Após um longo e tenebroso período sem nenhuma bola laranja quicando pra valer, enfim teve início a Olimpíada do Rio de Janeiro, com uma baciada de jogadores da NBA competindo pelo ouro olímpico no basquete. Durante o fim de semana tivemos a primeira rodada da competição, com partidas do Grupo A no sábado e do Grupo B no domingo. Vamos então dar uma passada rápida por cada partida para ver o que de melhor aconteceu nesse início de torneio e também o que podemos esperar de cada seleção tendo em vista o que mostraram nos seus jogos de abertura.
Vamos logo tirar esse band-aid e pular para o jogo do Brasil. Estando no suposto “grupo da morte” com Lituânia, Argentina, Espanha e Croácia (e Nigéria, né, coitados), qualquer derrota besta pode ser suficiente para uma classificação em quarto lugar no grupo e, consequentemente, o confronto contra os Estados Unidos – e a inevitável eliminação – na próxima fase. Por isso a seleção brasileira de basquete precisava jogar com senso de urgência, apesar do baque da estreia, e não cavar um fosso para si mesma logo de cara. Levando em consideração os nossos amistosos contra a Lituânia nas últimas semanas, a partida deveria ser disputada, com leve vantagem para os brasileiros. Mas o que aconteceu no primeiro tempo foi simplesmente UM DESASTRE: perdemos o primeiro quarto por 10 pontos e o segundo quarto por DEZENOVE, num total de singelos 29 pontos de diferença. O que raios aconteceu?
Pra começar, o Brasil insistiu com sua tradicional defesa individual, agressiva e pressionada – a mesma que incomodou pra valer a Lituânia nos amistosos anteriores. Mas dessa vez o adversário estava preparado: usou e abusou dos corta-luzes, na bola e fora dela, para forçar a defesa brasileira a perder alguns segundos lutando contra o impacto para continuar com a marcação. Enquanto os brasileiros tentavam enfrentar o corta-luz na marra, na força física, a Lituânia usava o espaço ganho para atacar a cesta com agressividade e dar passes curtos no garrafão, gerando cestas fáceis embaixo da cesta. Enquanto isso, a Lituânia adotou na defesa a estratégia OPOSTA à brasileira: colocou a marcação para trocar em todo corta-luz, se aproveitando de seu time alto para sempre manter um corpo na frente dos nossos jogadores. Essas duas escolhas simples colocaram o Brasil fora da sua zona de conforto e explicitaram a dificuldade monstruosa que essa equipe tem em se adaptar e improvisar. Com a Lituânia trocando em todo corta-luz, o Brasil errou umas duas jogadas de pick and roll e simplesmente DESISTIU de tentar outras, passou a tocar para o lado, girando a bola de um lado para o outro, até que alguém simplesmente interrompesse a jogada no meio – fosse por desespero, individualismo ou cronômetro de 24 segundos se exaurindo – e forçasse um arremesso ou infiltração absurdas. O jogo de costas para a cesta, tradicionalmente difícil de executar no basquete internacional, não deu nada certo contra o garrafão lituano de Jonas Valanciunas, de modo que nossos pivôs apenas ficavam girando em círculos com a bola nas mãos (a famosa tática do PIÃO) até que tivessem que catapultar a bola para cima em desespero.
MOMENTO FIBA: por que o jogo de costas para a cesta é mais complicado no basquete internacional do que na NBA?
Além de motivos culturais e históricos (com a defesa por zona permitida há mais tempo do que a NBA, os times possuem mais tendência de dobrar a marcação e amontoar defensivamente no garrafão), o principal é a DISTÂNCIA DA LINHA DE 3 PONTOS. Com a linha do perímetro mais próxima da cesta no basquete internacional, fica mais difícil espaçar a quadra. Um jogador que esteja marcando um possível arremesso de três pontos está um passo mais próximo de um jogador de garrafão do que na NBA – e nesse nível, com caras desse tamanho, um passo faz toda a diferença. Assim, o pivô recebe com muita frequência ajuda na hora de marcar os jogadores de garrafão adversários, sem com isso comprometer a defesa de perímetro, que pode se recuperar com mais facilidade já que corre uma distância menor.
No ataque, acabamos dependendo no primeiro tempo das infiltrações eventuais de Huertas e alguns lances livres quando a defesa da Lituânia chegava atrasada. Fora isso, foi até risível: Marquinhos resolveu “chamar o jogo”, mas ele é alto, grande e leeeeeento, de modo que quando pegava a bola no perímetro e batia para a cesta havia tempo para a defesa inteira se amontoar ao seu redor e contestar seu arremesso. Sem um pick and roll capaz de acionar os pivôs em situação de arremesso, Nenê ficou abandonado num combate inócuo com Valanciunas e Hettsheimeir foi parar na linha de três pontos, fazendo sabe-se lá o quê.
Na defesa, o Brasil poderia ao menos ter dado à Lituânia o mesmo trabalho para pontuar que estávamos enfrentando – afinal, não é da defesa que a seleção tanto se orgulha e que, supostamente, nos colocaria no mesmo nível de todos os outros rivais da competição? O problema é que ao escolher a defesa individual – e contar com jogadores com muita, muita dificuldade de ler o jogo de maneira inteligente – acabamos deixando de povoar o garrafão defensivo e de dobrar nos pivôs adversários. Chegou a ser cômico um momento em que Valanciunas tentava girar em cima de Nenê enquanto o Marquinhos estava ali, uns 20 centímetros de distância, OLHANDO o lituano jogar. A indignação do Nenê após essa jogada foi um ponto de virada – não para o time, mas para o Nenê. Tomando uma surra no pick and roll, nosso Hilário resolveu que iria trocar a marcação e cobrir os armadores lituanos em cada corta-luz. Resultado? Os pivôs da Lituânia corriam livres para o garrafão enquanto Marquinhos e seus amigos assistiam confusos. A única diversão do primeiro tempo foi ver a expressão facial do Nenê, a mesma daquele seu único amigo sóbrio no meio da galera em coma alcoólico.
Conforme o placar foi abrindo e a situação começou a ficar constrangedora, o time foi se desesperando mais: Hettsheimeir começou a perder o seu homem na defesa, Giovannoni puxou contra-ataque sozinho, ignorando o Huertas DO LADO DELE, e todas as tentativas quebradas de pick and roll passaram a virar refugadas, com o armador desistindo de tudo, recomeçando a jogada e muitas vezes perdendo a bola no processo, gerando contra-ataques bobos.
O que mudou no segundo tempo? O Brasil voltou trocando a marcação no corta-luz e marcando por zona, o que por si só já devolveu a Lituânia ao seu status convencional: o de uma equipe comum. O Brasil errou MUITAS trocas de marcação, alguns jogadores não têm a menor ideia do que é uma defesa de cobertura, mas o simples fato de que estava TENTANDO já prejudicou o jogo de garrafão da Lituânia e forçou o adversário a arremessar de fora, onde o aproveitamento é naturalmente pior. No ataque, o Brasil até acertou algumas jogadas no pick and roll, que deveria ser a maior força da seleção, mas foi mais por insistência do que por qualidade. Não achamos uma saída para a defesa adversária, não encontramos uma bola de segurança e praticamente todos nossos arremessos no perímetro foram contestados – o que resultou num aproveitamento de 14% nas bolas de três pontos. Mas o que acabou resolvendo o problema brasileiro foi Raulzinho e Leandrinho – a dupla dos inhos – entrarem em modo de fúria e jogarem hero ball, forçando jogadas individuais para tentar salvar tudo. Com a defesa mais preocupada com as infiltrações da dupla, o Brasil começou a mandar um segundo jogador de garrafão para baixo da cesta, tanto para o rebote ofensivo quanto para abrir uma nova possibilidade de passe, que Raulzinho soube acionar esporadicamente. Com a Lituânia não tendo mais bolas fáceis e Leandrinho metendo 21 pontos em jogadas individuais, o jogo equilibrou, a torcida apoiou e o placar apertou. Mais agressivo, o Brasil pelo menos deu chances de Nenê buscar rebotes de ataque e forçou a Lituânia a cometer faltas, fazendo da linha de lances livres nossa principal arma no quarto período. Mas a reação foi tardia demais – e teve que sair de um buraco fundo demais – para conseguir de fato trazer a vitória. A diferença caiu para 6 pontos nos minutos finais, mas o fato de que erramos 13 lances livres e fomos medonhos nas bolas de três pontos durante toda a partida acabou decidindo o resultado.
É claro que o primeiro tempo abominável foi uma aberração, fora do que devemos esperar da seleção no restante da competição, mas ele deu indícios terríveis das deficiências do Brasil: é claro que nós temos jogadas de ataque desenhadas, mas não sabemos improvisar quando a defesa troca no corta-luz, não sabemos explorar os jogadores maiores marcados por defensores menores, e não criamos nenhum arremesso livre de três pontos. Essa falta de capacidade de improviso faz com que toda jogada que não funciona a princípio vire uma troca de passes aleatórios até que alguém quebre a movimentação com um arremesso louco ou uma jogada individual. É difícil – se é que aconteceu alguma vez – ver uma jogada do Brasil ir do começo ao fim como planejada, sem alguém fazer uma loucura no meio como reação à resposta defensiva. Pelo menos a defesa parece ter se ajustado no segundo tempo e se começar os próximos jogos assim, pelo menos não teremos um buraco gigantesco do qual teremos que nos recuperar quando as bolas passarem a cair.
Os Estados Unidos também tiveram um problema de espaçamento na partida contra a China na primeira rodada. O garrafão fica sempre mais congestionado, é mais difícil infiltrar e o jogo de costas para a cesta americano não funcionou muito bem. No começo do primeiro quarto os Estados Unidos não encontraram uma maneira simples de pontuar, e foi só o DOMÍNIO DEFENSIVO que eles tiveram que impediu o placar de pender para o lado dos chineses. Mas aí os americanos perceberam que só precisavam de algumas bolas de três pontos caindo para o placar abrir sem chance de retorno. Kevin Durant e Kyrie Irving, sozinhos, já foram mais do que a China poderia lidar, numa clara demonstração da dominância da “Escola Carmelo Anthony” de basquete internacional.
MOMENTO FIBA: o que é essa “Escola Carmelo Anthony” de basquete internacional que você acabou de inventar aí?
Alguns jogadores na NBA são especialistas no tipo de arremesso MENOS EFICIENTE do basquete moderno: a bola longa de dois pontos. As estatísticas (e o bom senso) dizem que é melhor dar um ou dois passos para trás e arremessar uma bola de três pontos ou dar um ou dois passos para a frente e arremessar no garrafão ao invés de tentar uma bola de dois pontos longa. Carmelo Anthony, especialista nesse arremesso, foi obrigado nos últimos anos a arremessar cada vez mais de três pontos, onde não tem o mesmo aproveitamento de sua bola longa de dois. A mesma coisa pode ser dita sobre Irving e Durant. Mas sabe o que fica exatamente na mesma distância que esses arremessos de dois pontos que os três jogadores adoram? A linha de três pontos da FIBA. Isso permite que seus arremessos favoritos rendam três pontos e não dois, e explica em parte o sucesso sem igual de Carmelo no basquete internacional.
Durant acertou 5 das 8 bolas de três pontos que tentou; Irving acertou 4 das 5 tentativas. Com isso criou-se um espaço minimamente razoável para infiltrações, que somados aos contra-ataques renderam uma vantagem de 57 pontos. Os Estados Unidos mantém a postura de correr para o ataque enquanto o arremesso do adversário já está no ar, de tanto que confiam nos rebotes defensivos de seus jogadores de garrafão. Isso faz com que todo rebote seja um contra-ataque em potencial, porque um ou dois jogadores já estão livres embaixo da outra cesta, é cruel. Chegou um momento em que o domínio dos rebotes defensivos dos Estados Unidos era tal que a China passou a jogar SEM PIVÔS por motivos de NÃO ADIANTA, NÉ.
Mas Estados Unidos à parte, acho que chegou a hora de falarmos de Yi Jianlian. Única coisa que lembra um jogador de basquete nessa seleção (o chinês que o Rockets draftou, Zhou Qi, é tão cru que chega a ser surpreendente ver quando ele consegue segurar a bola nas mãos), ainda não me conformo que Jianlian não deu certo na NBA. Para quem acompanha o Bola Presa desde o começo, cheguei a cravar que Yi Jianlian seria uma estrela (não vou linkar aqui pra vocês não darem risada), mas o jogador nunca conseguiu conquistar seu lugar. Ainda não entendo o motivo: ele é grande, rápido, extremamente técnico, com uma mecânica impecável. Talvez o motivo seja simplesmente que, apesar da técnica e da mecânica, suas bolas nunca caíram com a consistência necessária para ele virar uma arma ofensiva. Mas seus 25 pontos contra os Estados Unidos mesmo cercado por uma das piores seleções de basquete que eu já vi mostram que ele poderia ter sido muito mais na NBA.
Nos outros jogos da primeira rodada, tivemos duas zebras consideráveis. Na primeira, a seleção da França – uma das favoritas para levar medalhas – perdeu para a Austrália num jogo bem fácil, dominado do começo ao fim pelos australianos. O que impressionou na Austrália foi seu uso de pivôs, em geral com dois jogadores de garrafão ao mesmo tempo. Se tem algum time com corpo para brigar debaixo da cesta com a seleção dos Estados Unidos é essa equipe da Austrália com Andrew Bogut, atual pivô do Mavs, e Aaron Baynes, pivô do Pistons. Baynes dominou nos rebotes de ataque, manteve sempre a bola viva no garrafão e abriu o caminho para a cesta constantemente, gerando infiltrações e enterradas de jogadores de perímetro porque a defesa estava preocupada em empurrá-lo para longe do aro. Enquanto isso, Bogut deu arremessos rápidos e simples para pontuar antes da defesa se amontoar nele, recebendo passes por cima ou vindo pela linha de fundo para a ponte-aérea. Acertou 9 dos 10 arremessos que tentou e desequilibrou o jogo no ataque. Já a França não encontrou uma jogada de ataque, insistindo em infiltrar contra o forte garrafão da Austrália e dependendo de bolas forçadas de três pontos que nunca caíram e jogadas individuais de Tony Parker e Gelabale. Foram os dois que mesmo com a França sendo massacrada no garrafão e sofrendo com a defesa impecável da Austrália mantiveram o placar próximo no primeiro tempo. Mas no segundo a porteira abriu quando as bolas de três pontos da França deixaram de cair de vez, com Parker cansado tentando muitas bolas de fora em vão.
A outra zebra foi a Espanha, favoritíssima e que perdeu sua estreia para a Croácia. A história do jogo foi simples: quando Pau Gasol foi acionado, especialmente no primeiro quarto, dominou o jogo e provou que com técnica é possível pontuar embaixo da cesta no basquete internacional, usando seu arremesso de três pontos quando lhe faltava espaço. Mas no segundo tempo a Croácia resolveu que o Gasol não jogaria: os pivôs croatas passaram a marcar Gasol pela frente, forçando os passes para ele a serem dados por cima da defesa, especialmente difícil num basquete que já é mais “estreito” e amontoado do que estamos acostumados. Quando, com muito esforço, a bola chegava enfim nas mãos de Gasol, os croatas dobravam a marcação imediatamente, forçando Gasol a passar a bola e levando a Croácia a rodar a defesa em direção ao garrafão. Tirando Mirotic, do Bulls, que soube usar esse espaço criado pela marcação dupla em Gasol para acertar bolas de três pontos, a Espanha não soube jogar sem seu pivô e acabou forçando jogadas individuais que viraram desperdícios de bola e contra-ataques para a Croácia, que jogou devagar e sempre – e forçou muitos, muitos, muitos arremessos absurdos de longa distância que acabaram caindo especialmente no último quarto, quando assumiram a liderança no placar. Na última posse de bola (depois que a Espanha já havia desperdiçado bolas simples no desespero de acelerar o jogo para empatar a partida), Gasol recebeu uma cobrança de linha de fundo dentro do garrafão para um ganchinho simples que empataria o jogo – mas aí veio o pivô Dario Saric, que deve estar com o Sixers na próxima temporada, e deu um toco SURREAL em Gasol com a bola no ar para selar a vitória.
Foi o grande momento da primeira rodada e serviu para embolar totalmente o grupo do Brasil, que terá agora uma Espanha querendo vencer a todo custo para evitar uma eliminação cedo demais.
Para fechar a rodada, dois jogos sem muitos eventos: a Sérvia passou fácil pela Venezuela, com uma atuação fantástica de Bogdan Bogdanovic (de quem o Kings tem os direitos na NBA), e a Argentina dominou por completo a Nigéria, o saco de pancadas do nosso grupo, no que foi basicamente um treino para os argentinos.
Próxima rodada
A segunda rodada terá jogos na segunda-feira e na terceira-feira:
Segunda-feira, 08/08:
Sérvia x Austrália (14h15)
Estados Unidos x Venezuela (19h)
França x China (22h30)
Terça-feira, 09/08:
Brasil x Espanha (14h15)
Lituânia x Nigéria (19h)
Argentina x Croácia (22h30)