>Ser diferente

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Alguém se lembra da época em que o LeBron se atrevia a não dar o último arremesso?

Acho que todos sabemos o quanto nossa sociedade tem problemas com o “diferente”. Aquele que não segue os padrões, seja nos atos, na vestimenta ou na ideologia, sempre foi alvo de recriminação e discriminação. Não se preocupe, meu post hoje é um pouco mais sério mas não será um tratado sobre sociologia e nem uma daquelas palestras sobre preconceito e DST que todo mundo tem na 7a série da escola e acaba dormindo. Mas é que os problemas que o “fazer diferente” carregam na vida em sociedade são inúmeros e se arrastam também para o mundo do basquete, o que nos leva ao tema de hoje.

Todo mundo que acompanha NBA (ou seja, todos os jogadores frustrados ou aposentados, tanto leigos quanto especialistas) tem uma idéia de como os grandes jogadores devem ser. Como devem agir, como devem jogar, como devem falar, de que maneira devem dominar o jogo. Essa visão, influenciada aos poucos ao longo dos anos por grandes estrelas do passado, molda o caminho para os jovens que entram anualmente na Liga. Em suma, isso significa que quando o novo astro do colegial entra na NBA, ele é imediatamente “o novo Jordan”, não um garoto que deve achar sua própria imagem, sua própria voz e seu próprio estilo. Toda vez que ele “ousa” fazer algo pessoal mas que Jordan jamais faria, imediatamente sai do caminho que lhe foi traçado pelos frustrados fora das quadras. O objetivo é transformar o novo astro numa cópia fiel e segura do antigo, uma repetição daquilo que sabemos que já funcionou antes. O pirralho não pode transformar-se naquilo que é, deve transformar-se em outra pessoa.

Uma cena em particular me vem à cabeça e ilustra isso tudo muito bem. No primeiro jogo das Finais da Conferência Leste entre Pistons e Cavs, a equipe de Cleveland perdia por três pontos nos segundos finais. LeBron James estava com a bola em mãos, partiu para dentro do garrafão e então, de repente, para o espanto de todos, passou a bola para um Donnyell Marshall livre na zona morta. O Marshall errou porque é um grosso e então o mundo, assustado, quis o sangue do LeBron com a mesma intensidade com que o Brasil derrotado na Copa queria o sangue do Roberto “vou arrumar a meia” Carlos. Como assim o LeBron se atreveu a passar a bola para um companheiro livre? O Jordan teria simplesmente deixado a marcação no chão, parado no ar como o Dadá Maravilha e acertado um arremesso no estouro do cronômetro. É assim que os grandes jogadores fazem, quem o LeBron pensa que é para tentar ser diferente? Que idéia estúpida é essa de passar a bola para um companheiro livre na hora que mais importa?

LeBron James foi imediatamente chamado de amarelão, cagão, bunda-mole, esses xingamentos de criança quando o coleguinha não tem coragem de colocar cola na cadeira da professora. Tudo porque o LeBron não assumiu a responsabilidade, não quis decidir. O fato dele passar a bola para um companheiro (que aliás ganha mais de 10 milhões de dólares, dedica a vida a treinar arremessos de 3 pontos e estava livre e bem posicionado) não é importante. Ficou marcado para sempre aquele ato de não-arremessar, simplesmente porque Jordan arremessaria.

Depois de vencer o Pistons com 29 dos últimos 30 pontos do Cavs no jogo, além de ser o único jogador da equipe a pontuar nos últimos 13 minutos de partida e ainda acertar o arremesso da vitória, ninguém mais se lembrava que o LeBron havia, pouco antes, saído do caminho pré-concebido para ele. Com uma atuação digna de Jordan, será lembrado para sempre por aquela partida, e não irá mais passar para um companheiro livre no final do jogo. Antigamente, LeBron passava a bola toda bendita vez em que sofria uma marcação dupla. Vários adversários faziam a marcação no meio da quadra, simplesmente pra tirar a bola das mãos do LeBron. Agora, ele enfrenta na força física os defensores que dobram em cima dele. É um novo homem. É um novo Jordan.

Yao Ming, o chinês favorito de 10 em cada 10 chineses (quer dizer, tirando os milhares de familiares do Yi Jianlian, claro), chegou na NBA com algumas terríveis barreiras: o idioma, a cultura, o preparo físico. Era incapaz de correr para cima e para baixo da quadra durante muito tempo, sofria com o contato no garrafão e o principal: se negava a enterrar, menosprezando o adversário, e se negava a ter um papel na equipe que fosse mais importante do que todos os outros companheiros. Na China, uma equipe não pode ter uma estrela, todos têm valor igual. O Yao poderia ser para sempre um jogador humilde, incapaz de monopolizar o jogo, enterrar e gritar na cara dos outros pivôs. Mas todos os jogadores frustrados que assistem esse esporte esquisito já viram pivôs dominando jogos e sendo campeões antes. E eles fizeram isso de forma física, agressiva, brutal. Shaq quebrou narizes e tabelas em seu caminho para ser um dos jogadores mais imparáveis da história da NBA. O Yao Ming ousava querer dominar os jogos dando arremessos cheios de classe? Esse chinês evita o contato debaixo da cesta e fica arremessando livre de fora do garrafão? Como assim ele não está enterrando na cabeça de todo mundo apesar de ter a altura das pernas da Ana Hickmann?

As críticas mudaram LeBron James no meio de uma série de playoffs. Já Yao Ming, por sua vez, levou anos e anos para largar sua identidade e começar a dar cotoveladas, brigar por posição embaixo da cesta e enterrar na cabeça de um monte de gente. Seu forte nunca foi a explosão (principalmente depois de quebrar uma perna, que nunca foi a mesma desde então) mas a atitude é completamente diferente. Ele grita, berra, enterra e encara. É um tipo importado de Shaq que, estranhamente, acerta lances livres. Defeitos da pirataria.

Eu nunca vou me esquecer da atuação puramente individual do LeBron, e eu vibro com cada enterrada do Yao Ming na cabeça dos desavisados que ainda imaginam que ele só vive de ganchinhos. Mas ao mesmo tempo em que vibro e me divirto, também fico muito triste porque traços únicos de suas personalidades e estilo de jogo foram simplesmente arrancados fora para cumprir os padrões alheios de milhões de torcedores. Todos queremos ver enterradas, arremessos de último segundo, jogadores marcando 81 pontos, todos gritamos e pulamos diante desses feitos. Mas eu, pessoalmente, vou continuar dando meu sorriso, discreto porém profundo, toda vez que uma estrela decidir não dar o último arremesso. Toda vez que o Jason Kidd deixar de fazer um triple double porque não conseguiu chegar aos 10 pontos. Toda vez que o Ben Wallace dominar um jogo sem fazer nenhuma cesta e dando três air balls em lances livres. Toda vez que aquele time resolver contrariar a regra e simplesmente não se importar com essa tal de “defesa”. Toda vez que um time for para os playoffs com jogadores problemas que dão tiros para cima, ou apenas com pivetes despreparados. Toda vez que uma estrela der uma resposta desbocada como o Sheed, arremessar esquisito como o Shawn Marion ou não sair nunca do chão como o Nash. Toda vez que um jogador sair dos padrões.

Toda vez que o Yao Ming receber a bola e resolver dar só um ganchinho.

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