>Síndrome de Clark Kent

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É um pássaro, é um avião? Não, é apenas um pivô meia-boca
Muita gente diz que draft é loteria, tipo pênalti, e que não dá para prever absolutamente nada. Pessoalmente, acho draft mais parecido com Big Brother: não dá pra prever quem vai ser gostosa, bonitinha, baranguinha, mas dá pra pelo menos ter certeza de que algumas vão ser capa da Sexy e pelo menos uma vai ser capa da Playboy. Peguemos como exemplo o draft de 2004, por exemplo: não tinha como saber quem o Orlando deveria escolher com a primeira escolha, naquela eterna dúvida entre Dwight Howard e Emeka Okafor, mas era fácil saber que daquele draft algum pivô daria muito certo. O Okafor acabou tendo problemas físicos, passou por um punhado de lesões, mas mostrou ser uma presença defensiva sólida, embora não seja grandes merdas. Ou seja, capa da Sexy pra ele. Isso quer dizer que o Dwight é quem deu certo e virou capa de Playboy? Nada disso. Cada vez mais vou me convencendo de que o auto-intitulado “Super-Homem” é bem capenga e vou começando a achar que a capa da Playboy, eventualmente, vai acabar ficando para algum outro mané daquele draft – talvez até o Anderson Varejão e a população de anões que vive no cabelo dele.
Com a falta brutal de pivôs que presenciamos nos últimos anos, especialmente quando o Shaq começou a definhar, recebemos com muito entusiasmo o jogo de Dwight Howard. O melhor pivô restante na NBA era o Yao Ming, que não é muito fã de ficar embaixo da cesta, então a chegada de alguém na posição capaz de enterrar e dominar fisicamente levou um sorriso ao rosto de todos os saudosistas. Acontece que, embora tenha um físico tão absurdo que contém até alguns músculos nunca antes registrados pela ciência humana, o Dwight Howard chegou tão cru na NBA que não era capaz de usar sua força para dominar o garrafão. Como grande parte dos pivôs badalados de draft, a graça estava toda no potencial, e o simples fato de que ele fosse capaz de produzir um pouquinho na vida real já era um baita bônus. Todos nós esperamos o garoto evoluir, melhorar seu jogo, e aos poucos fomos vendo sua personalidade desabrochando. Lembro de ler em pânico reportagens sobre o Dwight, antes do draft, descrevendo o garoto como ultra-religioso, sério, sem emoções dentro de quadra, porque eu já tinha pesadelos com a ideia de ter que assistir outro Duncan na NBA. Mas Dwight foi se mostrando cada vez mais descontraído, divertido, carismático, um cara que salva gatinhos de cima das árvores, tomaria chá com biscoito com a sua vó, e que nenhum ser vivo nesse planeta ousaria falar mal. Treinado por Patrick Ewing, seu jogo foi aparecendo também, com um arsenal de ganchos e giros que pegou todo mundo de surpresa no começo da temporada passada.
Parecia pronto para dominar os garrafões, fazer todo mundo rir e virar uma estrela indiscutível, aos trancos e barrancos chegou a uma final de NBA e ganhou grandes reforços em seu time para essa temporada. História bonita. O único problema em seu plano de se tornar o melhor jogador de garrafão da NBA é que, bem, ele fede um bocado.
Os ganchinhos que ele aprendeu com Patrick Ewing eram legais quando surgiram, ele até chegou a tentar uns arremessos de meia-distância, mas rapidinho a execução risível tornou as jogadas batidas e as defesas aprenderam a lidar com ele ofensivamente. O arremesso ele abandonou logo, o gancho não é lá muito confiável, e não há muito que se possa fazer fisicamente para desequilibrar um jogo quando existem problemas graves para receber a bola no garrafão, segurar a bola com as duas mãos e encontrar companheiros livres quando a marcação dobrar. Aos poucos, as falhas técnicas do Dwight e sua dificuldade em evoluir seu jogo foram deixando o pivô meio inútil lá debaixo da cesta.
Não adianta dizer que o esquema tático do Stan Van Gundy não ajuda muito o pivô. O Magic joga com quatro jogadores abertos, todos capazes de arremessar de trás da linha de três pontos, e para o esquema seria sensacional se o Dwight criasse pânico suficiente atacando a cesta para que os arremessadores pudessem ficar livres. Mas, quanto mais a bola fica nas mãos do pivô, menos ela gira em direção aos armadores, mais desperdícios de bola acontecem e mais truncado o jogo fica. Dwight não é um bom passador, não encontra os arremessadores livres, não consegue jogar direito de costas para a cesta, tem problemas em se posicionar para receber a bola, e quando recebe tem uma grande tendência a perdê-la ou sofrer a falta. Como seu aproveitamento de lances livres é tão plagiado do Shaquille O’Neal que deveria até rolar um processo por direitos autorais, os arremessadores do Magic ficam apenas olhando as bolas desperdiçadas enquanto se mantém a uma distância segura do aro, o que não dá certo. O Dwight Howard pediu mais arremessos, chorou que participava pouco do ataque, e o esquema tático já mudou, tentando incluir o pivô descontente. O resultado foi uma droga e a tática da bola nas mãos dos arremessadores já voltou ao normal. O Magic é muito mais eficiente quando Dwight apenas chama atenção sendo grande e forte no garrafão, lutando por rebotes ofensivos e enterrando bolas fáceis. Não é um trabalho muito glorioso nem muito nobre, não torna ninguém uma grande estrela e não garante vaga no Hall da Fama do basquete, mas é o que melhor cabe ao Howard e a um monte de outros jogadores secundários de garrafão por aí. É que o pivô do Magic calhou de ser maior e mais forte, mas seu papel não pode ser muito diferente dos outros carregadores de piano que a NBA tem a granel. Não adianta achar que ele vai desequilibrar todos os jogos, ganhar sozinho, botar anel de campeão no dedo e chamar a responsabilidade. Quer dizer, chamar a responsabilidade ele até vai, mas para fazer caca – então, o melhor é que não chame.
Recentemente, o Orlando Magic passou por uma sequência de 4 derrotas seguidas que mostraram muito bem como o Dwight influencia seu time, como seu jogo é limitado, e como seu papel deveria ser cada vez mais e mais secundário. A primeira derrota veio contra o Bulls, um time notoriamente limitado em seu garrafão – problema mais velho nesse time do que ficha de fliperama. Dwight Howard acertou apenas 3 de seus 7 arremessos, além de 3 de 8 lances livres. Com um aproveitamento tão fraco, o Magic chutou 37 bolas de três pontos (provavelmente mais do que o Bobcats arremessa de qualquer lugar da quadra num jogo inteiro), acertando 14 arremessos. Enquanto isso, o Bulls arremessou apenas 5 bolas de três pontos no jogo inteiro. Cadê a presença defensiva do Dwight que deveria amedrontar os adversários? Defensor fraco no mano a mano, assistiu o Bulls atacar a cesta o jogo inteiro e saiu de quadra com a derrota.
Contra o Pacers o negócio foi mais feio porque seu adversário direto foi Roy Hibbert, pivô que está apenas em seu segundo ano de NBA. O Hibbert está tendo uma bela temporada, mas contra o Dwight ele teve a melhor partida da carreira, chutando o traseiro ultra-musculoso do Howard. Foram 26 pontos numa infinidade de giros e arremessos de média e longa distância, um monte deles sem que o Dwight Howard sequer conseguisse levantar os braços. A técnica do pirralho do Pacers deixou Dwight com excesso de faltas o jogo inteiro e eliminou o coitado com 6 faltas no quarto período. O resumo do jogo fica nesse toco do Hibbert em cima do Dwight: enquanto o segundo-anista abusa nos ganchos, giros e arremessos de longe, o Howard não consegue sequer dar um gancho sem entregar a bola pro defensor, é patético e dá até vontade de colocar no colo e amamentar, de tão coitado. Ao todo, acertou apenas 2 dos 6 arremessos que tentou.
Contra o Raptors, que no fundo joga num esquema bem parecido com o Magic (quatro abertos, mas sem um pivô de verdade porque o Bosh prefere ficar nos arremessos), o Dwight Howard conseguiu ser mais ativo no ataque, recebendo bem mais a bola para abusar da falta de altura do time do Canadá. Foram 20 pontos, mas aí podemos perceber bem o que acontece quando o Dwight é bastante acionado pelo ataque: perdeu 9 bolas, cometeu 4 faltas só no 3o período (a maioria de ataque), e impediu que a bola ficasse nas mãos do Vince Carter. É incrível como eles se anulam, porque o Carter precisa muito ter a bola com ele para ser minimamente efetivo. Ele segura demais a bola às vezes, mas compensa com criatividade e liderança, coisas que faltavam ao Magic da temporada passada. Mas sem a bola, frio, dando apenas 7 arremessos na partida (e acertando só dois), não havia ninguém na equipe para decidir o jogo no quarto final. Esse é um problema sério do time que só bota medo mesmo nos playoffs, quando decidir os jogos é realmente crucial.
Contra o Wizards, que também tem problemas de tamanho, o Dwight teve mais uma boa partida, acertando 9 dos seus 13 arremessos. O problema é que, além de não ter defendido o Haywood como deveria, a bola presa no garrafão interfere o jogo de perímetro do Magic: foram 7 arremessos certos em 27 tentados. Quando isso acontece, pode ter certeza de que o jogo virou farofa. O legal desse Magic é que, com as aquisições de Gortat, Brandon Bass e Ryan Anderson, o time podia usar vários modos diferentes de jogo. Dava para ter um jogo focado no garrafão, com defesa forte e rebotes ofensivos, dava para jogar com 4 abertos, e dava para jogar sem ninguém embaixo da cesta. Mas mesmo com o Rashard Lewis suspenso naquele caso de doping, o técnico Van Gundy manteve a mesma formação tática, pouco usou o Bass (que, vale lembrar, não saiu a preço de banana), e insiste em bater sempre na mesma tecla. É como se usar o Dwight no ataque não funcionasse e ele então jogasse qualquer outra ideia no lixo. Ele e o técnico Mike Brown, do Cavs, podiam dar as mãos e pular no abismo – mas como seus times vão para as finais do Leste pela próxima década, o emprego desses babacas está garantido enquanto eu conto moeda pra pegar o busão.
Para azar do Dwight, a sequência de 4 derrotas seguidas só foi quebrada contra o Hawks num jogo completamente coletivo da equipe – e focado no perímetro. Dwight converteu só 4 arremessos, mas o Van Gundy disse ter distribuído mais a chamada de jogadas para todos os jogadores (leia: todos os jogadores que não pisam dentro do garrafão) e o resultado foram outros 6 jogadores, fora o Dwight, com mais de 10 pontos e todos eles com pelo menos uma bola de três pontos convertida. Não é um esquema tático que obriga os jogadores a se encaixarem, mas um time limitado que funciona assim, abraça isso como identidade, escolhe um modo de jogo e o leva à perfeição, e enquanto isso tem que encarar um pivô superestimado chorando que não participa do ataque mesmo que seu jogo não tenha qualquer traço de evolução desde o começo da temporada passada. É claro que esse Magic poderia fazer bem mais do que arremessar de três se quisesse, dadas as armas disponíveis no banco, mas o Dwight não está nesse plano. Seu papel é secundário e seu espaço nos holofotes, como estrela, se deve mais aos músculos alienígenas e ao humor politicamente correto (ele faz piada sem puxar armas contra ninguém, o que é um baita lucro). Ainda torço por um Dwight que domine os garrafões da NBA de verdade, mas ando perdendo minhas esperanças – enquanto Anderson Varejão evolui seu jogo mais e mais, ampliando seu arsenal ofensivo. Nesse ritmo, em 2026 terá passado o Dwight Howard em pontos por jogo. Em 2246, Varejão provavelmente já será melhor do que o Shaq.

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