Resumo da Rodada 22/5 – Na base da defesa

Não importa por onde se olhasse, o cenário para o Jogo 4 não era NADA favorável para o Houston Rockets: o time vinha de uma derrota por 41 pontos, a pior do time na história dos Playoffs; daria ao Warriors uma liderança praticamente intransponível de 3 a 1 na série caso perdesse; e faria esse confronto na casa do adversário, onde o Warriors venceu 16 jogos seguidos na pós-temporada, uma marca impressionante. Poucas vezes senti o Warriors ser tão favorito – e isso se mostrou ainda mais evidente assim que o jogo começou de fato.

Tentando insistir em aproveitar a vantagem de tamanho de Clint Capela, o Rockets iniciou a partida caindo na maior CILADA do basquete atual: achar que passar a bola para um pivô é fácil contra o Warriors por conta da diferença de altura. O Warriors interceptou a linha de passe uma, duas, três vezes; James Harden abriu mão de infiltrações no meio do caminho para tentar acionar Capela em pontes aéreas que a defesa do Warriors, por não desgrudar do pivô do Rockets, simplesmente não concedeu; e quando a bola finalmente chegou nas mãos de Capela, ela ou foi roubada ou contestada a ponto de não virar um arremesso minimamente digno.

Quando o Rockets percebeu que o plano estava, digamos assim, dando MEIO QUE ERRADO, o placar já nos contava que o Warriors tinha marcado 12 pontos. Doze. Enquanto o Rockets sequer tinha estreado a cesta adversária. Então a situação que temos é a seguinte: é como se o favorito, aquele que ganhou os últimos 16 jogos em casa etc e tal, começasse além de tudo com uma vantagem de 12 pontos no placar antes mesmo do jogo iniciar. Parece apelação suficiente? O Rockets só foi marcar sua primeira cesta com CINCO MINUTOS passados de jogo, num erro bobo do Warriors que James Harden transformou em contra-ataque.

Meus olhos começaram a correr então pelas arquibancadas do ginásio, na esperança de ver uns torcedores já abandonando o jogo porque, sabe como é, já tá ganho mesmo e é melhor sair mais cedo para evitar o trânsito, né? Resisti também bravamente à vontade de desistir do basquete PRA VIDA e ir lavar a louça.

Esse começo catastrófico para o Rockets foi, na verdade, uma espécie de repeteco dos melhores momentos do Warriors no Jogo 3: o Rockets se atrapalhando com um ataque estagnado, perdendo a bola e permitindo ao Warriors puxar contra-ataques, que por sua vez viram pontos e impedem, assim, o Rockets de jogar na transição, condenando ainda mais o ataque. É um ciclo terrível que parece assombrar todos os times que se desesperam contra os atuais campeões.

Mas aos pouquinhos, devagarinho mesmo, comecei a perceber algo novo para o Jogo 4: a defesa que o Rockets resolveu implementar na partida. Para entender isso, precisamos lembrar que os dois times MORREM DE MEDO do ataque um do outro – com razão, já que são ataques historicamente incríveis – e portanto escolheram trocar a marcação em qualquer corta-luz, não dando nem tempo nem espaço para arremessos de longa distância quando essa troca é bem feita. Por serem, também, defesas de elite, poucos arremessos são dados com liberdade fora de quebras defensivas ou contra-ataques fulminantes. Isso significa que, na prática, por conta das escolhas defensivas e do poder desses ataques, o que estamos vendo com mais frequência é um basquete de mano-a-mano, individual, em que as estrelas dos dois lados podem escolher o adversário pelos quais desejam ser marcados.

Kevin Durant quer ser marcado por James Harden? Tranquilo: é só trazer o jogador que Harden está marcando para um corta-luz, forçar a troca, Trevor Ariza se vê obrigado a abandonar Durant e aí Harden está lá marcando o adversário como planejado. Então nem faz sentido para os times fazer jogadas muito sofisticadas, dá pra escolher o marcador adversário com um ou dois corta-luzes e aí se aproveitar disso, seja com um arremesso ou infiltração em cima desse marcador mais “frágil”, seja usando essa vantagem do atacante para iniciar uma jogada que termine com um arremesso de outro jogador. Nessas circunstâncias, Kevin Durant teve facilidade para arremessar por cima de qualquer um de seus defensores, a não ser nos casos em que uma marcação mais COLADA em seu corpo o forçou a colocar a bola no chão no Jogo 2. Defensivamente, é o melhor que dá pra fazer. Isso explica o fato de que os times estão dando pouquíssimas assistências – ontem foram 14 para o Warriors, 12 para o Rockets.

Mas o Rockets resolveu extrair alguns dos melhores momentos daquele Cavs campeão de 2016 contra o Warriors e adotar o que chamo de “defesa de chão”. Durant vai arremessar por cima dos adversários? Stephen Curry vai arremessar por cima do Cristo Redentor? Então não adianta focar uma defesa inteira em contestar esses ARREMESSOS – vale mais a pena contestar a bola enquanto ela está na linha da cintura, ou quicando, ou sendo passada. Durant tentou um drible? É a chance de todo mundo colocar a mão nessa bola, se negando a olhar qualquer coisa acima do peito de qualquer jogador. Klay Thompson vai tentar um arremesso? Então vale tentar roubar essa bola enquanto ele prepara sua “pegada”, não quando ele vai subir.

Os riscos dessa defesa são enormes: o Warriors é certamente o time que melhor arremessa na história do basquete, então contestar pouco ou nunca esses arremessos tende a aumentar seu aproveitamento de acertos. Por outro lado, a defesa se foca em incomodar o pré-arremesso, fazendo com que o Warriors tema driblar, colocar a bola no chão e, em alguns momentos, até mesmo passar a bola. Além disso, a defesa deixa de cair nas FINTAS, cria menos espaço para infiltrações e, tão importante quanto, acaba cometendo menos faltas em momentos de arremesso.

Para termos uma ideia, o Warriors cobrou 14 lances livres na partida – 7 deles no quarto período ultra-físico, ultra-caótico que ainda iremos abordar. O Rockets, por sua vez, cobrou 27 lances livres sem muito segredo, apenas atacando a cesta naquelas situações de mano-a-mano que a defesa do Warriors decidiu que era a melhor maneira de pará-los.

Foi assim que aquelas 12 a 0 iniciais foram estancados, que Kevin Durant começou a dar arremessos desconfortáveis e que o Warriors começou a perder algumas bolas e alimentar o ataque do Rockets. O buraco ainda era enorme, mas quando o primeiro quarto acabou e a diferença no placar era de “apenas” 9 pontos, dava para ver que existia alguma esperança.

Por uns momentos no segundo quarto, o Rockets ainda quis insistir com Clint Capela, apenas para encontrar o mesmo fracasso dos minutos iniciais de jogo. Rapidinho desencanou e, incapaz de rodar a bola contra a forte defesa do Warriors, confiou em James Harden e Chris Paul para vencerem seus duelos individuais.

O escolhido como defensor-alvo foi Jordan Bell, que é um defensor surpreendente no perímetro e tem boa velocidade lateral, mas é mais lento do que os demais jogadores do Warriors. Mas assim que Harden infiltrou contra ele e usou sua técnica famosa de ENGANCHAR o adversário para cavar uma falta, o técnico Steve Kerr tirou Bell e deu uma aula para ele na lateral da quadra sobre como Harden consegue seus lances livres e como é preciso que o defensor cuide dos próprios braços. Se ele tivesse um tablet disponível, poderia ter passado esse vídeo do Bola Presa aqui:

A partir daí Steve Kerr foi com Kevon Looney, que tem sido o alvo habitual ao longo dessa série e, mesmo que não tenha a velocidade necessária, faz um trabalho digno e está pelo menos acostumado com Harden, cedendo menos faltas. Acontece que o Barba se aproveitou da presença dele não para cavar faltas, mas para arremessar: primeiro foi uma bola de três pontos em cima dele, depois uma em cima de Stephen Curry, depois deixou Looney completamente para trás numa infiltração e quando Draymond Green chegou na cobertura, Harden respondeu com a maior MARRETADA dessa pós-temporada:

Draymond Green MORREU, mas ressuscitaram, dizem.

Logo na sequência, Harden deixou mais uma vez Looney para trás, infiltrou e, ao invés da enterrada, achou Chris Paul livre na linha de três pontos. Foi a melhor sequência do time na partida, que o Warriors tentou parar fazendo faltas intencionais em Capela para forçá-lo à linha de lances livres.

Enquanto o Rockets fazia essa sequência, o Warriors não conseguia fazer absolutamente nada contra a defesa adversária. Clint Capela, alvo favorito de Stephen Curry e Klay Thompson no perímetro, fez um trabalho incrível de contestar os arremessos e, quando era inevitavelmente driblado, conseguia persegui-los em busca de um toco por trás ou apenas forçar um desvio de arremesso. Tudo que ele não gerou no ataque, ajudou na defesa. Chris Paul deixou de ser visado rapidamente por Durant por ser excelente, um dos melhores da NBA, nessa defesa corpo-no-corpo focada na bola, e até James Harden fez um trabalho fora da curva de marcar de maneira física e pressionada contra Curry e Durant.

O Warriors ficou tão desnorteado que James Harden roubou a bola de Kevin Durant duas vez para puxar contra-ataques seguidos, uma em defesa puramente individual e outra interceptando a linha de passe antes de Durant conseguir segurar inteiramente a bola:

 

Quando o segundo quarto terminou, o Warriors tinha acertado apenas 28% dos seus arremessos no período e desperdiçado 5 bolas. O Rockets, por sua vez, tinha acertado metade de seus arremessos, incluindo 5 bolas de três pontos – e, o mais engraçado, apenas James Harden, Chris Paul e Eric Gordon TENTARAM arremessos no período. Não é o basquete mais bonito do mundo e talvez não seja o confronto que você queira apresentar ao coleguinha para mostrar o que é o basquete moderno, mas é uma consequência bizarra do fato de que estamos vendo dois dos melhores times que existem – numa época em que, ao invés de se dar murro em ponta de faca, os times sempre farão o que há de mais estatisticamente inteligente para tirar alguma vantagem. E foi assim que aquele 12 a 0 nos minutos iniciais se transformaram no segundo quarto em um 34 a 18 para o Rockets e, ao fim do primeiro tempo, numa vantagem de 7 pontos para o time visitante.

Ter uma vantagem no primeiro tempo é fundamental por conta dos famosos TERCEIROS PERÍODOS do Warriors, fulminantes e assustadores. Na primeira metade do quarto, pareceu que nada ia acontecer, que a defesa do Rockets ainda estava no comando e que o Warriors estava fora de ritmo. Mas DE REPENTE a coisa saiu completamente do controle: Stephen Curry acertou uma bola de três pontos quase do meio da quadra, o ginásio quase teve que ser interditado e toda a dinâmica do jogo mudou. Curry seguiu sua bola absurda com outras duas bolas de três pontos em SEQUÊNCIA e mais uma bandeja:

Foi aí que o Warriors ACORDOU, deixou de ter medo de ter a bola roubada e voltou a arremessar com confiança. Os 11 pontos em 96 segundos de Curry foram imediatamente seguidos por uma bola de três pontos de Klay Thompson e um arremesso de dois pontos bem longo de Kevin Durant.

O 34 a 18 do segundo quarto para o Rockets foi esquecido rapidamente frente ao 34 a 17 que o Warriors impôs com basicamente meio terceiro período de basquete ESPETACULAR. Foi o bastante para o time da casa entrar no quarto período com 10 pontos de vantagem e Stephen Curry ter, naquele momento, 25 pontos marcados – 17 deles no terceiro quarto.

Aqui o favoritismo do Warriors subiu NO PICO DA NEBLINA: o time venceu TODOS os jogos dessa temporada em que Stephen Curry fez pelo menos 25 pontos.

E como se não bastasse, o time também venceu 39 dos 40 jogos em que começou o quarto período vencendo por 10 pontos. A única exceção era a esperança de uma série empatada: o Rockets entrou no último quarto perdendo por 13 pontos no primeiro jogo da temporada e venceu aquela partida mesmo assim.

 

Depois de perder o chão com a fúria do terceiro quarto, o Rockets voltou com sua defesa compenetrada, física e cada vez mais e mais pressionada. Kevin Durant voltou a errar arremessos desequilibrados (acertou apenas 9 dos 24 que tentou no jogo) e, assim como Stephen Curry, Klay Thompson e Draymond Green, parecia visivelmente cansado no ataque. Foi aí que o mundo se deu conta de que para fazer aquele terceiro período surreal, Steve Kerr foi obrigado a manter Curry, Klay Thompson, Green e Durant os doze minutos INTEIROS em quadra. E para não deixar o ataque do Rockets infiltrar sem parar no último período, Green também jogou todos os doze minutos da etapa final.

Sem Andre Iguodala, lesionado e questionável para o próximo jogo, a rotação do Warriors foi reduzida, Kevon Looney teve que passar mais tempo em quadra sendo um alvo e, com a liderança que o Rockets construiu, Steve Kerr achou que precisava dos seus titulares o máximo de tempo possível – mesmo que eles não estejam nem um pouco acostumados a ficar tanto tempo em quadra. A situação do Rockets não foi tão diferente: sem Luc Mbah a Moute, PJ Tucker sentou por menos de 2 minutos no segundo tempo, mesmo tendo errado TODOS os seus arremessos, só para manter o poder defensivo da equipe contra os titulares que o Warriors insistia em manter. Na verdade, sem poder colocar Nenê – explorável nas trocas de marcação no perímetro – e Ryan Anderson – o maior especialista em bolas de três pontos que NÃO ACERTA bolas de três pontos – o técnico Mike D’Antoni se viu obrigado a usar uma rotação de apenas 7 jogadores, e um deles – o MALUCO do Gerald Green – só jogou 11 minutos porque estava descontrolado nos arremessos toscos.

Acontece que mesmo com a rotação apertada, o Rockets estava defendendo com a mesma intensidade de sempre, pressionando a bola e roubando o espaço dos oponentes, inclusive tentando contestar mais arremessos e cometendo mais faltas, enquanto o Warriors colocou pra valer a língua pra fora. O time da casa começou a, ao invés de correr por uma série de corta-luzes ou driblar ruma a uma infiltração, forçar arremessos de três pontos aleatórios, sem movimentação, sem ângulo, completamente deslocados do que o Warriors costuma fazer. E Draymond Green, numa bola fácil que vai atormentá-lo para sempre, fez isso aqui:

Trevor Ariza e PJ Tucker foram MONSTRUOSOS nesse período final sempre com os braços na frente de uma bola que seria arremessada, tirando qualquer chance de arremessos equilibrados e tornando tudo uma BAGUNÇA. Ao fim do quarto, o Warriors tinha acertado menos de 17% dos seus arremessos, o pior quarto deles nesse quesito em TODA A TEMPORADA:

Não é como se o ataque do Rockets tivesse finalmente fluído no final do jogo, James Harden também estava morto, mas Chris Paul mesmo sem conseguir deixar nenhum marcador para trás (agora falam que ele está sentindo pra valer sua lesão no pé) conseguiu infiltrações aos trancos e barrancos, acertou bolas de meia distância e garantiu ao menos que o ataque não ia FEDER TANTO quanto o do Warriors fedeu.

Precisando de uma bola para empatar ou virar o jogo na última posse, o Warriors não conseguiu sequer um arremesso digno: a defesa foi tão apertada que Durant abriu mão do arremesso e Klay Thompson teve que forçar uma aberração de dois pontos, torta, girando, que não tinha a menor chance de entrar.

Mérito para Mike D’Antoni e sua comissão técnica, que foram encontrar defesas mais eficientes contra o Warriors e tiveram a coragem de manter o plano mesmo quando estava tudo dando errado; mérito para o time que não se desesperou depois de ser atropelado POR UM TREM duas vezes (uma no começo do jogo, outra no terceiro período); e mérito para os jogadores de defesa do Rockets, que foram uma prioridade do time para essa temporada e que muita gente esquece a importância que tiveram na campanha histórica do time até aqui. Foi estranho, não muito bonito e você não vai querer exibir para os amiguinhos, mas a defesa do Rockets segurou as pontas enquanto Harden e Chris Paul tiravam o time do buraco. Com a série empatada e o Rockets retomando o mando de quadra, agora é terra de ninguém – tudo pode acontecer.

 

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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