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Depois de dominar as conversas sobre NBA antes da temporada começar com seus pedidos de trocentos milhões de dólares por ano, Ben Gordon foi esquecido mais rápido do que ganhador de Big Brother. Por não aceitar o contrato oferecido pelo Bulls, o jeito foi jogar uma última temporada pela equipe e, então, ouvir propostas de qualquer um que estiver interessado. Só no final da temporada regular é que me lembrei dele de novo, após uma sensacional partida contra o Heat em que marcou 43 pontos em 8 bolas de três pontos. Apesar da derrota, pensei, o Ben Gordon parecia querer mostrar que estava vivo bem no final do seu contrato, uma tentativa desesperada de pagar o leitinho das crianças no ano seguinte. Talvez ele seja um jogador de verdade, pensei com meus botões, e possa realmente marcar 40 pontos quando bem entender. Talvez eu é que seja muito chato, sempre pegando no pé do coitado. No jogo seguinte, Ben Gordon marcou 4 pontos acertando apenas uma bola em 10 tentativas. Quase caí na farsa que é a história da sua carreira: um jogador espetacular, capaz de pontuar como bem entende, mas que desaparece de um dia para o outro e que não tem um jogo profundo o bastante para compensar os dias em que suas bolas não caem ajudando sua equipe com outros fundamentos. Ben Gordon ou acerta tudo ou afunda seu time, e se o Rafer Alston me enlouquecia no Houston justamente por isso, minha opinião sobre o armador anão do Bulls torna-se ainda mais óbvia quando a gente lembra que o Gordon sequer é hábil em passar a bola.
Para acabar a temporada, Ben Gordon ainda teve um jogo de 37 pontos e outro de 39 pontos, entre um punhado de outros jogos mais-ou-menos. Poderiam ser seus últimos jogos no Bulls e alguém precisava comprar a farsa, então a produção tinha mesmo que ser alta. Mas quando sua equipe garantiu a ida para os playoffs, ouvi uma voz vinda de algum lugar que gritava, em comemoração: “sa-lá-rio!“. Era a certeza de que, em algum momento da série contra o Celtics, Gordon iria garantir seu futuro, a faculdade dos seus filhos, três casas, um helicóptero e todas essas coisas básicas que todo ser humano precisa para sobreviver com um mínimo de dignidade. Quando o negócio importa, ele sempre consegue jogar como se fosse o melhor pontuador da raça humana e acertar um arremesso imbecil atrás do outro, então eventualmente – especialmente se a série ficasse competitiva – ele iria dominar uma partida na frente do olhar de todo mundo.
O jogo da noite de segunda era perfeito para o Ben Gordon, porque se o Bulls vencesse a segunda partida seguida em Boston a série estaria praticamente acabada, mas não havia a pressão de ser obrigado a vencer. Uma derrota seria perfeitamente normal e ainda manteria o Bulls com mando de quadra, mas uma vitória seria um feito heróico, histórico e memorável. Não parece a oportunidade perfeita para garantir os cheques entrando na sua conta? As condições do jogo apenas aumentaram isso: o ursinho carinhoso Glen Davis mostrou o talento ofensivo que lhe deu uma carreira no basquete universitário, com 26 pontos na partida; Ray Allen deixou de lado as críticas de “você tem 30 anos – em cada perna” e calibrou a mira (mesmo com certo atraso); Rajon Rondo fez chover enquanto esteve na quadra (passou um tempo no vestiário, contundido) com direito a triple-double gordo (19 pontos, 12 rebotes, 16 assistências); Derrick Rose foi neutralizado pela defesa do Celtics, que deu sinais de vida pela primeira vez sem Kevin Garnett. Ou seja, o jogo se manteve competitivo com atuações sólidas do Celtics e o Bulls não tinha seu principal jogador da primeira partida fazendo tudo o que bem queria dessa vez, especialmente graças às faltas que cometeu no começo do jogo. Era a chance perfeita do Ben Gordon chutar traseiros e, bem, foi exatamente o que ele fez.
Foram 42 pontos, 6 bolas de três pontos, nenhum desperdício de bola e – claro – nenhuma assistência. Cada cesta de Ben Gordon foi essencial para manter o Bulls na partida, especialmente no final do jogo, mas isso não torna seus arremessos mais inteligentes. A enorme maioria foi feita de arremessos forçados, com marcação forte, em momentos não muito apropriados, mas qualquer porcaria que ele fizesse se transformava em pontos. Se ele fosse no banheiro, o encanamento ia dar um jeito de despejar tudinho dentro da cesta do Boston Celtics. Foi o Gordon e seus arremessos milagrosos (ou “débeis-mentais”) que colocaram o Bulls na frente nos momentos finais do jogo, ao que Ray Allen respondeu com uma bola de três pontos. Gordon empatou o jogo de novo em seguida e Ray Allen acertou uma bola de três de novo, no que parecia o mesmo pedaço do jogo passando em looping sem parar, como se a transmissão tivesse dado pau (os mais nerds diriam que “deu erro na Matrix”). Ben Gordon só não teve a chance de tentar um último arremesso para empatar porque o técnico Vinny Del Negro e seu nome de boxeador tiraram o Gordon da quadra para defender a última bola do Celtics e não deu para colocá-lo de volta para os segundos finais. A bola de três do Ray Allen, então, acabou ganhando a partida e estragando o jogo inesquecível do pobre armador do Chicago. Os melhores momentos da partida, pelo menos, mostram a atuação fominha e inacreditável do anão:
Engraçado é que, quando o Gordon marcou 43 pontos na temporada regular, o Bulls também perdeu a partida. É até injusto com ele apontar esse tipo de coisa, porque se não fossem seus arremessos impossíveis, o Bulls sequer teria tido uma chance de vencer o Celtics, mas fica bem claro que seu jogo não tem muito a ver com vitórias. É espetacular, é memorável, mas é completamente individual e aleatório. Se ele fizesse 42 pontos por jogo em todos os jogos, então vamos montar um time ao seu redor. Mas dá para imaginar um time construído em volta dele? E quando ele fizer apenas 4 pontos, arremessando quinhentas vezes? Seu jogo combina com o banco de reservas, o que permitiria que ele brilhasse quando estivesse realmente bem, não comprometesse o time e de repente, num dia qualquer em que Mercúrio ficasse alinhado com Saturno, entrar e ganhar uma partida de playoffs com 50 pontos sem nenhum esforço. Mas jogador de banco ganhando 15 milhões de doletas simplesmente não permite que o time tenha espaço salarial para montar um elenco de verdade. Ainda assim, mesmo com a derrota, com as imposições financeiras, com os perrenhes que ele vai causar, cada cesta do Ben Gordon na partida de segunda-feira vinha acompanhada com um barulho de caixa registrador, “ca-ting!“. Ele vai ser pago, muito bem pago, acreditem. Especialmente se outra atuação dessas vier nessa série, talvez num momento de maior importância, realmente decisivo. E a verdade é que eu mal posso esperar para ver um jogo 7 entre Bulls e Celtics com o Ben Gordon acertando arremessos espetaculares. É ridículo, imbecil, mas diabos, quem disse que basquete não é ridículo e imbecil? Afinal, o dinheiro que lhe pagará o salário não é meu – o Bulls que se lasque, enquanto eu aproveito os melhores momentos para contar pros meus filhos.
É mais legal do que ver o Mavs perder para o Spurs e não conseguir entender o que eles fizeram de diferente do primeiro jogo, que eles ganharam na maior.