A série entre Boston Celtics e Cleveland Cavaliers resolveu em definitivo nos surpreender. Depois de dois jogos completamente esquecíveis em que o Cavs parecia um rolo compressor, tivemos um Jogo 3 em que apesar de estar perdendo por 21 pontos no meio do terceiro período fora de casa sem sua principal estrela, o Celtics arrancou uma vitória da orelha (e das bolas de três pontos do Marcus Smart). Na noite de ontem, Jogo 4, outra surpresa: ainda em Cleveland, Cavs perdendo por 16 pontos, LeBron James errando ENTERRADA LIVRE, Kyrie Irving torcendo feio o tornozelo, e eis que quando parece que a série vai empatar e se tornar a coisa mais incompreensível desde a carreira do Kléber Bambam, o Cavs vence a partida por 13 pontos de diferença. Ao menos foi uma mudança de tom: a vitória do Cavs foi a coisa SURPREENDENTE dessa vez.
De fato, um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, então Marcus Smart acertou apenas 1 das 5 bolas de três pontos que tentou no jogo, com Avery Bradley acertando apenas 1 de 7. Foi o fim da máquina celta de arremessos do perímetro que tanto incomodou o Cavs no Jogo 3. Mas o Celtics, ainda sem Isaiah Thomas, inventou uma outra maneira de incomodar o adversário, com Al Horford assumindo a maior parte da armação e os demais jogadores de garrafão cortando do perímetro para a cesta sem a bola constantemente, forçando a marcação a tomar decisões rápidas e abrindo espaço para Bradley continuar cortando para receber passes embaixo da cesta e para Jae Crowder arremessar na linha de três pontos. Crowder converteu 4 arremessos do perímetro e Olynyk e Bradley forçaram LeBron a se movimentar muito mais na defesa, na cobertura em todas essas infiltrações que invariavelmente se tornavam erros defensivos de JR Smith e Kyrie Irving. Quanto mais o Celtics movimenta os seus jogadores ao invés de movimentar a bola, mais erros a defesa do Cavs comete. Ainda que o Cavs seja razoavelmente eficiente em bloquear as linhas de passe, perseguir os adversários por uma série de corta-luzes ou por infiltrações sem bola rumo ao garrafão exige uma série de ajustes que a equipe de Cleveland ainda não é capaz de fazer a contento em tempo-real. Em parte por conta desses ajustes, em parte porque foi bem marcado por Jaylen Brown e por Jae Crowder, LeBron não teve novamente um bom jogo e a frustração começou a se acumular, vindo à tona como um vulcão em erupção quando o jogador cometeu, pela PRIMEIRA VEZ EM SUA CARREIRA, sua quarta falta pessoal durante um primeiro tempo. Some a isso os 3 turnovers que cometeu nessa primeira metade, parte dos 9 da equipe até então, e dá para entender como o Celtics conseguiu entrar no terceiro período com uma vantagem de 10 pontos no placar.
No terceiro período, dois momentos medonhos: Kevin Love deu mais um de seus passes fabulosos de quadra inteira para LeBron James, sozinho, errar uma das enterradas mais inexplicáveis de sua carreira. Além disso, Kyrie Irving pisou completamente sem querer no pé de um defensor durante uma bandeja (ACALME-SE, Ó TRIBUNAL DA INTERNET) e torceu o pé feio, passando longos momentos gritando de dor estirado na quadra.
Embora a narrativa tente nos convencer de que o Cavs estava em frangalhos, a verdade é que venceram o terceiro período por DEZESSETE PONTOS, assumindo ao final do quarto a liderança do jogo de maneira definitiva. Como isso foi possível?
A resposta simples é que antes e depois de torcer o tornozelo – já que voltou a jogar como se nada houvesse acontecido – Kyrie Irving colocou o jogo no bolso. Sufocado defensivamente, o Celtics acertou apenas 7 arremessos em todo o terceiro período, enquanto Irving SOZINHO acertou NOVE, incluindo duas bolas de três pontos. Foram 21 pontos de Irving contra 23 do Celtics INTEIRO nesse quarto, a maioria em infiltrações e jogadas individuais que o Celtics não fazia a menor ideia de como parar:
Uncle Drew took over in the 3Q with 21 points! #NBAPlayoffs pic.twitter.com/BPP1wEzha1
— NBA on TNT (@NBAonTNT) May 24, 2017
Vejam que na maior parte das vezes, Irving está sendo marcado por Olynyk ou Tyler Zeller, graças à troca da marcação em algum corta-luz, e o armador do Cavs atacou sem pensar duas vezes, costurando a defesa e desviando da cobertura e dos próprios pivôs em perseguição EM PLENO AR. Algumas dessas bandejas são as jogadas mais sensacionais de todos os Playoffs até aqui. Mas depois de ter entrado num ritmo, nem sob forte defesa de Avery Bradley, um dos melhores defensores de sua posição, Irving foi parado. Infiltrou em cima do armador, desviou do toco, tomou o contato e sofreu a falta. Mesmo após torcer o tornozelo continuou igualmente agressivo e ainda fechou o período, só pra GINÁSIO IMPLODIR, com uma bola de três pontos quase no estouro do cronômetro a praticamente dois passos para trás da linha de três pontos:
Uncle Drew's favorite spot to cap off a dominant 3Q. #NBAPlayoffs pic.twitter.com/ijeZYqTDbL
— NBA on TNT (@NBAonTNT) May 24, 2017
Depois desse quarto absurdo, foi a vez de LeBron, limitado pelas faltas e errando todas as bolas de três pontos tentadas até então, assumir o quarto período. Sem ter cometido nenhuma falta no segundo tempo, teve mais liberdade para atacar a cesta, ser agressivo, jogar de costas no garrafão e até acertar sua primeira bola de três da partida. Fez 15 dos seus 34 pontos nesse período decisivo e garantiu que o Celtics ficasse sempre confortavelmente atrás do placar após o susto da metade inicial. Irving, por sua vez, terminou a partida com 42 pontos, seu recorde em Playoffs, enquanto ninguém no Celtics passou dos 19.
Pode não ter sido uma partida suficiente para apagar as dificuldades de LeBron no Jogo 3, mas certamente nos lembrou que apesar de tudo, mesmo quando estão sendo vencidos taticamente ou quando os arremessos não estão caindo, ainda possuem um dos mais poderosos elencos ofensivos de toda a NBA. Ver Kyrie Irving passear como faca quente na manteiga foi uma experiência espetacular, que o Cavs pode se dar ao luxo – ou por burrice, nunca saberemos – de não usar o tempo inteiro em todas as partidas. O Celtics, ao contrário, precisa usar o talento de todos os envolvidos, em seu máximo, o tempo inteiro. Uma partida em que os arremessos de Marcus Smart voltaram à mediocridade que a estatística dedava e pronto, faltou poder de fogo mesmo com a superioridade das movimentações e os erros defensivos do Cavs. Mais uma vez, Kyrie Irving e LeBron James compensaram as limitações que o time demonstra em outras áreas. Mas até quando isso será suficiente? E se no Jogo 5 tivermos o Celtics mais uma vez, por sorte ou competência, acertando todas as bolas que tão habilmente consegue criar?