Jogos 7 são oportunidades raras de ver dois times esgotarem seus ajustes táticos possíveis, explorarem todas as fraquezas visíveis do adversário e tentar, na nudez da super-exposição causada por 7 jogos sob o microscópio, definirem quem verdadeiramente são. Não é à toa, portanto, que a partida de ontem mostrou por alguns momentos a melhor versão de ambos os times, com Wizards impondo seu ritmo ofensivo e o Celtics rodando a bola com precisão, e em outros momentos mostrou a pior versão possível das equipes, com o Wizards exausto e incapaz de acertar um arremesso e o Celtics parecendo fisicamente frágil e sem confiança. Foram versões desses times que já conhecíamos ao acompanhar essa série e que confirmaram a suspeita de que ambos os times estavam jogando no limite de suas capacidades até aqui. Nessas condições, venceu quem tinha mais recurso – seja um elenco mais profundo, com o banco do Celtics marcando 48 pontos contra apenas CINCO do banco do Wizards, seja em repertório de jogadas, com o Wizards dependendo de poucas jogadas e de muito, muito fôlego. Vimos no quarto período o encontro do PIOR Wizards, já com a língua de fora, e o MELHOR Celtics, usando da melhor maneira possível seus reservas, rodando a bola e encontrando arremessos fáceis contra uma defesa esbaforida. Frente a esse encontro, esgotadas todas as possibilidades, não havia como a equipe de Boston sair derrotada dessa partida.
O primeiro quarto já apontava que qualquer bobeada iria ser explorada sem dó pelo adversário. O Wizards começou acertando apenas um dos sete arremessos que tentou, com o Celtics abrindo uma vantagem de 8 pontos – que poderia ter sido maior se não tivesse errado também tantas bolas simples. Tentando correr em qualquer posse de bola, até mesmo depois de sofrer alguma cesta, a equipe de Washington começou cometendo muitos desperdícios e trombando contra a defesa adversária. Mas rapidamente se encaixou: começou a forçar uma defesa bastante física que já se tornou característica de seus primeiros quartos nessa série, puxou alguns contra-ataques, Bradley Beal soube explorar os momentos em que foi marcado por Isaiah Thomas e numa sequência de 8 pontos seguidos lá estava o jogo empatado novamente. Era indício de quem encaixasse seu jogo iria fazer pontos em sequência – e depois tentar parar ou minimizar a sequência do adversário.
Desde o começo do jogo, John Wall enfrentou uma defesa decidida a lhe dar os arremessos de média e longa distância, de modo que só tinha três opções: ou aceitava esses arremessos, que são de baixo aproveitamento para o armador; ou passava a bola para outros companheiros (principalmente Bradley Beal e Markieff Morris no lado oposto da bola); ou precisava chegar no ataque antes da defesa se posicionar. Quando deu os arremessos, John Wall mais errou do que acertou, mas às vezes foi obrigado a dar o arremesso pra PROVAR UM PONTO:
Chega a ser engraçada a liberdade que John Wall tem na linha de três pontos nessa transição. Ele tenta e converte o arremesso para tentar forçar a defesa a enfrentá-lo no perímetro e lhe dar mais espaço para as infiltrações futuras, mas a defesa do Celtics foi bem disciplinada e não caiu na cilada. Para infiltrar, Wall foi obrigado a correr como um louco em todas as posses de bola e ainda enfrentar uma defesa disposta a correr para o aro e se despreocupar inteiramente das bolas de três pontos.
Essa correria fez com que no desespero de repor a bola, o Wizards desse alguns passes literalmente nas mãos do Celtics – só no segundo quarto foram 4 turnovers seguidos, dois vindos de cobranças na linha de fundo. Mas era esse grau de velocidade e intensidade que permitiu a John Wall IMPOR seu jogo ao invés de cair na armadilha dos arremessos de fora. O armador do Wizards forçou as infiltrações que quis, marcou 10 pontos em contra-ataques no primeiro tempo quando o Celtics ainda não tinha marcado nenhum e causou comoção suficiente no garrafão para Otto Porter conseguir cortar para a cesta e não deixar Isaiah Thomas ficar confortável na defesa. Enquanto isso, Bradley Beal passou a usar o espaço no perímetro e acertar arremessos. Em velocidade o Wizards parecia imbatível: Morris acertando arremessos, Otto Porter atacando a cesta, Wall impondo infiltrações e encontrando os companheiros e Beal acertando as bolas de longa distância.
O problema é que nos outros jogos da série, os titulares do Wizards marcaram 66 pontos a mais do que tomaram, enquanto qualquer outro quinteto que não o titular tomou 63 pontos a mais do que fez. Quando o banco entra em quadra a correria desaparece, os arremessos secam e os adversários encostam no placar. Mas a verdade é que o Celtics se manteve com a cabeça pra fora da água mesmo contra os titulares adversários – e com uma liderança no placar pequena mas significativa na maior parte do primeiro tempo – porque soube se aproveitar dos desperdícios de bola frutos da correria do adversário e porque deu um NÓ na defesa do Wizards. A jogada abaixo resume bem o que se repetiu ao longo de todo o jogo:
Vejam que Isaiah Thomas recebe um corta-luz de Al Horford, a defesa do Wizards dobra a marcação, e para impedir que o armador passe para Al Horford arremessar de três pontos – situação em que ele converteu mais de 60% dos seus arremessos nessa série – Markieff Morris se posiciona próximo à cabeça do garrafão para contestar uma possível bola de três pontos do pivô. Acontece que enquanto isso Kelly Olynyk corta para a cesta e recebe o passe MAIS FÁCIL DO MUNDO.
Isso aconteceu à exaustão. Tudo que Isaiah Thomas precisava fazer era segurar a bola UM SEGUNDINHO A MAIS durante a dobra de marcação para dar tempo de Olynyk (ou às vezes Avery Bradley ou Jae Crowder) cortarem para a cesta. Depois de apanhar nessa jogada, o Wizards tentou proteger o aro e Al Horford acertou duas bolas de três pontos. Mantiveram então marcação simples em Isaiah Thomas e dupla em Al Horford: aí Thomas ou arremessou, ou forçou uma infiltração, ou Al Horford esperou um pouco sob marcação dupla para acionar Olynyk. O próprio Kelly Olynyk substituiu Al Horford nessa jogada e também passou para seus companheiros que cortavam para a cesta ou acertou bolas de três pontos livres. Foi uma jogada simples que o Wizards não fazia a menor ideia de como parar.
Olynyk terminou a partida com 26 pontos (e apenas 2 bolas de três pontos) e mais 4 assistências. Cortou pra cesta quando não estava no corta-luz, arremessou de três ou passou a bola para alguém cortando pra cesta quando participou do corta-luz. Foi uma partida impecável e ele nem foi o único jogador do banco do Celtics a ajudar.
Marcus Smart foi o responsável por parar Bradley Beal em grande parte do segundo tempo e não apenas foi agressivo e eficiente na defesa como também acertou as duas bolas de três pontos que tentou, num total de 13 pontos no jogo, dando ainda mais opções para sua equipe no perímetro. Some a isso Jaylen Brown cortando para a cesta intercalando com Olynyk e temos um banco de reservas que fez 48 dos 115 pontos da equipe.
Enquanto isso, John Wall sentou um pouquinho no começo do quarto período e sem seu ritmo e sua visão de quadra o Wizards dependeu de Bradley Beal armando e tomou um 7 a 0 em pontos que foi o começo do fim. Contra Marcus Smart, Beal teve que forçar arremessos que ele até converteu, mas foi incapaz de encontrar um ritmo e de envolver os companheiros. Perdeu a bola numa tentativa de pick-and-roll que virou contra-ataque do Celtics e John Wall rapidinho teve que voltar pra quadra. Os números são evidentes: enquanto ninguém no Celtics jogou mais de 39 minutos, John Wall passou 44 minutos em quadra e Bradley Beal passou 45. Tínhamos essa dúvida: será que o Wizards ia colocar seus armadores pra passar tanto tempo em quadra? Embora um jogo decisivo exija esse tipo de abordagem, o preço foi alto demais e os dois estavam exaustos durante a maior parte do quarto período.
Sem conseguir puxar mais seus contra-ataques em velocidade, John Wall passou a usar o espaço que tinha para arremessar suas bolas longas de dois pontos e errou 10 arremessos em sequência. Beal converteu duas bolas seguidas de três pontos para diminuir a vantagem do Celtics, que chegou a 13 pontos sem Wall em quadra, mas estava em seu momento de maior exaustão justamente quando a defesa do Celtics estava mais empolgada – basta pensar que Marcus Smart, seu defensor, passou apenas 29 minutos em quadra, com Avery Bradley, igualmente ávido na defesa, tendo jogado 36. A um minuto do fim, com a diferença em 7 pontos e precisando pontuar, Beal foi sufocado pela defesa, perdeu a bola mais uma vez, tomou o contra-ataque e viu a diferença chegar em 9 pontos. Exaustos, arrasados, só restava aceitar a derrota.
Tendo superado seus altos e baixos, mostrado inteligência tática e a profundidade invejável de seu banco, o Boston Celtics chega com mais condições para essas Finais de Conferência Leste do que a maior parte de nós previa. Além disso, não podemos esquecer que mesmo que o Cavs ainda seja o atual campeão e “o time a ser superado”, sua campanha regular mequetrefe deu ao Celtics o MANDO DE QUADRA nessas Finais de Conferência. Depois dessa vitória emblemática contra o Wizards, não consigo deixar de me animar para o confronto contra o Cavs que começa quarta-feira. Aguardem nosso Preview em breve!