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Em 2009 a grande brincadeira era que o San Antonio Spurs voltaria para ser campeão de novo. Afinal eles foram o time mais estável dos últimos 10 anos mas nunca conseguiram vencer dois títulos em sequência, insistiam em vencer só em benditos anos ímpares: 1999, 2003, 2005 e 2007. Mas a volta por cima não foi o que aconteceu, o Spurs tomou de 4 a 1 do quase sempre freguês Dallas Mavericks e começamos a achar que a era de ouro de Tim Duncan e Gregg Popovich começava a virar passado.
Sentindo a mesma coisa, Popovich e o General Manager RC Buford mudaram uma de suas regras básicas nesses anos de sucesso e decidiram abusar no dinheiro e trocar por Richard Jefferson. Ultrapassariam o limite do salary cap, pagariam multas e tudo isso que eles sempre abominaram, mas parecia o jogador que faltava para dar um empurrão no envelhecido time. Não foi o que aconteceu, Jefferson teve uma temporada bem abaixo da média no ano passado e a única ajuda além do trio Duncan, Ginobili e Parker veio de contribuições esporádicas dos jovens George Hill e DeJuan Blair. Pouco para compensar as várias contusões e maus momentos de vários jogadores do elenco.
Para essa temporada a grande esperança estava na adição do brazuca Tiago Splitter, que se consagrou na última temporada espanhola e teria tudo para ser um novato diferente, já mais velho e experiente que o resto da pivetada que acabou de sair do Draft. Mas Splitter perdeu boa parte da pré-temporada machucado, pegou o bonde andando e ainda está com dificuldades, ganhando poucas oportunidades para jogar. Ele faz bons jogos volta e meia, em outros não faz nada de errado sem se destacar e em outros fica apagado por não entrar ou só fazer faltas. Se a grande mudança no elenco não está nem jogando às vezes, como o Spurs tem a melhor campanha da liga depois de um terço da temporada?
Essa é uma pergunta que eu demorei muito para poder esboçar uma resposta. Assisti a mais jogos do Spurs nesse ano do que nas últimas duas temporadas juntas e percebi uma coisa logo de cara, estava mais divertido do que costumava ser. Placares altos, infiltrações de Parker e Ginobili, rebotes ofensivos do Blair e um show de três pontos do trio Gary Neal, Richard Jefferson e Matt Bonner. Sim, o Spurs era uma potência ofensiva até nos dias em que o Tim Duncan mal tocava na bola. O Spurs, conhecido por jogar sempre do mesmo jeito até quando mudava de jogadores, revolucionou a sua maneira de jogar. Comecei a explicar isso em outro post semanas atrás:
“Dos últimos muitos anos. Explico, o Spurs é o terceiro melhor ataque da temporada até agora e a oitava melhor defesa. É a primeira vez desde que Tim Duncan chegou ao time, em 1997, que o Spurs é melhor ranqueado no ataque do que na defesa. Pra quem acompanha a NBA há pouco tempo pode parecer normal, mas quem viu o Spurs desses últimos quase 15 anos acha isso uma aberração. O Spurs atacando mais do que defendendo é insano como ver o Barcelona retranqueiro, no mínimo. E tem o ritmo de jogo, eles são hoje o 10º time mais veloz da NBA, nas outras temporadas da “Era Duncan”o Spurs ficou duas vezes com o 19º ataque mais veloz e depois disso sempre depois da casa dos 20, algumas vezes beirando as últimas posições.”
Desde que escrevi isso poucas coisas mudaram. Hoje o Spurs é o ataque mais eficiente da NBA (112 pontos a cada 100 posses de bola), marcando 105.3 pontos por jogo (4º melhor) e é o 11º time mais veloz, com 93 posses de bola por jogo. Outros números mostram a mudança: hoje o Spurs é o quarto time que mais faz pontos em contra-ataque, 16.2 por jogo, 4 a mais que no ano passado e à frente de time conhecidos por seus contra-ataques como OKC Thunder e Phoenix Suns. No ano passado o Spurs era o 8º pior no mesmo quesito.
Nesse texto eu já disse muitas das razões do Richard Jefferson ter subido de produção da temporada passada para essa, mas é também bem claro que ele se beneficiou dessa maior velocidade do time. Desde os tempos do Nets que ele gosta e sabe sair no contra-ataque e finalizar perto da cesta. Essa maior liberdade ofensiva do time favoreceu também o Manu Ginobili, que é o cara mais criativo do mundo desde Leonardo Da Vinci e ainda passa a bola melhor que o faz-tudo italiano. Além do Tony Parker, que finalmente pode gastar à vontade e sem restrições toda a velocidade que tem. Desses, o Ginobili merece o maior destaque, ele está jogando mais tempo com os titulares do que o normal e ganhou mais responsabilidades de armação do que no passado recente, resultado não só da mudança de estilo do time como também da recuperação física do argentino, que parecia meio baleado nas duas últimas temporadas. E sejamos honestos, é assim há um bom tempo: se Ginóbili joga bem, o Spurs joga bem. Nessa temporada até em alguns jogos em que o time não esteve no seus melhores dias ele estava lá pra fazer tudo certo no final. Foi assim contra o Pacers nessa semana e contra o Bucks no começo da temporada, e tantas vezes entre esses dois jogos.
Uma das qualidades do Ginobili está em saber quando tomar conta do jogo e quando envolver todo mundo. E geralmente ele não precisa ser o herói, porque caras imprevisíveis como o novato Gary Neal e Matt Bonner estão jogando melhor do que qualquer cara mais otimista no melhor do seus dias e depois de uma boa noite de sexo poderia prever, é por causa deles que hoje o Spurs é o 2º melhor da NBA em aproveitamento de 3 pontos, 39% por jogo, atrás apenas do Warriors. É compartilhando a bola que o Spurs consegue ser um dos melhores ataques mesmo com Duncan em seu pior ano ofensivo na carreira e nenhuma aberração tipo Kevin Durant no elenco, hoje o time do Popovich é o 5º com mais assistências na liga. Para finalizar as qualidades, impressiona como eles conseguem correr bastante e ser o 8º time que menos comete turnovers.
Eu estou impressionado com a capacidade do time de se reinventar de uma hora para a outra e mais ainda em ver como isso deu resultados tão positivos rapidamente. Muitas vezes times tentam mudar de atitude de uma hora para a outra mas não sabem como, mas como esse texto do blog Spurístico “48 minutes of Hell” confirma, o Spurs sabe contratar. E contrataram bem para cobrir os defeitos ofensivos do time desde a temporada passada e estão colhendo os frutos. Mas apesar de tudo isso, esse post não é uma babação de ovo no melhor time da temporada.
Numa ironia das mais profundas dos últimos milênios, o Spurs pode estar caindo no conto do vigário que ele mesmo ajudou a expor tantas e tantas vezes nos últimos 10 anos. Lembram do espetacular Dallas Mavericks de Steve Nash, Dirk Nowitzki, Michael Finley e Don Nelson? Ou do encantador Phoenix Suns do mesmo Nash e Amar’e Stoudemire? Foram duas das equipes que mais encantaram e divertiram a liga americana em uma época dominada por Spurs e Lakers. Eles faziam tudo isso que o Spurs faz nessa temporada, eram rápidos, criativos, com jogadores talentosos, coadjuvantes que metem bolas de longe com altíssimo aproveitamento e estavam sempre entre os melhores ataques da NBA. Porém, quando chegavam os playoffs esses times tomavam na cabeça. Na hora de passar pela defesa forte e ataque disciplinado do Spurs eles eram desmascarados e caíam quando estavam chegando perto do título.
Foi esse estilo de jogo defensivo e equilibrado (que outros times praticam mas que sempre foi a marca do Spurs) que fez o Mavs largar mão da super velocidade e o Suns ir até atrás do Shaq pra mudar de estilo de jogo (sem sucesso, como lembramos). De repente, em uma das muitas voltas que o mundo dá, o Spurs é o time que ataca, ataca, encanta e defende mal. Tá bom que não é tãaao mal assim, ainda estão com a 11ª melhor marca da NBA, mas volta e meia eles enfrentam times que mostram todos os vários defeitos do sistema defensivo da equipe. Atualmente eles são apenas o 18º no ranking de times que menos cedem pontos no garrafão, o 9º time que mais sofre arremessos de quadra por partida e no aproveitamento de 3 dos adversários é o 3º pior time, só (argh!) Cavs e Clippers são piores. E as bolas de três são porque protegem o garrafão? Necas, são só o 18º também em proteger a área pintada.
Como nem tudo pode mudar tão drásticamente, a Terra ainda é redonda, comer carne humana não é bem aceito socialmente e o Popovich está insatisfeito. Olha o que ele disse sobre essa questão ataque/defesa do Spurs: “Isso não é a gente, nós não jogamos assim. Eu não tenho idéia de como estamos marcando tantos pontos. Eu não estou comprando essa idéia”. Quer dizer que o Spurs revolucionou o seu estilo de jogo e nem era isso que eles queriam? Não faz sentido. Mas pelo menos é uma pequena mostra de que não estão satisfeitos com sua defesa.
Se você pegar os jogos que eles fizeram contra o Mavs (aquele sem o Nowitzki) e o contra o Lakers, verá que esse time é capaz de executar uma defesa bem forte, mas até agora esses jogos foram exceção, não regra. Contra o time de LA a dupla Manu Ginobili e George Hill deu uma aula de como defender Kobe Bryant e a pressão nos passadores no perímetro fez com que eles pouco utilizassem Pau Gasol. Mas em compensação, o que foi aquela derrota para a o Knicks essa semana ? Foi a primeira vez em toda a carreira do Duncan no Spurs que eles tomaram 128 pontos em um jogo sem prorrogação. Aliás, a última vez que o Spurs tinha tomado mais que 128 pontos em um tempo normal havia sido em 1993, quando os hoje técnicos Vinny Del Negro e Avery Johnson ainda jogavam na equipe.
E no dia seguinte outra derrota, dessa vez para o Boston Celtics. Perder para o Celtics em Boston não é nenhum desastre, mas foi mais um exemplo de como o Spurs é um Phoenix Suns de 2011. O jogo foi pau a pau, talvez o melhor da temporada até agora, mas tomaram 105 pontos, deixaram o Boston chutar acima dos 60% nos arremessos de quadra e tomaram 34 pontos no garrafão, incluindo algumas bandejas bem fáceis nos minutos finais de jogo.
O Spurs é mesmo o melhor time desse começo de temporada, talvez por pouco sobre Boston Celtics e Dallas Mavericks e levando em conta que o Miami Heat demorou pra engrenar. Mas reconhecer isso não é dizer que eles tem um futuro fácil pela frente, eles precisam se manter saudáveis (o que foi impossível para eles nos últimos anos) e arrumar um jeito de acertar essa defesa se querem ser realmente levados a sério na disputa pelo título. O Popovich já disse que quer isso e o Duncan afirmou que “nós queremos ser é um clube defensivo”, então a vontade está aí, é transformar em realidade para não ser mais um dos times velozes, ofensivos e perdedores que o próprio Spurs ajudou a destruir na última década.