Resumo da Rodada – Finais da NBA: Jogo 6

Jogando em casa pela última vez no ginásio atual e dependendo de uma vitória para forçar um decisivo Jogo 7, o Golden State Warriors precisava mostrar desde o primeiro segundo que seria capaz de superar todas as lesões e limitações no momento mais importante da temporada. Mas assim que o jogo começou, Kyle Lowry fez 8 pontos consecutivos antes do Warriors lembrar como é que fazia para colocar a bola dentro da cesta. Até o final do primeiro quarto foram 15 pontos para o armador, incluindo 4 bolas de três pontos das mais variadas modalidades: teve arremesso depois de se movimentar sem a bola, arremesso depois de corta-luz simples e até arremesso em transição no mano-a-mano, todas bolas incrivelmente agressivas que Lowry não costuma tentar logo de cara. O aviso foi dado logo na largada: o elenco de apoio do Toronto Raptors estava pronto para ser campeão. O Warriors não teria que lidar apenas com suas próprias limitações físicas, mas também com um elenco profundo e SEDENTO do outro lado da quadra.

Além de Lowry, ficou evidente que o elenco inteiro queria assumir as rédeas da partida quando Pascal Siakam, que tem sido deixado relativamente livre na zona morta dado seu baixo aproveitamento nos arremessos da região, tentou e converteu uma bola de três dali na primeira oportunidade. Depois, mais uma vez livre no perímetro, converteu uma segunda bola de três pontos sem pensar duas vezes – foram 2 acertos no primeiro quarto depois de ter errado DOZE bolas de três consecutivas nos últimos 4 jogos dessas Finais. Acrescente à conta das bolas de três mais um arremesso convertido de Fred VanVleet, em toda a GLÓRIA DA PATERNIDADE, e o Raptors somou 7 bolas acertadas do perímetro só no primeiro quarto. Se o plano do Warriors era focar a atenção defensiva em Kawhi Leonard e nas infiltrações do garrafão – incluindo o pick-and-roll com Marc Gasol ou Serge Ibaka – então a resposta do Raptors foi mostrar que o resto do elenco pode arremessar de fora e punir esse espaço oferecido. Kawhi só fez 4 pontinhos no quarto inicial, incluindo o arremesso em transição abaixo, depois de um toco em Stephen Curry – ou seja, o Raptors não colocou a bola com frequência em suas mãos e nem chamou jogadas específicas para que ele comandasse o ataque.

Se o Warriors se manteve vivo no primeiro período – acabando o quarto apenas um ponto atrás no placar – foi porque Klay Thompson, desde o hino nacional, já parecia completamente PIRADO e decidido a deixar a quadra vencedor. Klay arremessou em transição, se movimentou sem a bola e jogou no mano-a-mano todas as vezes em que foi marcado por Kyle Lowry, muito mais baixo do que ele. O Raptors se recusou a dobrar a marcação, limitando-se a tentar antecipar suas movimentações sem a bola para tomar os espaços de arremesso antes mesmo de Klay Thompson chegar, mas isso abriu espaço no garrafão para Kevon Looney e, depois, DeMarcus Cousins. A mesma coisa também aconteceu nas movimentações de Stephen Curry sem a bola, que criaram todo o espaço que Looney usa para a cesta abaixo, por exemplo:

Aliás, o Warriors admitiu bem rápido que os pivôs – especialmente  DeMarcus Cousins – teriam que ser essenciais para uma possível vitória da equipe. Cousins recebeu passes constantes desde o primeiro momento em que pisou na quadra, tendo que usar sua força física para garantir espaço para a recepção. Para apostar em Cousins no ataque mas não deixá-lo exposto na defesa, o plano foi poupá-lo das funções que ele não conseguiu desempenhar nessa série, ou seja, as funções características de Draymond Green: dobras de marcação, trocas, cavar faltas de ataque, ocupar o caminho para a cesta antes das infiltrações, etc. Para garantir que Cousins não precisasse nunca cumprir esse serviço, vimos até mesmo a ABERRAÇÃO que foi ele estar ao lado de Kevin Looney ao mesmo tempo, com Looney cumprindo as funções de Draymond Green. Foi assim que em pleno Jogo 6 das Finais da NBA, em DOIS MIL E DEZENOVE tivemos dois pivôs “tradicionais” em quadra juntos, em uma formação (Cousins com Looney) que só havia somado NOVE MINUTOS de jogo em toda a temporada regular.

O experimento até que deu certo: Looney se saiu muito bem com as novas responsabilidades, incluindo cumprir o papel de Draymond Green no ataque, driblando e passando a bola, enquanto Cousins ficou muito mais confortável na defesa. O problema dessa formação foi que o Warriors perdeu poder de arremesso de longa distância, permitindo uma defesa do Raptors ainda mais focada em Curry e Klay e nada interessada em marcar os pivôs longe do aro. Aos poucos, o Warriors foi aceitando arremessos cada vez “piores”, do ponto de vista estatístico: bolas contestadas ou de jogadores de baixo aproveitamento. Separei abaixo algumas jogadas que ilustram bem isso. A primeira é essa jogada incrível de Stephen Curry, dando um passe absurdo para Andre Iguodala na zona morta OPOSTA:

Vejam que Curry está sendo marcado por Ibaka, mas Kyle Lowry logo aparece para a dobra, Pascal Siakam surge na cobertura para impedir uma possível infiltração pelo centro da quadra e ainda tem Kawhi Leonard tomando a frente de Draymond Green para proteger o aro. É uma defesa SURREAL, Klay Thompson nem participa da jogada sofrendo marcação individual de quadra inteira de Danny Green, e o que sobra para o Warriors é um passe dificílimo de Curry, um corta-luz primoroso de Draymond Green e um arremesso de Andre Iguodala, que não é um grande finalizador no perímetro.

A jogada abaixo é ainda mais difícil para Iguodala, já que Kyle Lowry para piorar consegue se recuperar de uma dobra em Cousins para contestar seu arremesso, que o ala só força porque Stephen Curry também não consegue se livrar da marcação de Danny Green:

São bolas que Andre Iguodala converteu – ele acertou 3 das suas 6 tentativas do perímetro no jogo – mas que não são bolas fáceis e nem aquelas que o Warriors realmente gostaria de estar arremessando. Mesmo Curry e Klay Thompson se viram forçados a infiltrar constantemente, tentando cavar faltas, para punir as antecipações do Raptors nas bolas de três pontos.

Do outro lado, a situação do Raptors era levemente mais confortável. Apesar de não manter o aproveitamento do primeiro quarto e encontrar menos espaço para jogar, principalmente porque o Warriors abandonou as dobras de marcação constantes em Kawhi Leonard, apostando na marcação de Iguodala e em ajudas apenas para as infiltrações, o Raptors conseguia deslanchar com mais facilidade porque encontrava bolas fáceis eventuais. Foram contra-ataques em desperdícios de bola do Warriors (que tinha que dar passes difíceis para encontrar espaço para os arremessos ou tentar acionar seus pivôs embaixo da cesta), rebotes de ataque e, claro, punições às falhas defensivas do elenco mais secundário do Warriors. Quando o técnico Steve Kerr resolveu descansar todos os seus pivôs no segundo quarto – já que Cousins não podia ficar sem Looney em quadra – e enfim colocou em quadra seu lendário “small ball”, o basquete mais baixo que arrasou a NBA nos últimos anos, a ideia era ter arremessadores por todos os lados e desafogar o ataque. O único problema é que Alfonzo McKinnie é INCAPAZ de parar qualquer adversária na defesa, de modo que Pascal Siakam e Serge Ibaka tiveram os minutos mais fáceis das suas carreiras. Primeiro Siakam enfrentou McKinnie no contra-ataque e OBLITEROU ele da existência com uma trombada:

Depois ele colocou McKinnie para dançar e, quando chegou a ajuda de Draymond Green, acionou Serge Ibaka para a cesta mamata:

Esse foi o grande problema do Warriors no primeiro tempo: encontrar uma rotação funcional. Steve Kerr pareceu mais decidido sobre quais pivôs usar e em que ordem, mas não conseguiu um “small ball” confiável que não fosse destruído por Ibaka e nem uma formação mais alta que não comprometesse o ataque. Ainda assim, foi para os vestiários no intervalo perdendo por apenas 3 pontos, sobrevivendo à avalanche de Kyle Lowry e salvos pelos 8 lances livres de Klay Thompson no segundo quarto.

Para o segundo tempo, se o Warriors quisesse ter chances de vencer precisaria de um dos seus famosos “Terceiros Quartos da Morte” – aquele mesmo que Kawhi Leonard resolveu que também sabe fazer. E foi justamente o que vimos no período: de um lado, com Kawhi Leonard desafiando a defesa e tentando dar alguma folga para o Raptors no placar, tentando infiltrar antes dos marcadores do Warriors se posicionarem:

E, do outro lado, foi a hora de Stephen Curry e principalmente Klay Thompson saírem de controle. Curry passou a arremessar logo após o corta-luz alto, antes que a defesa desse um passo para a frente:

Klay Thompson, por sua vez, virou uma máquina de arremessar bolas de transição, incluindo esse arremesso NADA A VER que só caiu porque Klay já estava em outra realidade:

Kawhi Leonard e Pascal Siakam tentaram segurar o jogo NA UNHA, mas os arremessos já eram mais contestados do que no primeiro tempo, tendo que brigar mais com a defesa, enquanto o Warriors somava do outro lado 6 bolas de três pontos no período (duas de Klay, duas de Curry e MAIS DUAS para Iguodala). E foi aí que, com o Warriors três pontos à frente do placar, Klay Thompson tentou uma enterrada no contra-ataque, sofreu uma falta super comum e, por pura fatalidade, caiu errado com a perna direita e torceu o joelho imediatamente:

No instante em que Klay começou a se ARRASTAR pela quadra já dava pra saber que o negócio era bem, bem sério. O máximo que conseguiu foi cobrar os dois lances livres e aí desaparecer pelo túnel dos vestiários em definitivo. Faltando 2 minutos para o fim do terceiro quarto, Klay Thompson somava TRINTA PONTOS e, não sabíamos ainda, um ligamento rompido que o tirará das quadras pela próxima temporada. Sua sequência de arremessos improváveis, sua postura de quem queria decidir o jogo – tudo terminou ali. No outro canto da quadra, tentando afastar-se ao máximo daquela realidade inegociável, Curry simplesmente sentou-se e aguardou. Estava tudo acabado para Klay Thompson, mas não para o Warriors – não ainda.

Sem Klay, a defesa do Raptors voltou ao seu plano de marcar Curry individualmente o tempo inteiro, mantendo uma defesa por zona no garrafão para todos os demais jogadores do Warriors. Ou seja, o desafio era que qualquer outra jogador não chamado Stephen Curry tivesse a AUDÁCIA de sequer tentar um arremesso longo num momento tão crucial da temporada. Nessa situação adversa, coube ao Warriors apostar na sua própria defesa, com a esperança de que isso gerasse contra-ataques e pontos fáceis. O quarto período nos deu, provavelmente, alguns dos melhores minutos defensivos do Warriors nessa série, incluindo FINALMENTE uma defesa de pick-and-roll que foi capaz de interceptar a bola antes dela chegar em Marc Gasol:

Kawhi até tentou responder no ataque, mas a marcação sobre ele foi impecável. Por alguns minutos no período final, o ataque do Raptors pareceu DESFUNCIONAL, incapaz de construir jogadas e de dar os arremessos de alto aproveitamento com que se acostumou ao longo da série. A diferença minúscula de 3 pontos do Warriors no placar pareceu, durante essa seca, totalmente intransponível. E foi aí que Fred VanVleet acertou uma bola de três pontos contestada, para empatar, e depois outra – punindo o Warriors que, preocupado em parar o pick-and-roll, errou a troca de marcação:

Foi o suficiente para o Raptors colocar a cabeça no lugar, se acostumar com a defesa pressionada do Warriors e começar a puni-la. Kyle Lowry voltou para o jogo, deu passes precisos para se aproveitar da ânsia por roubos de bola do adversário e o Raptors retomou o controle da partida. Kawhi Leonard não acertou um único arremesso nessa etapa – não precisou. Durante o período final, Fred VanVleet somou 12 pontos – incluindo 3 bolas de três pontos – enquanto nenhum outro jogador das duas equipes superou a marca dos 5 pontos. Lowry segurou o primeiro quarto, VanVleet segurou o último, enquanto Kawhi só conseguiu ser realmente agressivo no terceiro período e Ibaka puniu o “small ball” adversário no segundo. Foi um esforço coletivo, um elenco profundo e completo, e a disciplina para continuar fazendo o plano funcionar mesmo quando tudo parecia que o Raptors estava prestes a DERRETER.

Ao Warriors faltou o elenco, a profundidade e, com uma defesa desesperada no quarto período, até mesmo a disciplina. Ao longo do jogo, mas também de toda a série, o Warriors não foi capaz de ditar nada – não impôs seu “small ball”, pelo contrário, foi forçado a abandoná-lo; não forçou substituições do oponente, mas teve que experimentar formações pouco utilizadas, bizarras; não forçou ajustes táticos desagradáveis, enquanto teve que se contentar com os arremessos mais indesejáveis que já teve que dar nos últimos anos. O que sobrou para o Warriors, atrás no placar por 5 pontos a 3 minutos do fim, foi continuar lutando, correndo às cegas rumo a um milagre.

Draymond Green começou a arremessar as bolas de três pontos que o Raptors lhe deu a série inteira, num autêntico TUDO OU NADA; pouco antes, Iguodala já estava dando arremessos longos de dois pontos com marcação na sua cara. Ao acertarem, ambos deram ao Warriors ao menos a chance de sonhar: perdendo por 1 ponto a 18 segundos do fim, com a bola nas mãos do Raptors, bastaria um roubo para ter a possibilidade de um arremesso final. E foi assim que, ao invés da falta imediata para colocar Danny Green na linha de lances livres e parar o cronômetro, Draymond Green optou por uma marcação agressiva – mas sob controle – e forçou Danny a um passe torto, apressado, que nunca chegou ao seu alvo. A 9 segundos do fim, o Warriors gastou seu último pedido de tempo para desenhar a jogada final – aquela que poderia lhes entregar uma vitória suada, improvável, impensável, um dedo em riste contra a chuva cruel de adversidades. Um verdadeiro milagre.

A jogada, um passe de Andre Iguodala de uma lateral para a outra para alcançar Draymond Green, que fez um corta-luz PARA ELE MESMO, não foi perfeita; ainda assim, com a bola quase saindo da quadra, rendeu aquilo que se esperava: um passe para Stephen Curry livre. Calhou que após a total ausência de estrelas, dadas as constantes lesões, e a defesa insuportável que o Raptors impôs a Curry no último período, sobrasse para o armador justamente sua bola mais identitária: um arremesso de três pontos sem marcação.

Não bastou a ausência de Durant e Klay Thompson, a lesão ignorada de Iguodala, a contusão de Cousins na pós-temporada, a fratura de Kevon Looney; quis o BINGO DO HORROR que a derrota também se apoiasse num erro decisivo de Stephen Curry na linha de três. Para nos lembrar que são todos humanos, e que numa noite de bolas difíceis e improváveis, são as mais fáceis e previsíveis que, de modo traiçoeiro, podem nos trair.

Que ninguém se engane: contra um adversário combalido, o Raptors poderia ter se desesperado ao ver que perdia o jogo MESMO ASSIM ali no meio do quarto período. A derrota, naquele ponto, não era demérito do Raptors, nem de Kawhi, nem de quem quer que seja; era apenas a constatação de que o Warriors, como os atuais campeões, haviam feito o impossível. Mas a equipe de Toronto, que poderia ter desacreditado de si mesma, soube manter a compostura, reassumir o controle e, nas mãos do “jogador de banco pouco conhecido” – uma figura tradicional das Finais da NBA, dessa vez encarnada sob o corpo de VanVleet – criar uma vantagem no placar que lhes rendeu a vitória.

O Warriors perde nos lembrando que todo time da NBA é humano. Isso significa, claro, que todo time pode perder, errar, se atrapalhar, sofrer, se lesionar. Mas significa também que todo time pode continuar sonhando quando tudo o mais falhou – afinal, não há nada mais humano do que a persistência, do que Klay Thompson se arrastando para cobrar lances livres, do que Stephen Curry se colocando em posição para um arremesso final – e SORRINDO para Steve Kerr ao ver que a bola sonhada veio, apenas não entrou. E, quem diria, tivemos como campeões não um time “Destruidor de Gigantes”, mas sim uma equipe igualmente humana, em que VanVleet precisou fazer a diferença, em que a grande estrela – Kawhi Leonard – não acertou um arremesso sequer no quarto final, em que todos os jogadores precisaram da ajuda uns dos outros, e, mais importante, em que todos souberam sonhar em vencer um time supostamente imbatível. O Raptors, de maneira humanamente frágil e estabanada, ousou sonhar em bater de frente com um dos melhores times de todos os tempos, ainda que isso significasse uma troca impopular, uma aposta arriscada e a possível destruição da equipe que conhecemos nos últimos anos. Por sorte, encontraram nas Finais um time também frágil e estabanado, lutando contra sua própria mortalidade atrás de muletas, ressonâncias e cirurgias. Todos os times, um dia, perdem – e é sempre para uma equipe que se atreveu a, em seus delírios humanos, simplesmente sonhar demais. O Toronto Raptors não choca a NBA, apenas nos lembra do óbvio: que os times campeões forçam as outras equipes a sonharem mais alto, e eventualmente sucumbem frente aos adversários que ajudaram a criar. O ciclo nunca para, a NBA continua. Hoje é hora do Toronto Raptors celebrar, enquanto o Warriors continuará sonhando.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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