“Nós conseguimos”, disse Kevin Durant para sua mãe ainda na quadra, no discurso apressado ao receber o prêmio de MVP das Finais. O “nós” era direcionado à relação entre ele e sua mãe – ambos trabalharam juntos para perseguir sua promessa, feita aos 8 anos de idade, de que um dia seria campeão da NBA. Mas o “nós” funciona igualmente para a relação entre ele e o Warriors, para a coletividade que eles formaram ao longo da temporada. Todo mundo nesse elenco, até mesmo o fundo do banco – incluindo vários que, vez ou outra, foram até mesmo titulares – tem uma função clara e definida no funcionamento tático. Mas nos discursos, todos foram explicitamente claros – até mesmo INSISTENTES – de quão gratos estavam por Durant estar lá. O dono da equipe olhou para o MVP das Finais e disse, com a voz embargada: “Obrigado por vir”. Draymond Green disse que se o resultado da derrota para o Cavs na temporada passada foi receber Durant no elenco, tudo havia valido a pena. Klay Thompson disse que diminuir seu papel na equipe não foi nenhum sofrimento já que Durant, simplesmente por estar presente no time, lhes garantiu 16 vitórias e apenas uma derrota nos Playoffs.
Stephen Curry, Klay Thompson e Draymond Green são “crias da casa”; o sucesso dos três sempre aconteceu num ambiente de extrema coletividade, meio “amalgamado”. A ascensão dos três ao patamar de “superestrelas” foi um choque, uma conquista inesperada, nunca anunciada. Durant não: era uma estrela consagrada, um dos grandes – se não o maior – nome de sua geração, legitimado por toda a NBA até dentro de alguns dos piores esquemas táticos que já presenciamos. Para Durant, o Warriors trouxe estrutura, tática, um ambiente sem pressão de profunda coletividade; para o Warriors, Durant trouxe a legitimidade de fora, a etiqueta de “superestrela” inegável que deve fazer brilhar os olhos de Curry e Klay Thompson, dois jogadores que cresceram indissociáveis do Warriors e de seu modelo de basquete, incapazes de usar qualquer coisa senão a si mesmos como parâmetro (sabe quando a gente não sabe se acredita que somos bonitos de verdade só porque foi nossa mãe falou?). De um lado temos Durant validando o modelo e do outro temos o modelo finalmente dando a Durant a plataforma para brilhar. Foi o casamento ideal.
Quando o Cavs liderava o placar, 8 pontos à frente no segundo quarto depois de um período inicial de muita velocidade e agressividade, Durant mostrou que sua passagem pelo Warriors não é como mero espectador, mas como parte fundamental de uma estrutura. Aumentando o ritmo de jogo e punindo qualquer erro do Cavs com arremessos certeiros, Kevin Durant foi parte de uma sequência de 21 pontos feitos e apenas 2 pontos tomados pelo Warriors que virou em definitivo a dinâmica da partida. Foram 3 bolas de três pontos para Durant nesse período, 13 pontos, uma defesa impecável e arremessos oportunistas frente a qualquer deslize adversário. Sob seu comando o Warriors voltou a rodar a bola, dar arremessos rápidos e forçar a defesa do Cavs a tomar decisões. No começo do segundo quarto parecia que o Cavs estava pronto para beber o sangue de criancinhas, destroçar a partida e voltar para Cleveland disposto a mais uma reviravolta inesperada na série. No final do segundo quarto a vantagem do Warriors já era de 17 pontos, a maior do jogo. Já estava tudo acabado.
A partida só não terminou ali de fato porque LeBron James não deixou. Voltou no quarto período disposto a tirar o déficit sozinho, na unha. Graças ao novo espaçamento em quadra que o Cavs adotou desde o Jogo 4 e a pontaria certeira de JR Smith na partida que atraiu efetivamente a marcação, LeBron passou a infiltrar, girar em cima de seus marcadores e finalizar com enterradas ou bandejas apressadas. Era possível ver o senso de urgência, o relógio correndo barulhento logo acima de sua cabeça. Mas se o Cavs foi capaz de fazer as coisas funcionarem no ataque, mesmo que na marra, na defesa a coisa IMPLODIU.
Em modo pânico, precisando urgentemente impedir arremessos, roubar bolas e não ser massacrado por Kevin Durant, a defesa do Cavs passou a cometer erros tolos. Primeiro foi JR Smith, que perseguiu o mesmo jogador que LeBron James; depois foi o próprio LeBron, que errou sua marcação numa transição defensiva; em seguida foi Kyrie Irving, que errou o caminho para fugir de um corta-luz. Os três erros levaram a duas enterradas completamente livres embaixo da cesta e a uma bandeja de Stephen Curry sem ninguém a menos de três passos de distância. Toda vez que LeBron levava a diferença para a casa dos 6, 8 pontos, o Warriors respondia imediatamente num erro defensivo do Cavs. Eventualmente o Cavs errou no ataque – mas Durant não. A três minutos do fim a diferença, ainda que longe das lavadas com as quais nos acostumamos nesses Playoffs, já parecia intransponível. Sempre no limite, o Cavs não resistiu no quarto final a um conjunto de pequenos erros, a algumas bolas forçadas demais, a Kyrie Irving sentindo seu joelho e suas costas, a um ataque que no primeiro tempo dependeu de Tristan Thompson atacando a cesta, correndo de fora do garrafão, porque esse era o único espaço que o Cavs conseguia ter. Com a movimentação sem a bola bem contestada, o Cavs perdeu a confiança em muitas das jogadas que definiram o Jogo 4. No quarto final, todas elas já haviam sido metodicamente abandonadas. Sobrou apenas LeBron, bandeja atrás de bandeja. Do outro lado, sobrou o Warriors inteiro – um “nós” que incluía até a mãe de Kevin Durant, se bobear.
LeBron arremessou 30 bolas e acertou DEZENOVE. Foram 41 pontos, 13 rebotes e 8 assistências. Um esforço ÉPICO que, mais uma vez, aconteceu com certa naturalidade – até o ataque berserker no quarto período, LeBron esteve no papel de facilitador, tentando encontrar as bolas de três pontos de JR Smith, o jogo de costas para a cesta de Kevin Love e até mesmo estabelecendo seu próprio jogo de garrafão, sempre controlando o ritmo dos contra-ataques. O problema é que do outro lado, Kevin Durant fez 39 pontos em míseros 20 arremessos – um ideal de produtividade e eficiência que apenas o Warriors, como modelo, seria capaz de trazer à vida. Isso só foi possível por conta dos 34 pontos e 10 assistências de Curry, das infiltrações e dos arremessos de Andre Iguodala, do espaçamento de Klay Thompson e Draymond Green. Se o elenco inteiro foi tão vocalmente grato a Durant é apenas porque esse grau de eficiência alcançado por ele nessa partida derradeira é a demonstração máxima do que o Warriors, como time, pode fazer pelos seus membros. Foi bonito de ver na cara de todos eles um certo orgulho por ter ajudado a tornar realidade o sonho do amigo – o troféu de MVP das Finais de Durant é, de certa maneira, a consolidação do esforço de todas as partes. Já vimos antes MVPs que fizeram tudo sozinhos e Durant talvez até pudesse ter feito o mesmo, mas não foi essa a escolha do jogador, do elenco e do time.
O agradecimento por sua chegada é o agradecimento por uma escolha que não é apenas prática, é a escolha por um certo tipo de basquete, por uma certa visão do jogo. Talvez LeBron fosse o melhor jogador, talvez o Cavs fosse mais forte e físico e intenso, e até a metade do segundo quarto isso tudo parecia ser suficiente para mais um título. Mas o Warriors escolheu um outro caminho, um caminho muito estranho em que todo mundo que quiser – até o ANTIGO RIVAL – é bem-vindo se quiser contribuir para uma coletividade.
Não podemos esquecer que outros super-times tentaram e falharam, do trio LeBron, Wade e Bosh até os quatro Hall-da-Fama em Los Angeles, com Payton, Kobe, Malone e Shaq. Fazer esse Warriors funcionar, misturando essas “pratas da casa” que deram estranhamente certo e estrelas consolidadas acostumadas a jogar sozinhas, não é mamão com açúcar. É uma questão de escolha, de criar um plano que é maior do que a junção de suas partes. É uma questão de, com o troféu de campeão nas mãos, ser vocalmente grato a Durant por ter tornado o caminho mais simples.
Qualquer um tem o direito de não gostar – esse Warriors claramente não se encaixa na trama “Dragon Ball” com a qual nos acostumamos durante décadas de basquete – mas é inegável que esse time é uma mudança radical de paradigma. Para ser campeão já não é mais suficiente trazer grandes estrelas de fora, ou encontrar estrelas no draft, ou treinar seus jovens jogadores para se tornarem importantes peças no banco, ou ter uma comissão técnica jovem disposta a repensar o modo de se jogar basquete, ou simplesmente trazer mais talento quando o talento atual parece não ser suficiente. Agora, para ser campeão é preciso de TUDO ISSO e mais: saber reduzir o papel de todos os elementos em nome de uma importância maior à coletividade. Só assim é possível trazer mais estrelas, e mais estrelas, e mais estrelas – e elas funcionarem juntas, e elas conviverem juntas, e elas QUEREREM jogar para você. De outra maneira, não teremos times mas sim amontoados de jogadores talentosos aleatórios.
Com 2 anéis de campeão em 3 temporadas, o Warriors olha profundamente para os olhos de toda a NBA e alerta: amontoar jogadores já não é mais suficiente. É preciso que mudem de vida.