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Na NBA, jogadores secundários costumam ter certa dificuldade em serem notados. Marcar 50 pontos numa partida pode garantir uma entrada fácil no mundo da fama, dinheiro e mulheres, mas jogadores especialistas em outras áreas do jogo podem ter atuações fantásticas completamente invisíveis dos olhos do cidadão comum. Um bom defensor, por exemplo, precisa estar num time em que seu trabalho seja necessário, precisa torcer para a equipe ter um ataque competente de modo que ele possa se focar mais na defesa, e acima de tudo precisa estar num time vencedor. São muitas condições ao mesmo tempo, enquanto um bom jogador ofensivo se destaca muito mais até por quem apenas passeia os olhos pelas estatísticas. Mesmo gordo, fora de forma, preguiçoso, todo mundo sabia quem era Zach Randolph porque ele pontuava aos montes, ainda que se isso significasse a derrota de sua equipe. Agora as coisas com nosso gordinho favorito estão diferentes, ele está jogando como nunca, mas pense como excelentes defensores foram completamente esquecidos enquanto lembramos de Randolph pela eternidade.
Apenas faça um teste mental e tente lembrar de onde estão jogando Trenton Hassel ou Yakhouba Diawara, por exemplo, dois excelentes defensores (não vale colar no Google). O pior é que ambos sofrem em busca de minutos porque seus times precisam de outras coisas que os dois não podem oferecer, ou seja, caíram no lugar errado na hora errada. Uma caralhada de jogadores acaba desaparecendo nesse tipo de situação, até mesmo um punhado de pontuadores mais-ou-menos que seriam ídolos em times vencedores. Com o tempo, a ideia de que um jogador precisa estar na situação certa para ser notado começa a ficar mais clara e percebemos que, no fundo, vale mais a pena ser um jogador completamente secundário num time campeão do que ter um baita papel num time fracassado. Ninguém jamais lembraria do Bruce Bowen se ele defendesse num time fracassado, não importa quantas voadoras ele desse na cabeça de seus adversários. Ninguém jamais se lembraria do Mo Williams se ele fosse o arremessador fominha do Bucks. Mas quando o time vence, quando briga por títulos, esses jogadores secundários tornam-se divindades, seus talentos únicos são consagrados, carneiros são sacrificados em seus nomes.
Alguns jogadores percebem isso. Não estou falando dos mercenários estilo Malone, “sou bom pra caralho mas se eu não ganhar um anel de campeão não vão gostar de mim então vou estragar a brincadeira, desequilibrar a NBA e tentar entrar pra história.” Me refiro, sim, aos jogadores bons que percebem que podem ser beneficiados por jogar com jogadores ainda melhores. São jogadores que conseguem colocar seus egos de lado, deixam de canto a vontade de mostrar tudo aquilo que podem fazer, e compreendem que ajudando grandes estrelas ou grandes sistemas acabarão constribuindo para seu próprio rendimento. Um exemplo claro é um dos nossos favoritos aqui no Bola Presa, Ron Artest. No Kings, provou que poderia liderar um time meia-boca, pontuar bastante, jogar de costas para cesta, arremessar do perímetro e defender como ninguém. Sempre forçou arremessos, nunca teve bom senso na hora de arremessar, então seu arsenal ofensivo sempre pareceu bobagem perto de sua defesa espetacular. Nos últimos anos, no entanto, pouco se falou sobre seu talento defensivo, até que ele percebeu que ajudar Kobe Bryant é o melhor modo de ajudar a si mesmo. Alguns jogadores poderiam reclamar de um papel mais limitado, de não poder mostrar todo o poder ofensivo, de abaixar a cabeça e beijar o bumbum de Kobe, dos minutos em quadra, da falta da bola em suas mãos, mas Artest entende a glória que o espera no futuro, quase como a centena de virgens que esperam um terrorista suicida muçulmano. Quietinho, na dele, sem arrumar problemas, sem pedir mais a bola, sem pedir mais espaço na equipe, Artest pode se dedicar à defesa e agora, porque está à vista de todo mundo e tem tudo para ganhar um anel de campeão, seu talento é amplamente reconhecido. Suas chances de levar o prêmio de melhor defensor da temporada nunca foram tão grandes, e olha que com a idade ele nem de longe anda defendendo como nos seus tempos áureos. Mas os torcedores do Lakers vão chupar o dedo mindinho do pé do Artest para sempre caso venha um campeonato, suas técnicas defensivas serão lendárias e um templo será erguido em sua honra. Enquanto isso, aos pouquinhos, mais e mais responsabilidade vai caindo em seu colo. Phil Jackson andou pedindo que Artest seja mais agressivo no ataque, pedindo mais a bola e arremessando mais. Dá pra imaginar que realidade alternativa é essa em que é preciso pedir para o Artest arremessar mais? O que acontece é que fazendo sua função direito, mais e mais espaço vai surgindo para o jogador secundário conforme for surgindo a oportunidade. Pode ser apenas um jogo em que o Kobe está mal e isso já é o bastante para a crítica e o público babarem em cima de uma excelente atuação salvadora de Artest, muito mais fácil do que ter que ficar chutando traseiro todos os jogos para ser percebido em algum time mequetrefe por aí.
Até um jogador pelo qual tenho tanta birra, o Mo Williams, se encaixa nessa história. No Bucks ele era um fominha maluco desesperado por atenção, ignorando ordens técnicas, se recusando a passar a bola para o Michael Redd (então estrela de seu time), arremessando sem critério nenhum. Quando foi para o Cavs, fiquei desesperado com a ideia de um fominha tirando a bola das mãos do LeBron James, mas a verdade é que Mo Williams percebeu rápido que sua vida é muito mais fácil em Cleveland. Se ele obedece direitinho e deixa o LeBron armar as jogadas quando quer, se ele só força arremessos quando o LeBron está no banco ou tendo um dia ruim, ele passa a ser o herói que salvou o dia – sem ter que salvar o time todos os dias. Basta um par de atuações boas quando LeBron está mal, basta se focar nos seus arremessos de fora, basta entender que sua grande chance de figurar entre os grandes está em ser menor do que ele queria ser em Milwaukee.
Curiosamente, Artest e Mo Williams se enfrentaram na rodada de Natal. A gente acabou engasgando de tanto chester (a famosa ave mutante) e passamos uns dias longe do blog, sem comentar a rodada natalina, mas para quem não viu é importante saber que o Cavs chutou o traseiro gordo do Lakers. Artest fez sua parte defensivamente, ao menos aquilo que um mamífero bípede pode fazer quando não está munido de armas de fogo, mas quem realmente deixou sua marca na partida foi o Mo Williams. Acertou suas bolas quando todo mundo esquece que ele está em quadra, não forçou nada e fez muitos pontos fáceis graças à defesa fortíssima do Cavs que voltou a se encontrar. Aliás, muita gente comentou que o Cavs estava fedendo no começo da temporada porque não sabia como encaixar o Shaq direito no ataque. A desculpa foi dada por vários jogadores, incluindo o LeBron, mas é uma baita de uma besteira porque o Shaq mal participa do ataque e a movimentação ofensiva continua aquela merda de sempre. O que o Cavs demorou pra se acostumar foi com o Shaq na defesa, sua presença no garrafão e como isso altera as ajudas defensivas da equipe. O ataque do Cavs é uma vergonha, mas funciona justamente porque todo mundo lá sabe que é secundário, todo mundo sabe seu papel, sabe que está na história por jogar com LeBron James, então ninguém tenta fazer o que não consegue (só o Varejão, mas o bizarro é que ele agora anda conseguindo, está jogando demais no ataque, vai saber de quem ele roubou o talento). A defesa, sim, é que o ganha os jogos para eles e agora que tudo está encaixado novamente, o Cavs volta a figurar entre os favoritos ao título. O Shaq é fundamental nisso porque compreendeu que está velho, quebrado, desdentado e no momento de sua carreira de ajudar outros jogadores mais novos. Ele acha divertido jogar com LeBron, toma umas caipirinhas com o Varejão, não reclama de jogar poucos minutos e nem de ser contratado só pra parar defensivamente outros jogadores específicos (no Suns ele chegou apenas com a função de marcar Duncan, no Cavs sua presença é só para marcar Dwight Howard).
O Lakers não soube lidar com uma defesa tão forte, com um Mo Williams secundário e orgulhoso disso, com uma arbitragem que não estava muito afim de marcar faltas no Kobe a cada entrada no garrafão, e com um Shaq que marcou direitinho o pirralho do Bynum. O Lakers continua sendo o grande favorito para o título e o Cavs volta a ser considerado, mas no grande jogo do Natal em que deveríamos ver o confronto dos melhores do planeta em Kobe e LeBron, quem roubou minha atenção foram os jogadores secundários que escolheram ser secundários e, por isso, brilham muito mais. Nada do Artest fedendo em Sacramento tendo que forçar arremessos ou do Mo Williams sendo um fominha no Bucks, os dois agora sabem que são apenas pequenas peças perto de grandes estrelas – e que serão lembradas pela história graças a isso. Quando o Jarryd Bayless diz que quer ser o Mo Williams para o Brandon Roy interpretando o LeBron, então, ele tem muita razão: aceitar ser um jogador secundário costuma ser mais recompensador do que tentar ser uma estrela solitária, e não faltam oportunidades de brilhar. Quando o Brandon Roy marcou 41 pontos contra o Nuggets na noite de Natal para ganhar o jogo numa boa, o Bayless não precisou fazer bulhufas, mas quando o Roy sentou no jogo anterior com dores no ombro, Bayless enfiou 31 pontos na vitória contra o Spurs. É possível ser inconstante, é possível ser mais-ou-menos, basta estar do lado das pessoas certas e aceitar isso. Aceitar, no universo de ego da NBA, é a parte mais difícil, claro. Tracy McGrady, por exemplo, não muito depois da minha análise sobre a oportunidade de ouro que estava recebendo com pouquinhos minutos em Houston, resolveu ir embora pra casa descontente com seu papel na equipe. Dizem que ele usava uma máscara de Allen Iverson enquanto fazia isso, mas não posso confirmar. Só posso afirmar que é preciso cabeça para aceitar um papel secundário, e que é bom ver o sucesso daqueles que topam. Mas sobre o T-Mac e seu futuro, a gente conversa depois. Será que algum time se interessa pela ex-estrela? Será que ele entende, como Shaq, que já é hora de ajudar os jogadores mais novos a terem espaço em quadra? Para seu bem, esperamos que sim.