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Fiquei sabendo com certo atraso do ocorrido na partida entre Kings e Jazz uns dias atrás. Ron Artest, dizem, ficou completamente pirado e descontrolado em quadra, causando uma situação embaraçosa e um péssimo exemplo para as crianças – quer dizer, para aquelas que não estavam jogando Pokémon. Se você, como eu, não assistiu ao jogo porque pensou que Kings e Jazz ia ser tão legal quanto uma partida de Batalha Naval, então aqui está nosso amigo YouTube para nos deixar interados:
Se você é tão preguiçoso para apertar “play” quanto o Zach Randolph é para pular, ou se seu computador é uma carroça dos tempos de Magic Johnson, vou dar uma resumida no que aconteceu. No segundo quarto do jogo, Harpring e Artest trombaram violentamente e nenhuma falta foi marcada. Artest, então, resolveu jogar o mais fisicamente possível contra Harpring, impedindo a todo custo que ele recebesse a bola. O duelo dos dois no garrafão é algo violentamente cômico e o Artest foi se animando cada vez mais com a brincadeira, gritando, batendo no peito e respondendo à torcida que vaiava sua atuação sem parar. Quando Kevin Martin tomou um tranco duro do Harpring e foi tirar satisfação, Artest separou os dois. E o fez, veja bem, sem tocar no Harpring em momento algum, apenas para evitar o confronto que ameaçava lhe roubar a brincadeira. Aí então voltou para sua partida frenética, que foi encerrada apenas com a chegada de sua segunda falta técnica. Saiu de quadra vaiado, com todos os jogadores do Kings o cumprimentando intensamente.
O Clube de Odiadores do Ron Artest deve dar brindes muito bons. A carteirinha de membro deve valer meia-entrada no cinema, pelo menos. Digo isso porque a reação praticamente geral às atitudes do Ron Ron são de raiva, indignação, ódio e vergonha. Em nome de um mundo de mais paz, amor, harmonia e essas coisas de hippie, vamos deixar a fúria de lado, tomar um Tang de laranja e pensar em algumas coisinhas sobre esporte, NBA e Ron Artest.
Antes de mais nada, NBA não é videogame. Quando ligamos a TV ou o computador para assistir uma partida, estamos vendo pessoas de verdade interagindo numa quadra de basquete batendo uma esfera alaranjada quicante, não pixels virtuais gerados pelo seu Playstation 2. Seres humanos reais, vale sempre lembrar nessa era pós-Duncan, têm emoções. Eu sou um jogador de basquete de araque, nem um pouco competitivo, mas já tive os ânimos alterados em quadra e todo mundo passa por isso. Não digo de dar um chute no saco de alguém, mas de ficar bravo com a atitude de algum jogador e então brincar de não deixar o sujeito tocar na bola, por exemplo. Responder no jogo e se divertir com isso. Seres humanos, destaco, se divertem.
Dá pra ver na cara do Artest o quanto ele estava gostando de tudo aquilo, aproveitando mesmo. Ele degustou a fundo as vaias da torcida, batendo no peito e vibrando, como um vilão daqueles campeonatos bregas de Luta Livre em que o vilão é vaiado por ser “violento” num esporte que consiste de pura violência. Aí o vilão vai lá e mexe com a torcida, é vaiado, cuspido, e tá lá se divertindo. Ele é um artista, aquilo é um espetáculo, ele dá o que o povo quer.
O Artest brincou de vilão, aquele cara que ama ser odiado. Enquanto isso, estava numa brincadeira pessoal com Matt Harpring. Seus olhos brilhavam como os de uma criança que encontra um coleguinha para brincar de lutinha, como os do Coringa ao ver que o Batman tem talento para desafiá-lo, como os do Goku ao ver que o Vegeta vai render uma boa batalha. Os dois estavam num lance todo especial, só entre eles, vendo quem arregava primeiro. Numa falta mais dura de Harpring, que Artest respondeu tacando os braços de seu nêmesis para cima, Harpring saiu com uma falta e Artest saiu com uma falta técnica. Essa era o tom do jogo, e também de toda a NBA.
Ron Artest é um ser humano, sujeito a emoções, com o direito de se divertir, de brincar, de vibrar. De bater no peito, de gritar “no more layups” (“sem mais bandejas”), de responder às vaias. Me entristeço ao ver que tudo que é explícito, ao invés de mascarado, é punido como “loucura” e “uso de drogas” na NBA. Vibre moderadamente, compita moderadamente, reclame moderadamente, bata por baixo dos panos. Basta alguém vibrar de verdade, se divertir inteiramente, bater na cara larga, e lá estão os vídeos surgindo e dizendo que o Artest deve ter se dopado no intervalo. Dopado é quem fica na quadra mudo, seguindo e esquema tático pré-definido, moderado, sem colocar os cotovelos em cima da mesa, sem incomodar ninguém, colocando de lado tudo que é humano e abraçando tudo que é robótico. Queremos mesmo ficar xingando, ridicularizando e reprovando o Artest na esperança de uma NBA bem-educada, inorgânica e totalmente sem sal?
Tive uma idéia genial um dia desses. Vamos tirar o Artest, o Tinsley, o Rasheed Wallace, todo mundo. Vamos colocar no lugar apenas freiras católicas apostólicas romanas. Eu vou torcer para o “Houston Holy Sisters” e o Denis vai torcer para o “Los Angeles St. Marys“. Agora sim, um bom exemplo para as crianças, sem violência, sem pancadaria, sem palavrões ou roupas moralmente ofensivas. As crianças vão continuar no videogame, mas acho que a audiência dessa versão santa da NBA não vai ser pior do que é hoje em dia com o David Stern.
O único problema vai ser quando as freiras começarem a ficar competitivas, o que eventualmente deve acontecer. O que vai acontecer quando uma delas ousar mostrar senso de humor, deitando na mesa dos juízes, e acabar sendo atacada por um torcedor com um copo cheio bem na cabeça? Como será que a freira vai reagir à copada? Aliás, como você reagiria?