Saco de pancada

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Princípio de bagunça entre Lakers e Clippers. Destaque para o juíz 
segurando o Artest pela camisa, esse não tem medo da morte

Um dos jogos mais divertidos que assisti nos últimos tempos não foi entre Lakers e Celtics, ou entre Heat e Thunder, mas sim entre Cavs e Nets, as duas piores equipes do Leste se degladiando para manter o último fio de auto-estima. Foi um jogo disputado, brigado, sofrido – e medonho, nível “Playboy da Mara Maravilha”, capaz de traumatizar pelo resto da vida. Os dois times são uma porcaria, parecia futebol feminino em aula de educação física quando todo mundo corre pra cima da bola e o lance de mais efeito é a bolada na orelha da criança que estava passando na lateral da quadra segurando um copo de refrigerante. Depois de um par de horas vendo Nets e Cavs jogar, mudar para um jogo “normal” foi como se eu passasse a ver seres sobre-humanos capazes de voar, com super-velocidade e super-força. Foi como tirar um sapato muito apertado depois de um dia inteiro de pé no trabalho, uma deliciosa surpresa ao descobrir como o basquete podia ser um esporte bonito e elegante – sem Nets e Cavs em quadra, claro. Foi tão proveitoso ver dois times tão ruins jogando que cheguei a propor no twitter um playoff ao avesso com os 4 piores times de cada conferência, em que o último colocado seria obrigado a sentar no canto usando um chapéu de burro.

A cara do Antawn Jamison, acostumado com dias melhores, conforme ia percebendo que não seria capaz sequer de vencer o Nets, foi impagável. Era o olhar de um homem deseseperado tentando encontrar rotas de fuga, uma janela mais próxima, um emprego de atendente de telemarketing, uma brecha judicial que lhe permitisse anular a troca que o tirou do Wizards na temporada passada. Enquanto isso o resto do Cavs era um bando de homens sem alma, vagando rumo ao vestiário pensando em quais legumes comprariam na quitanda na manhã seguinte e quantos anões daria para contrabandear dentro do cabelo do Varejão. Aliás, alguém verifique a legitimidade da lesão do Varejão, porque na situação dele seria muito justificável um “vou ali comprar cigarro e já volto” versão lesões da NBA, tipo o Shaquille O’Neal quando não queria mais jogar no Heat.

A lista de coisas necessárias para tirar um time dessa situação de saco de pancadas na NBA é imensa. Exige esforço dos engravatados para contratações, para boas escolhas de draft e para uma boa saúde financeira na equipe; exige esforço da equipe técnica para continuar desenvolvendo os jogadores e criar planos de jogo sérios que busquem sempre ser competitivos mesmo frente ao desastre; e exige um elenco que acredite ser capaz de sair das últimas colocações. Equipes que fedem precisam de políticas claras para o futuro. Não adianta ficar tentando remendar a equipe, tapar buracos, tentar escapar imediatamente. Tudo começa com uma reconstrução, uma renovação, se livrar dos contratos ruins, criar flexibilidade salarial. Depois, a equipe técnica precisa dar minutos para quem está nos planos da equipe, quem é essencial para o futuro, não pode se desesperar e botar pirralhos burros para mofar no banco só porque vão perder ainda mais feio sem um veterano qualquer que vai estar com reumatismo daqui alguns meses. Mas não vamos nos focar na parte admnistrativa ou técnica de reconstruções, não estou com vontade de falar mal do Detroit Pistons hoje. Vamos falar de outra coisa essencial para tirar os times da merda: os próprios jogadores. Pra isso, vamos analisar dois casos distintos hoje, mas que possuem algo em comum: o Clippers e o Thunder.

Caso 1: Los Angeles Clippers

O Clippers fingia ter alguma esperança de sucesso na temporada passada até que o Blake Griffin se contundiu ainda nas Summer Leagues e não chegou a jogar uma partida sequer da tempora regular na NBA. Pronto, temporada jogada na privada, o time parecia um circo, o Al Thornton foi banido da equipe, o Chris Kaman se contundiu duzentas vezes, e o Baron Davis gordo e desmotivado só queria encher os bolsos de grana e nunca mais ter que entrar em quadra. Mesmo com a volta do Griffin nessa temporada, o clima no Clippers era de fracasso total, o time parecia mais elenco de Big Brother do que equipe de basquete, e o começo da temporada refletiu isso: foram 5 vitórias e 21 derrotas.

O que foi necessário para que o Clippers alcançasse o atual recorde de 18 vitórias e 28 derrotas (13 vitórias e 7 derrotas desde o início mequetrefe)? Como o Denis destacou em seu texto sobre o time, Blake Griffin e Eric Gordon são espetaculares, lindos e maravilhosos, evoluem mais rápido do que Pokémon e estão jogando um absurdo. Mas já estavam jogando bem durante o começo desastroso da equipe. A real transformação foi na união e na postura da equipe com a presença de Blake Griffin em quadra.

Griffin tem um gigantesco arsenal de giros, infiltrações, ganchos e arremessos de média-distância usando a tabela, mas seu jogo é predominantemente físico, todo jogo ele pula por cima de alguém, dá uma enterrada de empolgar até a sua mãe aí, e sempre – é de lei – erra uma enterrada que seria completamente histórica se entrasse. Se não bastassem as enterradas fantásticas que ele dá, juro que vale a pena ver um jogo apenas para ver as enterradas que ele não dá, as que ele erra por pouquinho ou sofre falta no processo. E, como sabemos, enterradas não são apenas um modo de fazer cestas bem perto do aro, no imaginário americano as enterradas lidam com agressividade e humilhação do adversário. É a cesta que é feita não porque você é mais habilidoso, mas porque é mais forte, pula mais alto e tem o pênis maior, é a cesta que você impõe na base do muque, e se a enterrada é em cima de alguém, é a cesta que submete o adversário ao seu poder, é a cesta que humilha, que retira toda a honra, que desmoraliza o adversário.

Quando o Blake Griffin enterra o tempo todo em cima de adversários, ele deixa de ser apenas um novato qualquer num time horrível e sem chances de vitória e passa a ser aquele cara ousado que, mesmo sem chances de vencer, veio “aqui na minha casa e me humilhou, me fez passar vergonha”. O Clippers fede, quem se importa com eles, mas os vídeos se espalham pelo YouTube e a questão da honra e do ego é central nas quadras de basquete americanas. Antes de Yao Ming ir para a NBA, por exemplo, enterradas não aconteciam na China por serem um desrespeito ao adversário. Quando Griffin enterra em alguém, não importa se o Clippers está perdendo por 50 pontos, o adversário se abala e quer vingança. Por isso, não demorou muito para que quase todas as partidas com o Clippers tivessem algum incidente em que algum mané aleatório tentasse peitar o Griffin, encher ele de porrada, ou simplesmente cometesse faltas mais feias para provar que “ele não vai enterrar assim tão fácil”. O Griffin tem jeitão briguento e cara de maloca (e cabelo vermelho, o que lhe caracteriza como um cosplay do Kuwabara, do Yu-Yu Hakushô, algo que um leitor nos avisou em nosso formspring), mas nem ele pode resistir a constantes punições físicas e confrontos em todos os jogos. Até que o Clippers resolveu fazer uma reunião a portas fechadas e decidiu que todo o elenco precisava proteger o Griffin antes que ele amanhecesse com a boca cheia de formigas. Tudo bem que o time fosse uma merda, mas se eles tinham um jogador tão bom apanhando e sendo constantemente ameaçado em quadra, o mínimo que eles poderiam fazer seria protegê-lo, cercá-lo quando ele fosse derrubado no chão, partindo pra cima de quem lhe fizer uma falta mais grave, pressionando os juízes em marcações contrárias a ele.

O resultado dessa união para proteger Griffin de apanhar dos coleguinhas se converteu em vitórias dentro da quadra, no maior estilo “Os nerds contra-atacam”. Criou união no grupo, orgulho, vontade de enfrentar os adversários, gente pulando no pescoço do Lamar Odom porque ele deu um empurrão no Griffin após uma jogada mais competitiva no final do jogo. E aí o Clippers passou a ser um time que faz jogadas mais competitivas no final do jogo porque sabe que o resto do elenco estará lá para proteger, apoiar e descer o sarrafo se der pancadaria. Baron Davis admitiu que foi isso que motivou o grupo, defender Blake Griffin dos seus agressores, e olha que o Baron Davis não se motiva por nada nesse mundo. O Clippers depende imensamente do talento do Baron Davis, pena que ele não seja lá muito interessado nesse tal de basquete. Mas agora é.

Nada une tanto um grupo quanto hostilidade do mundo exterior. Já comentei aqui que o momento que finalmente transformou o atual Miami Heat em um time foi a primeira partida dessa temporada em Cleveland, em que todo o elenco teve que estufar o peito e defender LeBron de uma quantidade absurda de hostilidade irracional. Desde então, o time está transformado. Isso me lembra uma vez que fui escrever um texto sobre o movimento “emo” em seu começo no Brasil, entrevistei um monte de gente, e eles não tinham nada em comum – ideologia, gosto musical, opiniões sobre a vida, choradeira, nada – a não ser a hostilidade que recebiam pelo modo com que se vestiam. Durante as entrevistas um monte de gente passava e xingava os emos só por esporte, e a maioria – que nem se considerava emo, no fim das contas – acabava abraçando a identidade do grupo apenas para se defender desse tipo de coisa.

Alguns jogadores são fodões mas são calados, moderados, até bobões, às vezes. A reação do elenco para proteger esses jogadores é diferente, o Houston se uniu para defender o Yao Ming de ser tão hostilizado por ser um banana, mas o Kings não estufou o peito para fazer nada com o castigo físico sofrido pelo Tyreke Evans porque ele tem a cara eterna de “nada” que é característica do Duncan e não responde com agressividade a coisa alguma. No caso de jogadores agressivos, físicos, a resposta dos companheiros tende a ser mais passional, mais agressiva. Jogadores assim podem incendiar equipes, motivar caras como o Baron Davis, e retirar repentinamente a postura derrotista de uma equipe acostumada a ser saco de pancada. Às vezes, jogadores espetaculares com personalidades diferentes acabam sendo menos efetivos na tentativa de transformar uma franquia justamente por isso. Caras como Blake Griffin e sua capacidade de retirar a honra dos adversários e apanhar por isso são perfeitos para unir equipes rapidamente.

Caso 2: Oklahoma City Thunder

O Thunder era um time novo demais, recheado de jogadores jovens e com potencial. Mas Durant, Jeff Green e Russell Westbrook são bons moços, daqueles que a garota tem orgulho de levar pra casa e mostrar pra mãe. Nenhum deles é famoso por enterrar na cabeça de ninguém, pular até a lua, arrancar o coração de um defensor e beber seu sangue em um cálice de cristal. A melhora do Thunder não foi graças à união do grupo, à tentativa de defender Durant dos violentos jogadores adversários, à motivação de estar jogando ao lado de um jogador passional e agressivo. Durant e Westbrook simplesmente ficaram muito bons.

Esse, aliás, é o motivo de que mesmo vencendo jogos e com o Durant liderando a NBA em pontos temporada passada, ainda assim ninguém levava o Thunder muito a sério. Nunca foram um grupo coeso, unido, agressivo ou orgulhoso, daqueles que bate no peito e berra “não perderemos aqui hoje, não na minha casa!”. As vitórias de Durant e seus amigos sempre foram recebidas com a estranheza de quem acha que deveria feder mas não fede, aquela surpresa estranha que se aceita rápido antes que percebam que você não merecia. Esse grupo de jogadores só se tornou realmente perigoso quando, após alguns jogos de sorte e atuações friamente espetaculares, começou a perceber que dava para vencer o Lakers em pleno playoff da NBA.

Essa é minha teoria para uma questão que me intriga e está levando vários analistas da NBA à loucura: por que diabos o Thunder quase venceu o Lakers graças a uma defesa por zona fantástica e sufocante nos playoffs e agora tem uma defesa furada – aliás, a defesa que mais involuiu numericamente da temporada passada para cá? Provavelmente aquela defesa não era fruto de treino, tática apurada e união dentro de quadra, era fruto da paixão e desespero de um time que nunca acreditou que poderia ganhar nada e de repente estava diante do Lakers sonhando com a chance de derrotá-lo nos playoffs. Depois daquilo, com a consciência plena de que eles são um dos melhores times do Oeste, não era mais possível tamanha intensidade defensiva, tamanho desespero. Eles sabem que Durant e Westbrook são dois dos melhores jogadores da NBA, podem vencer jogos sozinhos, e pelo jeito isso basta.

Com o Clippers, o time inteiro foi transformado pela intensidade de Blake Griffin e o time responde com igual intensidade para protegê-lo. Com o Thunder, a melhora de dois jogadores levou o time a patamares inesperados, mas a união só veio na compreensão de que poderiam vencer mesmo os maiores times. Entretanto, sem a intensidade de alguém com sangue nos olhos cansado de ser saco de pancada, uma das mais impressionantes defesas da NBA já esmoreceu rapidinho.

É evidente que a melhora de qualquer equipe saco de pancada da NBA está em grande parte nas mãos dos próprios jogadores e da evolução de cada um deles, mas prestamos pouca atenção no papel que a postura ou a personalidade dos jogadores tem nisso. O Thunder, como sabemos, precisa de um bom pivô, mas não tanto quanto precisa de um jogador defensivo apaixonado, vocal e intenso do tipo que exige esforço dos próprios companheiros. É esse tipo de qualidade que Kevin Garnett traz para suas equipes, a certeza de que nenhuma derrota virá sem intensidade, cobrança e esforço mesmo se o time for uma droga como foram muitos dos elencos que o Garnett teve no Wolves. É esse tipo de qualidade que Griffin traz para o Clippers além de seus giros, trabalho de pernas e enterradas, é isso que motiva até um carinha “bleh” como o Baron Davis. É disso que o Thunder precisa, mas seu caminho de evolução foi para outro lado, silencioso, comedido – e muito talentoso. O meu único medo é que o projeto do Thunder acabe seguindo o caminho do Blazers, que sem nada para unír seus jogadores jovens e talentosos além da simples surpresa de estarem vencendo quando não deveriam, ameaça desmoronar o tempo todo. Mas o Blazers é assunto para outro post, claro.

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