Resumo da Rodada 25/5 – Um minuto e meio

Quando a vantagem do Milwaukee Bucks no placar chegou a 15 pontos logo no comecinho do segundo período, o jogo pareceu decidido, mas o Toronto Raptors conseguiu uma reação, terminando o primeiro tempo apenas 7 pontos atrás. O problema é que perto do final do terceiro período, outra investida do Bucks levou mais uma vez a diferença para 15 pontos. Seria preciso então uma segunda reação heroica do Raptors, mas dessa vez às portas do último quarto, em frente a uma torcida estarrecida, com todo o histórico de decepções da equipe nas últimas temporadas pesando aos ombros, e a lembrança ainda fresca da difícil reação no segundo quarto que havia sido inutilizada em poucos minutos.

Era a receita perfeita para que o Toronto Raptors derretesse diante dos nossos olhos, reafirmando os medos e inseguranças de seus torcedores e de seus críticos mais ferozes. Estaria o time sempre condenado à morrer na praia? A desmoronar frente à adversidade? E então, numa sequência que durou míseros UM MINUTO E MEIO, o Raptors marcou 10 pontos consecutivos sem tomar nenhum e entrou no quarto final perdendo apenas por 5 pontos. Foi a segunda e definitiva reação do Raptors, aquela que alterou em absoluto o rumo da partida, desestruturou o último período do Bucks – o pior para a equipe na partida – e pavimentou o caminho para uma vitória incontestável.

É difícil imaginar uma narrativa tão boa para o Raptors, tão capaz de jogar na privada os preconceitos e as más memórias que esse time criou nos anos anteriores: ao invés de uma vitória dominante, que evitasse todos os buracos em que o time caiu em suas últimas campanhas, vimos todos esses buracos sendo enfrentados e metodicamente derrotados, um por um. O Raptors se classificou para as Finais da NBA em casa (se distanciando da imagem de que são piores diante da própria torcida), esteve por duas vezes perdendo por 15 pontos (contra a história de que não consegue reagir quando está atrás) e contou até mesmo com partida importante de Kyle Lowry (identificado com desaparecimentos em jogos importantes). Se o resto destes Playoffs não tiverem sido suficientes, esse Jogo 6 contra o Bucks permitiu que o Raptors derrotasse em definitivo todos os seus principais fantasmas.


Como foi a tônica do restante da série, a situação do Raptors se complicou logo no começo do jogo porque o Milwaukee Bucks estava acertando suas bolas de três pontos. Enquanto as bolas de três caíram, o Bucks sempre esteve no controle do jogo ao longo das 6 partidas até aqui; quando elas secaram, o Raptors sempre teve uma chance de recuperar a liderança. Só no primeiro quarto desse Jogo 6, o Bucks converteu 6 bolas de três pontos com quase 67% de aproveitamento – e a única chance do Raptors, que seria converter suas bolas no mesmo ritmo, não se concretizou. Para o time da casa foram 5 tentativas e apenas um acerto de longa distância, ou seja, 20% de aproveitamento. Dentre esses 4 erros no período inicial tivemos três bolas COMPLETAMENTE LIVRES de Danny Green, constantemente abandonado pela defesa adversária e incapaz de capitalizar em cima disso.

Nesse jogo pudemos ver o ápice da defesa de garrafão de ambas as equipes, com um trabalho espetacular dos dois lados para impedir infiltrações e ataques à cesta e, como resultado, muitas tentativas de infiltração – até mesmo em contra-ataques – acabaram virando passes estabanados, no meio do caminho, para o perímetro, numa tentativa de não perder a bola e não ter que forçar um arremesso altamente contestado. Isso gerou não apenas desperdícios de bola mas também muitas oportunidades de arremessos da linha de três pontos para os dois times, o que parecia uma má notícia em Toronto. Os erros constantes de Danny Green eram um indício de que os demais jogadores do Raptors preferiam colocar a bola em suas mãos ao invés de tentar seus próprios arremessos, Kawhi Leonard não manteve um bom aproveitamento do perímetro ao longo da série e Marc Gasol só arremessou em ultimíssimo caso. Enquanto isso o Bucks fez a festa e abriu os tais 15 pontos com tranquilidade. Com essa desvantagem já estabelecida, Danny Green parou de arremessar e começou a, mesmo livre, preferir acionar um Kawhi Leonard fortemente marcado no perímetro. Parecia o fim.

A resposta do Raptors – a primeira grande reação – veio das mãos de Fred VanVleet, que ao contrário dos companheiros entrou em quadra decidido a criar os próprios arremessos de três pontos. Cada corta-luz era uma oportunidade para que ele arremessasse, e foram 3 acertos em 4 tentativas só no segundo quarto. Desde que teve seu filho na segunda-feira, o armador do Raptors acertou OITENTA E DOIS POR CENTO dos seus arremessos de três!

Enquanto isso, as bolas que o Bucks acertou no primeiro quarto pararam de cair basicamente porque o Raptors continuou forçando essas bolas a serem arremessos difíceis. Mais uma vez vimos uma defesa impecável em Giannis Antetokounmpo, o que torna o ataque de meia quadra da equipe de Milwaukee um desastre completo. Para conseguir infiltrar e passar a bola para fora, Antetokounmpo precisou arriscar ter a bola interceptada e foi aos poucos parando de atacar a cesta, fazendo com que seu time se contentasse com arremessos de três pontos complicados no mano-a-mano – ou, claro, bolas de três pontos livres do próprio Antetokounmpo, que foi abandonado livre no perímetro durante todo o jogo. Quando o grego começou a arremessar essas bolas, mesmo que tenha acertado algumas, já era indício de que o Bucks precisava recorrer aos seus PIORES ARREMESSOS para tentar segurar a vantagem:

O Raptors, ao contrário do seu rival, continuou conseguindo alguns dos arremessos fáceis que teve nas últimas partidas graças aos eventuais lapsos defensivos do Bucks. Foi uma defesa muito mais bem feita do que vimos na série, com vários momentos em que o time “arrumou” trocas de marcação em tempo real, mas sempre que algum erro na troca deixava alguém livre no garrafão, o Raptors soube se aproveitar. Enterradas livres embaixo da cesta são, certamente, jogadas de melhor aproveitamento do que deixar Giannis arremessando de três pontos:

Apesar disso, foi mais uma vez a porcentagem das bolas de três pontos que contou a história do jogo: no segundo quarto o Bucks acertou apenas 3 arremessos de longe, com 33% de aproveitamento; com 4 acertos e 57% de aproveitamento, basicamente nas costas de VanVleet, o Raptors conseguiu encostar no placar.

Poderíamos ter a partir daí uma partida parelha ou, como vimos no Jogo 5, um Bucks continuamente mais desesperado com um aproveitamento de arremessos de fora em constante involução. Mas não; o Bucks voltou a acertar arremessos difíceis – alguns deles, arremessos realmente INDESEJADOS – para compensar a incapacidade de conseguir infiltrações e contra-ataques. Tivemos, de novo, Giannis Antetokounmpo acertando bolas longas, por exemplo:

E pra completar, Khris Middleton acertando uma bola de três contestada, no estouro, com giro de costas para a cesta, coisa de maluco:

As duas bolas acima – de Giannis e de Middleton – são bolas difíceis de se julgar. Por um lado, ter seu time acertando esse tipo de arremesso, bolas que estão fora do plano de jogo e que são de baixíssimo aproveitamento, parece “coisa de campeão”: são arremessos difíceis assim que levaram o Bucks a abrir 15 pontos de novo no terceiro quarto e poderiam ter destruído o psicológico do adversário. Na hora mais importante dos Playoffs, acertar bolas complicadas pode ser o diferencial de um time vencedor. Por outro lado, ter que DEPENDER desse tipo de arremesso para conseguir construir ou segurar uma vantagem deveria dar arrepios na coluna de qualquer técnico ou torcedor, porque não são arremessos fáceis de manter dentro da cesta por longos períodos – e jogos de basquete, como sabe todo mundo que tem que lutar contra o sono madrugadas adentro, são incrivelmente longos. Para efeitos de comparação, vale dar uma espiada no tipo de arremesso que o Raptors acertou para não deixar a diferença no placar disparar logo de cara durante essa sequência do Bucks:

Não é o arremesso mais desejável do planeta, especialmente porque Marc Gasol claramente NÃO QUER dar esse tipo de arremesso, mas ainda assim é um arremesso COMPLETAMENTE livre – já que Giannis abandona o pivô de propósito para fazer a defesa de cobertura em Kawhi – de um jogador que apesar dos pesares acertou incríveis 47% de suas bolas de três pontos pelo Raptors na temporada regular.

O tipo dos arremessos das duas equipes foram, portanto, muito diferentes, mas no fim o que importa é o aproveitamento: a um minuto e meio do fim do terceiro quarto, o Bucks tinha acertado o suficiente para conseguir sua segunda vantagem de 15 pontos e supostamente assistir ao Raptors derreter com a pressão no período final. Mas não foi exatamente o que vimos acontecer. O que tivemos foram duas bolas de três pontos de Kyle Lowry, Kawhi Leonard atacando a cesta e cavando faltas, e aí um ÉPICO rebote ofensivo de Kawhi no próprio erro de lance livre nos segundos finais que fizeram a torcida inteira – e a cidade inteira de Toronto – PEGAR FOGO, combustão espontânea mesmo. Para todos os efeitos, ao invés do discurso de “o time não aguenta a pressão”, era possível agora afirmar o extremamente chavão mas altamente simbólico “o time QUER MAIS do que o adversário”:

Um minuto e meio de basquete bem jogado, uma defesa impecável, bolas de três pontos, lances livres e um rebote ofensivo foram suficientes para transformar 24 anos de história da franquia: nem que fosse NO MUQUE, Kawhi Leonard não deixaria o Raptors morrer. Quando o terceiro quarto terminou, Kawhi tinha 9 rebotes no período – mesmo número que o Bucks inteiro – incluindo 2 rebotes de ataque, e a diferença no placar era de apenas 5 pontos. Acuado, contra uma torcida verdadeiramente PILHADA e um Kawhi Leonard parecendo imparável (especialmente no mano-a-mano contra Brook Lopez), o Bucks teria que acertar mais e mais arremessos difíceis no quarto e derradeiro período.

Não conseguiu. Os erros do Bucks foram se acumulando, as bolas de três pontos contestadas foram todas encontrando-se com o aro, e aí foi a vez do maior especialista do planeta em ARREMESSOS CHORADOS DO LADO DIREITO DA QUADRA fazer mais uma cesta histórica, uma que deu ao Raptors vantagem suficiente para o resto do elenco ser capaz de respirar:

A história do período novamente nas bolas de longe: enquanto o Raptors converteu 4 bolas de três pontos para fechar o jogo, incluindo mais uma aparição de VanVleet, outro arremesso totalmente livre de Marc Gasol e um arremesso impensado de Norman Powell (já que Danny Green nem pisou em quadra no quarto final), o Bucks não converteu NENHUMA bola de três pontos. Zero. Nada. Todas as suas 7 tentativas do perímetro foram em vão.

Com o placar a favor do Raptors, tudo ficou mais leve para o time da casa, a ponto de uma tentativa frustrada de contra-ataque de Kyle Lowry se tornar uma enterrada histórica de Kawhi Leonard em cima de Giannis Antetokounmpo, uma jogada que as pessoas não vão esquecer tão cedo:

Giannis até se vingou, com um toco impecável em Kawhi, mas não foi o bastante para mudar o rumo da partida:

Talvez as duas jogadas acima nos ajudem a traçar um panorama sobre a atuação das duas principais estrelas dessa série. Giannis foi fundamental na defesa, sua cobertura é uma das melhores – se não for a melhor – de toda a NBA, e seu impacto defensivo foi enorme, como podemos ver nesse toco acima. No entanto, sua atuação na defesa foi prejudicada pela dificuldade de Brook Lopez de não ser explorado no jogo mano-a-mano, pela decisão técnica de trocar de defensores para evitar arremessos do adversário, e pelo fato de que sua cobertura no garrafão significou quase sempre deixar Pascal Siakam ou Marc Gasol livres na linha de três pontos, o que prejudicou o time muitas vezes. No ataque, Giannis foi muito mais esquecível – sofreu com a defesa de Kawhi Leonard, sofreu com as dobras no garrafão, e principalmente a partir do Jogo 4 só conseguia ser produtivo no ataque em situações muito pontuais. Sem suas bolas fáceis, o Bucks se tornou um ataque de meia quadra estagnado, dependendo de bolas difíceis – quando elas não caíram, lá estava Kawhi e o Raptors para assumir a liderança.

Kawhi, por sua vez, apareceu dos dois lados: foi responsável por diminuir o impacto de Giannis no ataque e ao mesmo tempo, ainda que errando muitas bolas do perímetro, foi fundamental para o ataque do Raptors continuar funcionando. Criou espaços, acertou bolas de meia distância, cavou faltas, jogou no mano-a-mano e, principalmente, encontrou cestas razoavelmente fáceis – ou então rebotes de ataque, faltas, contra-ataques – nos momentos emocionalmente mais duros para o Raptors. Sem ele em quadra, aquele um minuto e meio que mudou a dinâmica do jogo poderia ter sido muito diferente – bastaria alguém abaixar a cabeça, já pensando num eventual Jogo 7, e talvez o Bucks tivesse entrado no quarto período com uma vantagem no placar grande demais para ser combatida. Quando o Raptors precisava de uma vantagem – no placar, mas também EMOCIONAL – lá estava ele para encontrar alguma coisa, incluindo a enterrada em cima de Giannis que vimos acima. Quando ele fez isso, o cenário psicológico do time e da torcida mudaram em definitivo – não na série, mas na HISTÓRIA. Os longos silêncios que a torcida de Toronto costumava fazer ao tomar pressão nos jogos em casa se tornaram uma coisa muito distante, de um passado a ser esquecido: agora, nos momentos de dificuldade, a torcida vibra na esperança de jogadas como essas de Kawhi. Tudo agora parece diferente.

O homem que “não se importa”, que mal se comunica, que supostamente não queria jogar em Toronto, transformou toda uma narrativa amaldiçoada em uma de sucesso nunca antes imaginado. Ao invés de uma derrota metafísica, uma força maligna que “persegue” o time ou um psicológico patologicamente quebrado, agora temos uma história bonita de como um time que insiste, persevera e eventualmente ARRISCA TUDO com uma troca ousada cria as condições para vencer e surpreender. Como campeões da Conferência Leste, agora poderão dar o próximo passo e enfrentar o desafio máximo: que narrativa seria melhor do que consagrar essa guinada histórica contra, justamente, um dos melhores times de toda a história da NBA?

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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