>Salário por mérito

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Alerta: para o David Stern, esse post tem cunho comunista

Em plena bagunça das negociações entre jogadores e donos de equipes para tentar acabar com o locaute, que periga cada vez mais levar a temporada inteira para o ralo, resolvi escrever um post cuja intenção não é comentar os atuais termos da negociação. Ao invés disso, comentarei os termos que a negociação poderia ter. Os jogadores estão cada vez mais acuados, com a sensação de que precisam aceitar um sistema que os desfavorece (milhões ou não, o que eles estão perdendo são “direitos trabalhistas”), simplesmente porque não encontraram um outro sistema que funcione igualmente para jogadores e donos e teriam que entrar na justiça para continuar a negociação. Nessas horas torna-se essencial encontrar modelos totalmente funcionais, ainda que utópicos, para que possa se criar um horizonte, opções de saída, ou apenas para que nenhuma das partes abaixe a cabeça com a ideia de que “não tinha outro jeito”. Existem outros modos e mesmo que ninguém tenha coragem de colocá-los em prática, a existência deles já cria novos parâmetros, novas possibilidades mesmo para as negociações mais comedidas.

Meu modelo funcional favorito foi criado por Elrod Enchilada e pode ser lido na íntegra, em inglês, aqui. Trata-se de um modelo que paga os jogadores por mérito e garante que não possa haver prejuízo para os donos. A base desse sistema de salários foi proposto para a NFL por Ed Garvey, então jogador da liga, há mais de 30 anos atrás. Na época ele queria que os salários dos jogadores fossem todos iguais, bastava pegar toda a grana que entrava e dividir igualmente para os jogadores. Foi chamado de “comunista” e a ideia virou farofa.

O que Elrod Enchilada propõe é um pouco diferente. Ao invés de dividir a grana igualmente, criam-se critérios para mandar mais dinheiro para quem “merece” mais. O único problema é que essa ideia de “merecer mais” é subjetiva e controversa, como saber se um jogador ofensivo é mais importante e mais merecedor do que aquele outro jogador que está lá pra dar trombada e bater cabeça? A solução é mais simples do que parece: basta pagar salários equivalentes aos minutos jogados.

O sistema funciona assim: divide-se todo o dinheiro que entra para a NBA entre donos e jogadores. A porcentagem de divisão é a parte mais polêmica da atual negociação, mas mesmo se ficasse como era antes (57% para os jogadores, 43% para os donos) todo mundo ia ficar feliz, sério. Os donos usariam esse dinheiro para pagar seus custos, de preferência através de um diretório central independente dos times que receberia a grana e repassaria depois. Esse diretório cuidaria dos ginásios, transportes, funcionários fora da quadra, mas nunca jogadores, nem um centavo sequer. Com isso os times garantiriam não apenas que nunca perderiam dinheiro, mas também um lucro considerável e igual a todas as equipes. Time nenhum jamais teria que pagar seus jogadores ou se preocupar com salários ou teto salarial.

A porcentagem da grana que fosse para os jogadores seria dividida entre eles. Levando em conta que são 30 times com 15 jogadores em cada um, e tomando como base a grana que entrou na NBA na temporada passada, cada jogador poderia receber 4,5 milhões e pronto. Se fossem apenas 12 jogadores por equipe, como era antes, seriam quase 6 milhões por jogador. Parece ótimo, mas como eu não quero ficar respondendo críticas de que a ideia é comunista, vinda de gente que não faz sequer ideia do que a palavra significa, e os próprios jogadores não querem abrir mão dos salários gigantescos que podem ganhar, essa divisão segue alguns critérios de mérito.

Então, 70% do dinheiro que entra para os jogadores é distribuído com base nos minutos jogados. Levando em conta a quantia de dinheiro que entrou na NBA em 2010, os 90 jogadores com mais minutos levam 6.5 milhões, os 90 jogadores seguintes levam 5 milhões, e assim vai indo até os 90 jogadores que mal entram em quadra levarem meio milhão cada um. Então pense num time qualquer: não importa quantas estrelas um time tenha, elas receberão o equivalente a quanto ficarem em quadra. E não faz sentido para um técnico colocar uma estrela no banco sem jogar para “economizar”, primeiro porque não são os times que pagam o salário, segundo que se o dinheiro não vai pra estrela vai acabar indo para o outro jogador que entrar em quadra em seu lugar, e terceiro que os times ganham mais grana de acordo com seu desempenho, então todas as equipes tem incentivo para colocar seus melhores em ação. Aliás, mesmo o jogador que entra pouco em quadra e ganha pouco tem incentivo para dar o seu melhor, porque além da chance de que passe mais tempo em quadra e ganhe mais com isso, também o simples fato de ajudar seu time a vencer garante chance de bônus no final da temporada de acordo com a classificação das equipes. Mas explicaremos isso depois.

Outros 20% da grana que entra para os jogadores seriam distribuídas para os “melhores”. Uma comissão de especialistas votaria no MVP da temporada e os 5 primeiros colocados levariam 5 milhões extras, os 5 seguintes levariam 4.5 milhões extras, e assim por diante, até um total de 25 contemplados. Além disso, essa comissão escolheria o All-NBA Team, os 5 melhores jogadores (cada um de uma posição), mas seriam escolhidas 10 dessas equipes para cada Conferência. Ou seja, são mais 100 jogadores contemplados, com prêmios que começam em 4.8 milhões e vão até 1.2 milhões para os últimos mencionados.

Por último, 10% da grana total destinada aos jogadores premia as equipes melhores classificadas na temporada. Todos os membros dos 4 melhores times ganham 2 milhões adicionais cada, os 4 times seguintes levam 1 milhão pra cada jogador, e os 4 restantes levam meio milhão. As 16 melhores equipes premiam todos os seus jogadores então – e tudo, lembrem-se, sem que os donos tenham que tirar nada dos seus bolsos.

E se um jogador não puder entrar em quadra porque está machucado, como fica? Para isso, 3.5% da grana total para os jogadores vai para um fundo destinado a eles. Se o cara se machuca e perde mais do que 50 jogos, pode receber o mesmo salário que recebeu na temporada anterior. Se ele perde 35 jogos, pode receber 90% do salário da temporada anterior. Se ninguém se machucar o dinheiro fica lá, acumulando para caso um jogador que jogou muitos minutos numa temporada se machuque na outra.

Como fica esse sistema em quadra, que para nós fãs é o que importa? Não existe contrato entre os jogadores e os times, então o jogador vai jogar onde quiser. O que interessa pra ele é que consiga estar num time vencedor, para ganhar os bônus, e que possa lhe dar muitos minutos de jogo. O que impede as superestrelas de jogarem todas juntas é que não há minutos para todas na mesma equipe, então quem está preocupado com salário vai querer jogar em outro lugar. Todos os jogadores vão ter incentivo para dar o máximo em quadra, porque não dá pra assinar um contrato enorme e parar de jogar, ficar gordo ou levar arma pro vestiário. Jogadores que passam a jogar muito de uma hora para a outra serão recompensados como merecem, e novatos que chegam destruindo e viram titulares ganharão o dinheiro devido ao invés daqueles salários mínimos que os novatos recebem hoje em dia.

Não precisa existir teto salarial, os donos não precisam pagar salários, a liga fica competitiva. Segundo os donos, contratos imbecis dados para sujeitos como Eddy Curry, Jerome James e Rashard Lewis é que levam as finanças da NBA para o buraco, e com esse novo sistema esses contratos nunca existiriam. Por outro lado os jogadores não estariam abandonados, os salários seriam iguais ou maiores do que são hoje em dia, e haveria até mesmo cobertura em caso de contusões.

Para ter uma ideia mais adequada de como seria na prática, coloco aqui os salários que seriam pagos segundo o Elrod Enchilada dentro desse sistema. As superestrelas, no topo da liga e em times vencedores, ganhariam entre 16 e 18 milhões de dólares por ano (LeBron, Kobe, Dwight Howard, Kevin Durant, etc). Outras estrelas menores, entre os 25 melhores da NBA, ganhariam entre 13 e 15 milhões. Os outros jogadores titulares bons, mas não espetaculares, entre os 100 melhores da NBA, ganhariam entre 8 e 10 milhões. Os titulares menos importantes e os reservas mais importantes ganhariam entre 5 e 7 milhões. Os jogadores do fim de banco, mas que entram em quadra, ganhariam cerca de 2.5 milhões. Lembrando sempre que esses valores podem ser ainda maiores de acordo com a classificação de cada time na temporada.

Do ponto de vista financeiro, a proposta é praticamente impecável. Restam apenas algumas questões, como quantos anos cada jogador ficaria em suas equipes. Enchilada sugere que ao aceitar ir para uma equipe, o jogador deve ficar lá por 5 anos – a menos que seja trocado antes disso. As trocas, aliás, seriam totalmente livres porque não haveria teto salarial nem contratos de pagamento fixo, basta trocar um jogador por outro e fim de papo. Se um jogador acabar caindo numa equipe que lhe dê menos minutos, resta esperar o fim do vínculo de 5 anos com a equipe anterior e aí escolher sua próxima equipe.

Os problemas com essa proposta são basicamente ideológicos, porque ela joga pela privada a ideia de oferta e de procura e, principalmente, a dependência entre jogadores e donos. O Enchilada sequer toca nesse ponto, mas tomo a liberdade de enfrentá-lo: nesse sistema, os jogadores poderiam até mandar os donos ir plantar coquinho se quisessem. Digamos que a divisão fosse 57% para os jogadores e 43% para os donos. Oras, bastaria que os jogadores pegassem esses 43% e dessem para uma diretoria deles, contratada por eles, para cuidar de coisas como transporte, ginásio, centros de treinamento, funcionários, etc. O dinheiro para essa parte prática seria admnistrado por funcionários contratados, colocando finalmente o poder nas mãos de quem mais interessa na NBA: os jogadores. Estamos bastante acostumados com a ideia de “donos” na NBA e no esporte em geral, mas outros modelos como o proposto por Echilada acabam mostrando, meio sem querer, que outros modos são possíveis. Os jogadores continuariam com seus salários bem parecidos com como são hoje, mas com critérios definidos que evitariam a necessidade de um dono para “oferecer” a grana e assinar contrato, e esses jogadores seriam donos eles próprios daquilo que produzem: as partidas de basquete.

Mas aí é comunista, né?, muitos dirão, com sangue nos olhos e baba a escorrer pelos cantos da boca. Então tudo bem, mantém dono, mantém as mesmas equipes e marcas, mantém os jogadores sob contrato, mas pensemos ao menos que existem outros meios, outros modelos. Que tal manter apenas o fundo para jogadores contundidos? Manter uma equipe admnistrativa para arcar com a repassem de dinheiro e os custos da liga que não dependa dos donos, diminuindo o prejuízo deles? Um comissário, como o David Stern, mas contratado pelos jogadores e portanto passível de ser demitido se sair loucamente dando multas pra todo mundo? São apenas ideias rápidas e simples que surgem de um sistema mais complexo, possível, plausível e viável. Mas ideologicamente proibido.

Se alguém ainda tiver alguma dúvida a respeito do sistema de Elrod Enchilada ou não puder ler o original em inglês, pode ficar livre para fazer suas perguntas na caixa de comentários abaixo. Prometo responder todas, seja na própria caixa de comentários, seja num post à parte se as questões forem muitas.

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