Dois recordes históricos se enfrentaram no domingo e apenas um deles poderia sair vivo. Por um lado, Warriors precisava da vitória para manter viva a chance de acumular 73 delas na temporada, algo nunca antes conquistado, e que pode finalmente acontecer quarta-feira que vem após uma vitória em cima do Grizzlies. Por outro lado, Spurs precisava da vitória para manter viva a chance de acabar uma temporada sem perder nenhum jogo em casa, algo que eles poderiam realizar ganhando do Warriors e, terça-feira, do Thunder para fechar a campanha. Os dois recordes entraram em quadra mas só poderia restar um deles ao final da partida. Acabou levando a melhor aquele time de que ninguém mais aguenta falar e que a gente mal aguenta escrever: o Warriors empatou o número de vitórias histórico do Bulls de 1996 e tem agora a possibilidade de ultrapassá-lo na última partida da temporada.
Embora estejamos cansados de saber do recorde de vitórias, da dominância do Warriors na temporada e do futuro prêmio de MVP para Stephen Curry – algo que deve ser equivalente a ler os jornais quando o Cometa Halley passa pelo planeta Terra a cada 75 anos – há algo de inesperado nesse fim de trajeto para os atuais campeões. Tendo perdido dois dos últimos três jogos, com derrotas para Celtics e Wolves, o Warriors teve que pegar um Spurs que bizarramente ENTROU PRA VENCER. Depois disso, o Warriors passou sufoco contra um Grizzlies pelado de seus jogadores principais mas não de sua sede de sangue, e aí foi hora de pegar o Spurs de novo, que ENTROU DE NOVO PRA VENCER. Ou seja, pra manter o recorde vivo os atuais campeões tiveram que enfrentar o Spurs duas vezes na reta final, com a equipe de San Antonio escolhendo jogar com força máxima, testando novas estratégias e buscando opções. Ao invés de descansar suas principais estrelas como é costume no final da temporada, o técnico Popovich resolveu tentar manter o recorde do Spurs vivo, estragar a festinha do rival, e também encontrar uma maneira sistemática de derrotá-los. Como resultado, tivemos dois embates frontais entre equipes históricas – um Cometa Halley cada uma – com apenas dois dias de intervalo entre eles. Foi um raro gosto de playoff nesse fim de temporada que demora para finalmente se extinguir.
[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Está oficialmente aberta a temporada de caça ao Curry”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/04/caça-ao-curry.jpg[/image]
Esse clima de pós-temporada ficou evidente logo no início do jogo de quinta-feira, quando Gregg Popovich pediu um tempo técnico com menos de um minuto decorrido na partida por Danny Green ter errado a rotação defensiva e ter deixado no processo Klay Thompson sozinho no perímetro para acertar uma bola de três pontos. Poucos minutos depois Draymond Green tomou uma falta técnica por discutir com a arbitragem após tentar ser físico contra Tony Parker numa disputa por rebotes. Essa foi a tônica do jogo: Tony Parker deu um esporro em Tim Duncan por ele não ter se aproximado quando o armador foi sufocado no canto da quadra por uma marcação dupla; Manu Ginóbili deu o mesmo piti com Danny Green no segundo jogo em situação bem similar. Na defesa também não faltou reclamação: tanto Parker quanto Ginóbili deram broncas em LaMarcus Aldridge quando ele errou a rotação e deixou que armadores do Warriors infiltrassem rumo à cesta para receber a bola na passada. Do outro lado teve Steve Kerr tão furioso com o excesso de desperdícios de bola do Warriors que teve que descontar na lousa:
Aliás, impossível ver o Kerr ficar finalmente nervoso e a canetinha voando ali lindamente pelo ar e não lembrar disso aqui:
Não há dúvidas de que os ânimos estavam exaltados, basicamente porque ambas as equipes sabiam que precisavam ser perfeitas na execução. Os turnovers do Warriors custaram muito caro porque o Spurs sabe usar bem suas posses de bola; as falhas defensivas do Spurs foram punidas com pontos fáceis que de repente inflaram o placar a ponto de não dar mais tempo de correr atrás.
Mas erros à parte – que aconteceram com frequência justamente porque os times estavam um tanto fora de suas zonas de conforto – deu pra perceber bem quais foram as estratégias que as equipes empregaram e quais foram os ajustes de uma partida para a outra. Ofensivamente, o Spurs escolheu manter a tática de colocar a bola dentro do garrafão o máximo possível, com LaMarcus Aldridge tentando estabelecer posição o mais fundo que ele conseguisse em quadra para então acioná-lo, em geral com passes altos e longos por cima dos defensores. Quando Aldridge tirou um dedo do lugar – e depois voltou para jogar mesmo sentindo muita dor, e depois jogou o segundo jogo sentindo óbvio desconforto, sinal da importância da partida – quem ficou recebendo passes forçados no garrafão foram David West e Tim Duncan. Quando os dois tiveram aproveitamento muito ruim embaixo da cesta, tendo a bola constantemente interceptada, foi a vez de Kawhi Leonard encarar o garrafão. Embora a prática funcione com frequência considerável e explore a falta de tamanho do Warriors, ela também gera muitos turnovers que permitem ao Warriors jogar em velocidade. Apenas Aldridge consegue manter a posse de bola no garrafão com frequência, mas a partir do momento que começou a ser dominante, passou a receber marcação dupla de Klay Thompson e a rotação do Spurs não dá conta de usar esse espaço para gerar arremessos livres do perímetro com frequência. Já vimos esse fetiche do Popovich por ultra-alimentar o garrafão contra o Warriors antes, e continuo sem muita segurança de que essa tática é viável a longo prazo.
Ofensivamente o Spurs teve mais sucesso com uma tática bem diferente: um corta-luz seguido de outro na altura da cabeça do garrafão para Tony Parker, e às vezes Kawhi Leonard, arremessar de média distância. Esse espaço entre o garrafão e a linha de 3 pontos é onde o Warriors tem mais dificuldade em defender, e foi de onde saíram os pontos mais fáceis da equipe de San Antonio.
Enquanto isso, do outro lado da quadra, o Spurs fez um excelente trabalho em manter Stephen Curry longe da bola. Isso inclui marcação pressão sobre o armador o jogo inteiro, quadra inteira, sem espaço para arremessos do meio da quadra, e troca em todo corta-luz mesmo longe da bola para impedir que existam mal entendidos de quem deve estar no Curry. No primeiro tempo do primeiro jogo Curry praticamente não conseguiu jogar, mas o Warriors usou como bola de segurança o tamanho de Klay Thompson contra Parker ou outros defensores igualmente mirrados; na ausência dele, Shaun Livingston fez o mesmo. Quando Kawhi ficou em Klay Thompson, Draymond Green teve a pressão de criar pontos, o que sabemos que é sempre uma caixinha de surpresas, mas em geral teve saldo positivo. Seguindo a mesma movimentação defensiva do Celtics na vitória contra o Warriors – com a exceção de que Klay Thompson teve marcação individual – o Spurs fechou a linha de fundo e o garrafão, forçando passes longos para o perímetro que em geral só encontram Harrison Barnes e Draymond Green livres. Forçá-los a chutar parece ser o melhor que o Spurs pode conceber no momento, e realmente diminuiu o poder ofensivo do Warriors. Foi só no segundo tempo quando Stephen Curry começou a infiltrar e usar o espaço entre o perímetro e o garrafão para pontuar que o Warriors realmente deslanchou.
No segundo jogo, Curry resolveu usar esse espaço com mais intensidade desde o começo do jogo, abusando de floaters por cima da marcação e de arremessos curtos sem infiltração. As infiltrações do Warriors dependem muito de passes que são feitos NO LIMITE, nos segundos decisivos, a centímetros das mãos dos defensores, e um time disciplinado taticamente como o Spurs acaba interceptando muitas dessas bolas. Contra o Spurs fica óbvio que o Warriors peca por passar a bola DEMAIS, mas é que as bandejas que o time consegue dependem disso. O jogo de meia distância do Curry tem sido uma resposta para isso. Curiosamente o Spurs também caminhou mais nessa direção no segundo jogo: ao invés de insistir com as bolas embaixo da cesta, a tentativa da vez foi alimentar LaMarcus Aldridge no jogo de meia distância, com uma série de pick-and-pops, com Aldridge correndo para longe da cesta após o corta-luz ao invés de fazer o contrário. Nisso Aldridge foi simplesmente matador e o Warriors não encontrou arma para pará-lo. O problema é que isso não foi suficiente, especialmente porque Aldridge mais afastado da cesta retirou um bocado de espaço do Kawhi Leonard no perímetro. Talvez num dia melhor ele tivesse criado espaço na marra, mas no domingo teve dificuldade demais para arremessar e seu jogo de costas para a cesta sofre demais com a muvuca eterna que o Warriors consegue estabelecer no garrafão com quem vai se aproximando do aro aos poucos ao invés de com um passe direto.
[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Ginóbili em modo ‘já estava assim quando eu cheguei'”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/04/ginobili.jpg[/image]
Curiosamente, o que vi o Spurs fazer de melhor no segundo jogo foi interromper as jogadas favoritas do Warriors de uma maneira bem simples e eficiente: fazendo faltas. Manu Ginóbili é o rei cósmico disso, sabendo parar contra-ataques e erros de rotação com uma faltinha marota que permite ao seu time reconstruir a defesa. Toda vez que alguém errava a marcação, lá estava o argentino – e outros secundários do Spurs – para parar a jogada com uma falta ou um chute na bola. Basicamente é admitir que um erro é suficiente para acabar com o jogo – aliás, foi uma sequência de erros que tornaram de repente um jogo disputado numa partida perdida – e então usar a inteligência e a experiência para interromper os erros no meio e permitir ao Spurs se reestruturar. Além disso, vimos pela primeira vez o Spurs testando – já com a partida perdida, é verdade, com 9 pontos de desvantagem a 1 minuto do fim – uma defesa quadra inteira pressionada com marcação dupla no Stephen Curry. Essa loucura, que teria tudo para gerar cestas fáceis, levou o Warriors a tentar passes arriscados demais, perder a bola e em última instância sair de seu plano de jogo. Se usada ao longo do jogo em momentos sortidos, essa tática tem chances de dar um susto considerável, especialmente quando o Warriors estiver confortável demais com a partida.
Já temos diante de nós uma série de variações possíveis do Spurs e do Warriors para os playoffs que se aproximam e, mais importante, para uma eventual série entre os dois. O recorde do Warriors foi aquele que se manteve vivo após esses dois últimos confrontos, mas no fim apenas um time vai levar o anel de campeão para casa, e nenhum recorde histórico fará diferença nesse momento. Eis o maior dos cometas: a chance de ver o que essas equipes extraordinárias farão na pós-temporada para coroar suas campanhas históricas com um título de campeão. Podem vir, playoffs!