O Raptors é certamente o time mais desacreditado a alcançar uma Final de Conferência, com as discussões a respeito da série contra o Cavs se atendo às possibilidades da equipe de Toronto ser varrida de uma vez ou conseguir ganhar um joguinho eventual. Pois bem: eis aqui o joguinho eventual. O Raptors conseguiu sua primeira vitória nas Finais do Leste, em casa, deixou cada vez mais para trás a história de que não consegue jogar bem sob a pressão dos próprios torcedores, e pra completar ainda teve boas atuações de Kyle Lowry e talvez o melhor jogo de DeMar DeRozan na pós-temporada. Talvez seja o suficiente para admitir que fomos duros demais com a equipe e que, se mantiverem esse nível, podem realmente ameaçar o Cavs na série?
A resposta é: não ainda. De fato, o Raptors teve uma partida muito acima da média que presenciamos nesses Playoffs até agora, jogou com agressividade, tranquilidade e com decisões táticas inteligentes. DeRozan parecia inteiramente confortável com a defesa exclusiva que recebeu do Cavs e soube tomar todas as decisões corretas quando pressionado, e o time como um todo teve finalmente o bom senso de escolher uma parte do jogo adversário para defender, ao invés de não conseguir incomodar em aspecto nenhum. Nos primeiros dois jogos da série, o Raptors não conseguiu defender nem o perímetro nem as infiltrações, e dessa vez entrou determinado a proteger o garrafão, o que foi uma escolha sábia. Mas ainda assim, temos que admitir que tudo deu TERRIVELMENTE ERRADO para o Cavs, arremessos simples não caíram, jogadores desafiados a arremessar não converteram bolas livres, as escolhas defensivas usuais do Cavs não deram o resultado de sempre e a equipe ficou ridiculamente confusa na marcação. Foi uma daquelas noites em que vimos a pior versão do Cavs – e essa versão entrou no último período perdendo por apenas 10 pontos, com cara de que bastaria um par de bolas voltarem à normalidade para o Raptors ver sua vitória indo pelo ralo.
Há algo de mérito do Raptors em causar a pior versão do Cavs nesses Playoffs, mas há muito que pode ser creditado a um dia ruim. É como dizem, alguns dias são da caça, outros do caçador. A quantidade de bolas de três pontos que o Cavs errou SEM NENHUM MARCADOR POR PERTO é obscena, daquele nível em que é melhor tirar as crianças da sala. No terceiro quarto, sobrevivendo a uma noite MEDONHA tanto para Kyrie Irving quanto pra Kevin Love, o Cavs conseguiu causar uma sequência de erros do Raptors, gerou pontos no contra-ataque e na metade do período diminuiu a vantagem do adversário para apenas 5 pontos. A partir dali, teve uma infinidade de arremessos livres para empatar e virar o jogo, mas Irving e Love erraram absolutamente tudo. Não era o dia deles. Depois de tantas oportunidades desperdiçadas, o quarto terminou com a diferença em 10 pontos – ainda alcançável, mas um balde de água fria no esforço do Cavs para colocar o Raptors numa situação desconfortável entrando na etapa final.
Tantos erros do Cavs não teriam sido suficientes, entretanto, se o Raptors não tivesse conseguido pontuar do outro lado. O principal responsável por manter o ataque da equipe funcionando foi DeMar DeRozan, que abriu mão de todos os arremessos de três pontos que lhe deram – menos de um, que ele hesitou, hesitou, não apareceu ninguém mesmo assim, ele não percebeu que ERA UMA CILADA, BINO, e aí ele acabou arremessando todo torto e errou – e só manteve as infiltrações quando recebeu marcação individual, tentando cavar faltas. DeRozan assumiu o arremesso de meia distância toda vez que recebeu marcação dupla ou ajuda defensiva na cobertura, e o resultado foi espetacular.
Vejam como o Tristan Thompson DESENCANA do Biyombo para impedir o caminho para a cesta do DeRozan, que arremessa com confiança como se esse fosse o arremesso que ele QUERIA dar desde o começo:
Foram 21 pontos para o DeMar DeRozan só no primeiro tempo, o que deu espaço para que Kyle Lowry pudesse arremessar do perímetro não em jogadas quebradas, mas nos momentos certos, com mais espaço graças à marcação de cobertura que o DeRozan passou a exigir mais e mais. No segundo tempo, o Cavs chutou o balde e parou de ter dois jogadores para cobrir DeRozan para passar a ter dois jogadores PULANDO EM SEU CANGOTE, abrindo mão por completo do garrafão para tentar bloquear seu arremesso de média distância. No terceiro período, isso atrapalhou muito o ritmo do Raptors, que desperdiçou muitas bolas. Mas no quarto período, DeRozan achou a solução ideal: acionar o ignorado Bismack Biyombo no garrafão.
Biyombo já estava se destacando no jogo, mas por outro motivo: a proteção ao garrafão. Ele se tornou a face identificável da prioridade que o Raptors deu à defesa do aro, desafiando o Cavs a arremessar. Pegou 10 rebotes SÓ NO PRIMEIRO QUARTO, e foi sua defesa de transição que impediu o Cavs de pontuar na correria, quando Kyrie Irving tentava pegar a defesa do Raptors despreparada. Esse toco na transição do Irving mostrou perfeitamente sua relevância para essa estratégia defensiva:
Sua ação nos rebotes, com a proteção do garrafão garantida pelos seus companheiros, foi impressionante. Ao todo foram 26 rebotes para Biyombo, recorde da franquia em Playoffs, o que impediu que o Cavs dominasse os rebotes de ataque e pudesse compensar a péssima mira inflando o número de tentativas. Mas no quarto período, com Kevin Love no banco porque não acertava NADA e Channing Frye em quadra tendo que cuidar da dobra de marcação em DeRozan, Bismack começou a receber passes para finalizar. Até a etapa final, Biyombo tinha a fantástica marca benwallaceana de 20 rebotes e apenas UM PONTO, motivo mais do que suficiente para o Cavs continuar ignorando o pivô para tentar barrar os arremessos de DeRozan.
Essa jogada abaixo chega a ser engraçada. DeMar DeRozan está jogando agressivamente, usa um corta-luz do Biyombo e vai se meter lá no meio do garrafão, sem infiltrar, para um arremesso de meia distância. Enquanto isso, Biyombo foi tão ignorado que caminha todo confuso para o garrafão, onde recebe o passe.
Não foi sequer um pick-and-roll, uma jogada planejada, nada. Simplesmente aconteceu. Mas como o Cavs manteve a escolha, a situação continuou acontecendo. Biyombo até chegou a ser mais contestado, mas foi pegando confiança. Na jogada abaixo, ele sofre mais marcação numa jogada bem parecida, com Kyle Lowry sendo deixado livre para o Cavs tentar atrapalhar mais o garrafão, mas não dá tempo. O foco em DeRozan tornou Biyombo uma ameaça ofensiva (nunca achei que viveria para dizer isso), ele terminou com 7 pontos e acabou sendo o responsável por criar uma vantagem que o Cavs não conseguiu correr atrás.
O Raptors fez tudo direito: tomou apenas 20 pontos no garrafão, com atuação fantástica de Biyombo, depois de tomar 106 somados nos dois primeiros jogos; converteu 12 bolas de três pontos, arremessando com agressividade para punir a defesa pressionada do Cavs; viu DeRozan marcar 32 pontos com arremessos inteligentes e acionar Biyombo para pontuar nos momentos essenciais. Mas no final das contas, o Cavs – aquele time que quebrou o recorde de bolas de três pontos num jogo durante esses Playoffs quando o Hawks resolveu fechar o garrafão – só perdeu porque errou arremessos fáceis. Kevin Love acertou apenas uma bola em 9 tentativas, Kyrie Irving acertou 3 em 19. Indiferente dos méritos do Raptors, e de quão bem eles joguem as próximas partidas, é difícil imaginar que o Cavs tenha uma partida tão ruim de novo – não condiz com a história que vimos até aqui nessa pós-temporada. Aplausos onde são devidos, mas é preciso manter o pé no chão: o maior problema do Cavs é ele mesmo.
RODADA DO DIA
Golden State Warriors @ OKC Thunder (21h, SporTV)