Resumo da Rodada 29/4 – A “caneta” de Kyle Lowry e o duelo de ataques em Denver

O Toronto Raptors pode até ter peitado a maldição e vencido o Jogo 1, mas como o Jogo 2 ainda era em casa, a maldição estava louca para dar pelo menos uma passadinha. Dessa vez o Raptors não esteve no controle da partida nem por um minutinho sequer – tirando os momentos inicias do jogo, o Sixers esteve o tempo todo à frente do placar, chegou a abrir 19 pontos de diferença já no segundo período e a torcida só foi entrar no jogo mesmo nos minutos finais, quando o Raptors deixou o torcedor sonhar.

O mais bizarro é que esse predomínio do Sixers aconteceu mesmo com o Raptors conseguindo colocar em prática seus principais objetivos defensivos. Joel Embiid foi deixado livre para arremessar de três pontos de frente para a cesta e, ao bater para o garrafão, foi recebido com marcação dupla e algumas vezes tripla, com um terceiro jogador chegando na cobertura; não conseguiu jogar, desperdiçou a bola 6 vezes, marcou só 12 pontos e 8 deles foram na linha de lances livres. Ben Simmons recebeu marcação especial toda vez que partia em transição, sofrendo marcação dupla em qualquer contra-ataque e acabou o jogo com míseros 6 pontos. JJ Redick foi perseguido o jogo inteirinho, teve pouquíssimo espaço para arremessar, acertou apenas 25% de suas bolas de três pontos e somou apenas 11 pontos. A dificuldade em converter arremessos foi tão grande que James Ennis teve que ganhar muitos minutos em quadra, o que não é exatamente boa notícia para o Sixers. Ou seja, aquela defesa que sufocou o Orlando Magic na série anterior apareceu firme e forte, tirando as principais armas do adversário.

O problema é que isso passou longe de ser suficiente. O melhor exemplo disso foi no quarto período, com o Sixers vencendo por apenas 4 pontos a 2 minutos do final: vejam no vídeo abaixo como a defesa em Embiid é perfeita, o jogador é totalmente sufocado próximo ao aro, e aí inventa um passe NADA A VER para Jimmy Butler converter a bola de três pontos levemente contestada porque Kyle Lowry tinha que marcar ao mesmo tempo Butler e Tobias Harris, que estava na zona morta:

Jimmy Butler teve uma de suas partidas mais agressivas pelo Sixers, com jogadas desenhadas para ele, muitas oportunidades de pontuar no mano-a-mano e seus companheiros recorrendo a ele para salvar o ataque. O jogador soube se aproveitar, também, das vezes em que a defesa de transição do Raptors focou em Ben Simmons e acabou errando as rotações ou deixando marcadores mais frágeis em cima de Jimmy Butker. Ao todo foram 30 pontos para ele no jogo, com 4 bolas de três pontos.

A defesa do Raptors também não foi o bastante para conter Greg Monroe que, ao contrário de Embiid, só recebeu bolas no pick-and-roll, em movimento, e se ofereceu como uma fota de fuga quando os armadores da equipe estavam sendo pressionados no perímetro. Foram apenas 10 pontos para o pivô, mas todos essenciais para o Sixers não parecer inteiramente disfuncional no ataque. Boban Marjanovic até tentou cumprir também essa função, mas nas duas posses de bola em que jogou viu Marc Gasol acertar uma bola de três pontos na sua cara e depois chegou atrasado numa defesa de contra-ataque que resultou em dois lances livres também para Marc Gasol – foi o bastante para jogar um minutinho e nunca mais voltar.

Jimmy Butler e Greg Monroe só foram suficientes para manter o Sixers no controle da partida porque do outro lado a situação era ainda pior. A defesa em cima do Raptors foi incrível e dessa vez desafiou os jogadores secundários da equipe de Toronto a decidirem o jogo. Logo no começo do jogo Pascal Siakam mostrou o que ele é capaz de fazer contra marcação individual de Joel Embiid, o auto-proclamado “melhor defensor do mundo”:

A partir dessa posse de bola, Siakam nunca mais teve marcação individual. Recebeu dobras constantes e só teve espaço quando estava do lado oposto da bola, podendo arremessar desde que recebesse um passe difícil e finalizasse rápido, antes da defesa chegar. O plano defensivo do Sixers incluiu deixar Marc Gasol e Danny Green continuamente livres no perímetro, com Siakam eventualmente livre na zona morta, tudo para dobrar a defesa no lado da bola. Mas ao contrário das defesas tradicionais, o Sixers não usou isso como desculpa para ceder arremessos livres: apostando na capacidade atlética do elenco, colocou gente para correr pequenas maratonas e contestar essas bolas, mesmo que chegando atrasado. Isso criou um senso de urgência nos arremessadores secundários, nada foi finalizado inteiramente livre, e o ataque do Raptors implodiu. Danny Green e Marc Gasol somaram 7 arremessos errados em 7 tentativas só no primeiro tempo, antes de Green acertar uma bola de três pontos num contra-ataque na última posse de bola da partida – que acabou sendo sua única bola convertida em TODA A PARTIDA. Ao todo Green acertou 1 de 8 arremessos, Marc Gasol 1 de 6 arremessos e Serge Ibaka  1 de 5. Apenas Kawhi, Siakam e Kyle Lowry acertaram mais do que uma bola no jogo.

Mesmo em jogadas próximas à cesta, o Sixers forçou o adversário a acertar arremessos curtos – nunca bandejas – por cima de defensores em movimento. Não foram os arremessos mais difíceis do mundo e o Raptors teve muitas oportunidades de converter bolas que está acostumado a fazer, mas nunca ter uma bola verdadeiramente livre foi deixando o time inteiro em pânico. Kawhi Leonard e seus 35 pontos foram responsáveis por tirar o Raptors do buraco com arremessos forçados em cima de seus defensores, quase sempre sob uma defesa muito competente de Ben Simmons, mas toda vez em que acertava uma bola difícil parecia que Jimmy Butler acertava outra duas vezes mais absurda só pra se exibir. Como último recurso ofensivo, vimos até Danny Green tentar jogar de costas para a cesta contra JJ Redick, o pior e mais fraco defensor do Sixers, mas foi sem sucesso: Green não está acostumado e não soube encontrar seus companheiros quando a marcação dobrou.

Com 5 minutos faltando para o final de jogo e a diferença em 13 pontos, Kawhi Leonard teve que forçar um arremesso estúpido porque ninguém mais conseguia (ou queria) participar do ataque e parecia ali que o jogo estava acabado. Foi nesse momento que Kawhi, o cara que sempre se esquece da MALDIÇÃO, tentou uma virada na base do puro muque: conseguiu um rebote ofensivo, transformou em cesta e falta e colocou a torcida no jogo. Pascal Siakam passou a pressionar na defesa, finalmente acertou uma bola de três pontos do lado oposto da jogada e pareceu finalmente acordado. Kyle Lowry, que passou tempo demais apático no jogo, aproveitou a chance e converteu duas bolas de três pontos consecutivas. De repente, contrariando a lógica do jogo, o Raptors perdia por apenas 3 pontos de diferença a 1 minuto e meio do fim. E pra finalizar a sequência, conseguiu um roubo de bola e, DOIS REBOTES OFENSIVOS SEGUIDOS depois, Siakam finalmente derrubou a diferença para 1 mísero ponto.

Toda a dinâmica do jogo havia mudado, o ataque do Sixers parecia imprestável e a torcida do Raptors se tornou insuportável. Na posse de bola seguinte, Embiid recebeu mais uma vez a bola na linha de três pontos e a equipe de Toronto respirou aliviada: o pivô foi incapaz de encontrar espaço numa infiltração durante o jogo todo, o que poderia mudar agora? E aí isso aconteceu:

Joel Embiid tirou a marcação dupla com uma finta e finalizou antes que Kawhi, o terceiro marcador, chegasse a tempo de contestá-lo. Precisando então de uma bola de três pontos para empatar o jogo na posse de bola final, dava pra escutar daqui do Brasil os joelhinhos do Raptors batendo um no outro de tanto pavor.

A jogada final saiu das mãos de Kyle Lowry que, batendo pra cima de Tobias Harris, pareceu do nada tentar PASSAR A BOLA EMBAIXO DAS PERNAS DO RIVAL, aquilo que a gente chama por aqui de “caneta” ou “rolinho”. Deu super errado, a bola desviou nas pernas de Harris, Lowry teve que se jogar no chão pra recuperar a bola, conseguiu um passe razoável pra Kawhi Leonard, e aí a estrela do Raptors abriu mão de um arremesso contestado para deixar Danny Green completamente livre na linha de três. Green até poderia ter aberto mão desse arremesso em nome de outro companheiro totalmente livre na zona morta, Pascal Siakam, porque a defesa do Sixers QUEBROU inteira na bagunça da “caneta”. Mas não, Green resolveu que o último arremesso seria dele, errou seu quinto arremesso de três pontos no jogo e a maldição venceu.

Mesmo que a jogada final tenha gerado um arremesso completamente livre, ela foi UM DESASTRE. A única explicação possível é que Kyle Lowry perdeu o controle da bola, que foi por acaso parar entre as pernas de Tobias Harris. O problema é que não há qualquer motivo para Lowry ter perdido controle da bola, ela não desvia em nada, não toca em seu joelho, há espaço entre ele e o defensor e um segundo antes o armador do Raptors parece ter TOTAL DOMÍNIO da bola. Depois da investigação abaixo, Rob Perez levanta a teoria de que Lowry decidiu passar a bola por baixo das pernas do adversário e mudou de ideia no meio, quando já era tarde demais e acabou não fazendo nem uma coisa nem outra:

Foi um jogo de defesas fortíssimas, péssima pontaria, jogadores salvando suas equipes no mano-a-mano em arremessos contestados, em que o Raptors teve chances de vencer com arremessos totalmente livres. Mas no fim o que falou mais alto foi a CANETA ESPÍRITA de Lowry e a incapacidade do elenco de apoio do Raptors de acertar bolas decisivas. Mais um jogo dentro de casa vai pelo ralo e Kawhi vai ter que decidir ainda mais nas próximas partidas para manter o time na série.


O que o primeiro jogo teve de defesa, a partida entre Denver Nuggets e Portland Trail Blazers teve de ataque. Os dois times conseguiram implementar seus planos ofensivos sem muitas dificuldades, ainda que o Blazers tenha tido que realizar algumas alterações logo no comecinho. Assim que Damian Lillard tentou passar no meio de dois defensores, por exemplo, coisa que ele fez À EXAUSTÃO contra o Thunder, teve a bola roubada e ficou evidente que o Nuggets entrou pronto para contestar esse tipo de infiltração. Na posse de bola seguinte, então, Lillard recebeu a mesma marcação dupla e com um passe simples colocou Enes Kanter livre embaixo da cesta. Pode não ser a jogada espetacular que o armador queria, mas estava dentro do plano de jogo e o Nuggets não teve nenhuma resposta para parar essa movimentação. Colocar um defensor extra embaixo do aro não é suficiente porque Kanter é um gênio perto do aro contra marcação individual: foram 11 acertos em 14 arremessos, num total de 26 pontos para o pivô. Ele foi o principal responsável para o ataque do Blazers parecer macio e sempre existir alguma possibilidade de passe mesmo quando o Nuggets fazia uma forte marcação no perímetro.

Mas do outro lado o ataque do Nuggets também funcionou como planejado. Paul Millsap jogou desde o primeiro minuto de costas para a cesta, dentro do garrafão, só para provar que o Blazers não tem nenhum ala com o perfil necessário para pará-lo. Com o espaço que isso gerou, Jamal Murray teve carta branca para arremessar do perímetro, acertando duas bolas de três pontos logo no primeiro quarto e colocando eles muito próximo da vitória: em jogos que Murray acertou pelo menos 3 arremessos de longe, o Nuggets venceu 22 partidas e perdeu apenas 4 nessa temporada. Ou seja, faltava apenas mais um arremesso do perímetro, que Jamal Murray acertou no terceiro período.

Além deles, Nikola Jokic teve uma partida incrível. Enes Kanter é incapaz de defender Jokic no garrafão e ainda oferece espaço demais para o pivô do Nuggets passar a bola e encontrar seus companheiros livres; por outro lado, Jokic não consegue parar Kanter, um dos jogadores mais habilidosos embaixo da cesta. O resultado foi que os dois times começaram a usar dois pivôs SIMULTÂNEOS, em pleno século XXI, um para usar no ataque e outro para defender o pivô adversário. Assim tivemos Jokic e Mason Plumlee juntos para enfrentar Kanter e Zach Collins.

Os pivôs são tão importantes para tirar a marcação dupla de cima de Lillard que mesmo quando Kanter teve que sentar (e ele está com um ombro lesionado, que ele piorou ao se agarrar no aro DE OTÁRIO depois de uma enterrada), Collins se viu obrigado a cumprir a mesma função ofensiva mesmo não sendo a praia dele:

 

Essa era a série para Jusuf Nurkic se destacar, brilhar no ataque, ter Kanter como reserva, e ainda mostrar que consegue marcar Jokic do outro lado, mas não, a lesão tinha que tirá-lo dessa série…

O que deixa esse confronto entre Nuggets e Blazers mais interessante é que enquanto os pivôs estão num duelo pessoal, imparáveis perto da cesta e precisando de jogadores de garrafão específicos para marcá-los, todos eles continuam frágeis e exploráveis no perímetro, como Damian Lillard fez questão de mostrar:

 

Da mesma maneira, Enes Kanter foi explorado ao máximo graças às suas limitações defensivas. Com isso tivemos um primeiro quarto BIZARRO, em que o Nuggets acertou 65% de seus arremessos enquanto o Blazers acertou 63%.

As porcentagens não mostram, entretanto, que as defesas foram bem realizadas: os ataques é que foram superiores e as limitações defensivas de cada equipe mais exploradas. Aliás, foi a defesa do Nuggets quem resumiu as opções ofensivas do adversário ao longo do jogo a Lillard e Kanter, impedindo que os demais jogadores participassem ou tivessem boas condições de arremesso. Apesar do Nuggets estar visivelmente CANSADO – a série contra o Spurs cobrou um preço caro – a simples existência de Jokic foi suficiente para o time ter mais opções de ataque e mais jogadores se movimentando sem parar, sendo recompensados com passes certeiros. Dá pra ver no vídeo abaixo como Jokic participa de um pick-and-roll, fazendo o corta-luz e em seguida recebendo a bola, mas ao invés de finalizar – como faria QUALQUER jogador com bom senso – ele encontra um passe para Gary Harris cortando pelas costas dos defensores.

A presença de Jokic sem um jogador realmente capaz de marcá-lo cria oportunidades demais de arremesso, enquanto o Blazers teve que se contentar com Lillard encontrando tudo na unha e, fora Kanter, sem encontrar rotas de fuga para as pressões que recebeu. Não é à toa que Lillard acabou recebendo apenas o OITAVO toco da temporada num arremesso de três pontos depois de arremessar 709 bolas do perímetro (!): ficou tão sobrecarregado, com a defesa tão focada nele, que seus 39 pontos não impediram a defesa do Nuggets de saber o que esperar.

Foi uma partida fenomenal de Damian Lillard, que manteve o Blazers vivo na partida mesmo nos piores momentos, mas o ataque do Nuggets pareceu pela primeira vez nesses Playoffs verdadeiramente profundo, com várias opções ofensivas, jogadas imprevisíveis e espaços a serem utilizados. Mais do que um elogio ao Nuggets, acredito que esse seja um elogio ao San Antonio Spurs, que fez esse ataque parecer mais limitado e previsível do que nunca. Se o Blazers quiser ter chances reais, vai ter que copiar algumas coisas que deram certo em San Antonio; caso contrário, num duelo de ataques puros, o Nuggets parece levar vantagem.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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