que vimos foi simplesmente impossível, ou seja, precisamos repensar nossos conceitos do que é ou não possível numa quadra de basquete. A lição para todos aqueles que davam a temporada como encerrada antes mesmo dela começar: o Warriors pode ser batido. E se essas rachaduras se acumularem de um jogo para o outro, ou de série para série, poderemos presenciar mais e mais surpresas ao longo desses Playoffs.


O primeiro jogo da noite não teve uma virada histórica, o Sixers venceu por 22 pontos, chegou a liderar por 32 e o Nets só ficou à frente no placar nos primeiros minutos de jogo. Ainda assim, tivemos uma das maiores guinadas numa série nos últimos anos, tudo responsabilidade da pranchetinha do técnico Brett Brown.

Na derrota do Jogo 1, o Sixers teve falhas terríveis expostas, Ben Simmons foi completamente anulado e o time mordeu todas as iscas que não devia até ser derrotado pela obediência tática do Nets. No Jogo 2, a coisa foi totalmente diferente: o Nets até tentou manter seu plano, teve uma partida muito consistente e conseguiu chegar no terceiro quarto com o jogo empatado, mas era evidente que o time estava segurando na beirada do penhasco com a pontinha do dedo mindinho, jogando no limite para não ser atropelado por um trem tático. Quando o Nets afroxou um tiquinho pra beber uma água, o Sixers foi lá e esmagou o adversário sem dó.

A principal diferença do Sixers para essa partida foi no uso de Ben Simmons. Logo nas primeiras posses de bola, já vimos isso aqui acontecer:

Como comentamos no Jogo 1, os melhores momentos do time contra o Nets vieram das raras vezes em que Simmons esteve dentro do garrafão, de preferência de costas para a cesta. Brett Brown está acostumado a usar Simmons como ala de força algumas vezes ao longo das partidas, mas é o encaixe com a formação titular do Sixers que dá tanta dor de cabeça: como usá-lo de ala de força se o time tem outros alas, Joel Embiid brilha mais dentro do garrafão, e não há outro jogador para carregar a bola até o ataque e iniciar as jogadas?

A solução de Brown na partida de ontem foi que Simmons até levava a bola para o ataque, mas imediatamente soltava nas mãos de JJ Redick, fazendo um corta-luz (o que chamamos de “hand off”, soltar a bola usando o próprio corpo parado como bloqueio) e aí correndo em direção ao garrafão. Nessa situação, ou a defesa deixa Redick livre para um arremesso – algo que tanto faltou no Jogo 1 – ou deixa Simmons partir para o aro. A dificuldade está apenas na capacidade de Redick de conseguir achar os espaços para um passe para o Simmons, coisa que ele nunca se sentiu muito confortável de fazer. Mas o que vimos ontem foi muito promissor:

Vejam como Redick FINGE um arremesso para conseguir encontrar Ben Simmons com um passe. E nessas circunstâncias, de frente para a cesta em movimento, Simmons é simplesmente um dos melhores jogadores da NBA – sua leitura de jogo é impecável e ele encontra Boban Marjanovic livre para a cesta. Boban, aliás, foi fundamental para deixar Simmons ficar perto da cesta porque o pivô acertou arremessos sem parar da cabeça do garrafão, espaçando a quadra e estando lá para rebotes ofensivos e corta-luzes importantes para criar algum espaço.

Mais uma vez a defesa do Nets deu espaço para Boban (se arrependeu tarde demais) e para Embiid arremessar de fora, mas o plano do Sixers dessa vez foi EXISTIR NO ARO sempre que possível. Vejam a jogada abaixo: Ben Simmons de costas para a cesta, onde ele é mais genial, acionando Embiid no perímetro. A defesa dá espaço para Embiid arremessar e aí o pivô usa esse espaço para bater pra dentro, mudar de direção no meio do caminho e finalizar sofrendo a falta:

Mas nada me deixou mais impressionado taticamente do que essa jogada aqui abaixo, com a qual eu quero namorar, casar e ter milhões de filhinhos. Assista aí e a gente volta logo abaixo para comentar:

Olha essa loucura, não tem NINGUÉM no perímetro de frente pra cesta. Tem um jogador em cada zona morta, dois jogadores dentro do garrafão (Jimmy Butler e Joel Embiid) e Ben Simmons mesmo assim bate para o garrafão. É o pior espaçamento de todos os tempos, um amontoado de gente encostado no aro. Poréeeeem, vejam com Embiid dá um passo pra fora do garrafão para atrair o pivô adversário enquanto Jimmy Butler faz um corta-luz que, por conta da embolação, acaba bloqueando DOIS JOGADORES. Resultado? Ben Simmons pode atacar a cesta com tranquilidade, e com sua visão de quadra o time ainda se certifica de que eram possíveis passes para Embiid ou para as zonas mortas dependendo de como o Nets lesse a jogada. E o mais engraçado de tudo é que o Nets não leu nada, não entendeu nada, não fez nada – só ficou perplexo de ver que sua defesa por zona, tão impactante no Jogo 1, tinha sido reduzida a um bolinho de pessoas num espaço de 3 metros quadrados. Coisa linda de se ver.

Não foi à toa que tanto Embiid quanto Ben Simmons acertaram 8 de 12 arremessos cada, JJ Redick finalmente teve espaço e oportunidade para arremessar (acertando 7 de 12 arremessos), e Ben Simmons ainda terminou a partida com um triple-double gordo de 18 pontos, 10 rebotes e 12 assistências em menos de 30 minutos de jogo. TJ McConnell, que teve um Jogo 1 muito complicado em que se recusou a dar os arremessos que a defesa do Nets lhe ofereceu, dessa vez mal teve que entrar em quadra: Simmons e Redick assumiram quase toda a armação do time sem ter que tirar Simmons do garrafão, com Jimmy Butler assumindo nos momentos restantes. Foi a primeira vez que pudemos vislumbrar aquilo que o Sixers deveria ser, aquilo que ele deveria se tornar, do ponto de vista tático. Se isso for reproduzível ao longo da série, será a melhor notícia para o Sixers na temporada inteira, e a derrota e as vaias no Jogo 1 não terão sido em vão.

O único problema é que a defesa ainda se mostrou frágil contra a velocidade excessiva do Nets e Spencer Dinwiddie pareceu muitas vezes imparável só por atacar a cesta imediatamente após qualquer saída de bola, colocando em xeque a defesa de transição do SIxers. Como o time de Brooklyn mantém o plano de jogo esperando apenas o adversário errar, nos momentos em que o ataque do Sixers não funcionar eles ainda estarão explorando as limitações defensivas do adversário na série para ficar vivos no jogo e talvez escapar com uma vitória. Algumas dessas limitações são impossíveis de arrumar – Redick e Boban são frágeis defensivamente e o seriam em qualquer esquema tático – mas existem coisas que podem ser arrumadas ao longo da série e que precisarão passar pela pranchetinha se o Sixers quiser um caminho mais fácil para as semi-finais.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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