>Tema a rena

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Ersan Ilyasova segura uma bola de basquete na mão esquerda

Apesar do esforço e da qualidade de Derrick Rose, o Bulls foi eliminado sem muitas dificuldades pelo Cavs. Quando todo mundo no Bulls jogou bem ao mesmo tempo, deu pra arrancar uma vitória suada, mas foi o bastante. O mesmo aconteceu com o Heat: numa partida história do Dwyane Wade, com 46 pontos (e 5 bolas de três, bizarro pra quem até ontem não tinha esse alcance no arremesso), deu pra conseguir uma vitória à força. Mas na partida final, o Wade teve uma atuação horrenda, com apenas 31 pontos, 8 rebotes e 10 assistências, coisa de jogadorzinho meia-boca, e o Heat não resistiu à defesa do Celtics. O Bobcats, por sua vez, não teve nenhuma atuação heróica, não conseguiu ganhar sequer um joguinho, e acabou eliminado dos playoffs antes mesmo da gente conseguir fazer uma piada com eles aqui no Bola Presa. Se eu soubesse, teria tirado sarro antes ao invés de ficar falando das séries boas que vão durar 7 jogos e me dar tempo de falar até do cunhado dos principais jogadores.
Então, se você é daqueles que torce pelo mais fraco, que quer ver o judeu-pobre-gay-torcedor-da-Portuguesa vencer o Big Brother, que ficava com vontade de comprar aquelas fitas com animais se safando de seus predadores que eram vendidas por telefone na extinta “TV Manchete” nos intervalos dos Cavaleiros do Zodíaco, então a única opção na Coferência Leste da NBA é o Milwaukee Bucks. Após vencer as últimas duas partidas, o time que parecia não ter nenhuma chance sem seu principal jogador está com a série empatada. Se já era esquisito o Bucks ter acabado em sexto lugar na Conferência, ganhando partidas mesmo sem seu pivô titular, é mais bizarro ainda ver que tipo de surra o time consegue dar no Hawks às vezes.
Como contei uns dias atrás, eu cheguei atrasado para os playoffs e portanto não vi as duas primeiras partidas entre as duas equipes. Sei apenas que foram partidas relativamente disputadas, mas que o Hawks ganhou com moderada facilidade graças a um domínio absoluto no garrafão ofensivo. Para a terceira partida, primeira em Milwaukee, eu esperava ver um jogo novamente disputado que o Bucks pudesse, talvez com alguma sorte, ganhar nos segundos finais – torço para o mais fraco, claro, só que não dá pra levar o Bucks muito a sério. Mas o que eu encontrei foi uma lavada vergonhosa em cima do Hawks, uma vitória dominante do Bucks, daquelas que o adversário chora no colo da mamãe ouvindo NX Zero. A defesa do Bucks foi, como sempre vi ser, completamente impecável. Coletivamente o time não deu um centímetro de espaço para o Hawks, mas foi individualmente que o jogo foi decidido. Esse Bucks não tem nenhuma estrela defensiva, ninguém que se destaque por ser um grande defensor, então o mérito do trabalho defensivo do técnico Scott Skiles recai sempre no trabalho em conjunto. Mas na terceira partida da série, Kurt Thomas fechou o garrafão sem nem ter que pular, afunilando a defesa, forçando o Josh Smith para a linha de fundo, obrigando-o a arremessar, cavando faltas de ataque, garantindo rebotes importantes. Luc Mbah a Moute (maior força nominal da NBA no momento) mostrou uma defesa impressionante no perímetro, incomodando o tempo inteiro. E Ersan Ilyasova mostrou que é simplesmente um gênio na defesa.
O Denis sempre chama o Ilyasova de “a Lady Gaga da NBA”. Começa pelo figurino do jogador turco, com as meias levantadas até os joelhos, e passa pelo cabelinho escuro descolado e o rosto de nariz esquisito. Mas a estranheza se extende ao seu modo de jogo: seus arremessos são completamente bizarros, ele e o Leandrinho teriam muito a conversar numa mesa de bar. Tem também seu modo de correr, suas pernas estabanadas, o modo como ele parece descoordenado quando se move. Mas ele é comprido, rápido, inteligente, sabe se posicionar para os rebotes e está sempre trombando com alguém na defesa. Cavou contra o Hawks uma série de faltas de ataque, mas além disso passa o tempo inteiro desestabilizando jogadores que estão com ou sem a bola, e tudo de uma forma tão estranha que ninguém se atreve a marcar falta, parece apenas que ele é descoordenado e tropeçou mesmo, sem querer. É um gênio dissimulado.
Essas atuações individuais anularam o ataque do Hawks, e na hora de atacar o Bucks fez o mais simples possível: bola no John Salmons, corta-luz para ele, e aí deixa o rapaz decidir o que fazer. Já escrevi aqui como o Salmons sempre foi um baita de um injustiçado, jogando muito mas sempre perdendo minutos, apodrecendo no banco de reservas ou sendo trocado de um lado para o outro como figurinha repetida (ou o Quentin Richardson). O Bulls fez a cagada de se livrar do Salmons no meio dessa temporada para economizar um trocadinho nada significativo, e o resultado é esse: eliminado feio-feio dos playoffs. Imagina se o John Salmons estivesse dando uma força, eles poderiam ter acabado numa posição melhor da tabela e evitado o Cavs, ou ao menos durado mais do que 5 partidas contra LeBron e seus amigos. Mas tudo bem, o Bulls está punido, azar deles. O que importa é que o Salmons joga muito bem, é incrivelmente consistente, e dominou o jogo ofensivamente. Se aproveitou do corta-luz constante para atacar a cesta, cavar faltas, dar arremessos de longa distância, e principalmente para girar a bola e achar companheiros livres. Era ridículo ver como o Bucks usava a mesma jogada à exaustão mas cada vez o Salmons fazia uma coisa diferente e o Hawks não sabia o que esperar. Quando começaram a dobrar nele, outros jogadores do Bucks ficaram livres para bolas de três pontos certeiras e aí quando elas pararam de cair já era tarde demais – por não conseguir pontuar necas, o Hawks já havia ficado atrás demais no placar.
Fiquei com medo de ver o Bucks na quarta partida repetindo essa mesma jogadinha manjada com o Salmons, porque certamente o Hawks viria preparado. Mas para minha surpresa o Salmons ficou ali paradinho, olhando a vida acontecer de trás da linha de três. A bola passou quase todo o tempo nas mãos do Brandon Jennings, o foco foi nas bolas de três do Carlos Delfino, e até o Kurt Thomas e o Dan Gadzuric acertaram arremessos de curta distância. Tudo porque a defesa do Hawks passou o jogo inteiro olhando para um John Salmons que sequer parecia fazer parte do esquema tático da equipe. Nas vezes em que pontuou, foram apenas jogadas individuais, quase aleatórias, em que ele forçou seu caminho contra a defesa agressiva e cavou faltas adoidado. Mas todo o plano do Bucks passou bem longe disso, colocando uma carga enorme nas costas do Jennings, que respondeu com o melhor jogo que já vi do rapaz: pode não ter feito 55 pontos, mas ditou o ritmo da partida, deu passes simples mas precisos, e teve os bagos de dar aqueles arremessos bizarros que ele dá todo torto com uma mão só nos minutos finais de jogo para segurar a margem que o time abrira no placar. Novamente, foi a defesa que ganhou o jogo fácil, coube ao ataque apenas manter o placar sob controle no finalzinho da partida. E esse controle ficou com o Jennings, sabendo segurar a bola, deixar o cronômetro correr e pontuando nos momentos mais decisivos para deixar o Hawks a uma distância segura. Assustador pensar nos bagos desse garoto, o que será que ele vai ser quando crescer? Espero que não seja engenheiro agrônomo.
A quarta partida foi mais um espetáculo de defesa, mas foi ainda mais um show particular do Ersan Ilyasova. Duas faltas de ataque cavadas em sequência tiraram o Josh Smith da partida – tanto por faltas quanto psicologicamente. Fora isso, sua defesa estilo “eu tô bêbado, deixa eu me apoiar em você pra vomitar” incomoda demais qualquer jogador adversário, principalmente porque o Hawks não tem nenhum jogador muito físico para jogar no garrafão e ficar dando trombada. Se o Josh Smith é o único jogador da equipe de Atlanta que sabe jogar de costas para cesta, então o Ilyasova é o homem perfeito para impedir o jogo de garrafão do Hawks. Ele pode não dar nenhum toco, mas vai encher o saco, ser esquisito, parecer descolado. De fato, a Lady Gaga da NBA.
Aliás, é incrível como agora o Josh Smith realmente joga de costas para a cesta. Antigamente ele era forte pra burro, rápido, explosivo, mas só queria arremessar de três pontos. De repente acordou um dia e resolveu que tinha gente melhor pra fazer isso no time do que ele, entendeu que seu jogo tinha que ser mais agressivo e próximo à cesta, e virou um jogador inteligente que não força mais arremessos. Não sei onde ele comprou esse cérebro que ele antes não tinha, mas seria legal se ele mandesse o endereço da loja para o JR Smith, que está precisando. O Zach Randolph deve ter comprado o cérebro dele no mesmo lugar.
O genial sobre a quarta partida dessa série é que Jamal Crawford (eleito o Melhor Sexto Homem do Ano) e Joe Johnson tiveram boas partidas, especialmente nas bolas de três pontos, mas não adianta nada se ninguém pontuar no garrafão. O Hawks pode pontuar, só não pode pontuar de modo fácil ou em excesso, tem que ficar sob controle moderado. A chave da vitória para o Bucks, no fundo, é o ataque: eles venceram as últimas 11 partidas em que marcaram pelo menos 100 pontos, ou seja, eles sempre seguram bem o adversário, só precisam dar um jeito de pontuar um pouco para que a diferença no placar fique a favor deles. Mas para isso agora há ajuda. Carlos Delfino está inspirado nas bolas de três, incrível que há uns anos atrás ele tenha pensado em abandonar a NBA quando tinha acabado de escapar de mofar no banco do Pistons e estava lutando por minutos no Raptors. Mas agora ele encontrou seu papel, defender como um argentino (leia-se “cavar faltas de ataque, encher o saco do adversário”) e abusar nos arremessos de fora. John Salmons é um pontuador eficiente, principalmente quando o time não sabe mais o que fazer e ele pode arrancar na marra alguns lances livres. E o Brandon Jennings é uma incógnita: tem dia em que é um monstro nos arremessos de fora e ganha o jogo sozinho apenas com bolas de três, tem dia em que ele faz bandejas e tear drops como se fosse o Tony Parker, tem dia em que ele só corre como um doido e depois passa a bola para o lado, e tem dia em que ele só força arremessos idiotas e perde a bola com passes tão imbecis que até o Cristiano Ronaldo ficaria corado de vergonha. Mas quando está num bom dia, Jennings é o que falta para tornar Delfino e Salmons verdadeiramente eficientes.
A gente sabe que o Hawks não tem ideia de como se joga basquete fora de casa, eles perderam quase todos os jogos em ginásios dos adversários nos últimos playoffs, então devem vir mordendo na defesa e abusando nas bolas de três pontos no próximo jogo em Atlanta. Mas o único modo de vencer esse Bucks é dominando o garrafão. Josh Smith precisa ser impecável de costas pra cesta e Al Horford precisa fingir que é um pivô de verdade, não um ala fortinho usado no garrafão apenas de improviso (a verdade às vezes dói). Quando a defesa do Bucks está perfeita, com atuações individuais incríveis, o jeito é jogar dentro do garrafão – o único problema é fazer a bola chegar lá, e lidar com a marcação dupla assim que a bola atinge seu alvo. No entanto, o Hawks tem uma série de excelentes arremessadores que, num dia bom, podem abrir uma vantagem enorme no placar de uma hora para a outra, forçando o Bucks a parar de dobrar a marcação – hora, então, do Josh Smith brilhar perto do aro, e não arremessando como ele fazia antes.
De todas as séries que ainda restam, essa é a mais imprevisível, e conta com um time fracassado tentando se superar, jogando sem pivô, e um monte de torcedores com placas de “Fear the deer” no ginásio e se levando a sério, como se desse para ter medo de um animal fofinho com chifres de galhinho – ou de um time que se veste de roxo e tem como armador um novato, como pivô o Kurt Thomas, que plantou a primeira árvore da Floresta Amazônica, e como técnico um retranqueiro que se dá mal com seus jogadores e não sabe fazer seus times pontuarem. Mas sabe o que é bizarro? Mesmo sem impor medo em ninguém, o Hawks tem total consciência de que o Bucks pode ganhar essa série jogando feio, usando a tática “Lady Gaga” de fazer tudo estranho, tudo esquisito, e segurar uma vantagem pequena no placar até o final do jogo. É por isso que estarei gritando minha versão tupiniquim “tema a rena” na próxima partida mesmo que ninguém tenha medo do time, mesmo que o Hawks ainda seja favorito, mesmo que eu acredite que a equipe de Atlanta ganhará jogando em casa. É que quando ninguém acredita neles, o trabalho fica mais fácil. Já pensou o Magic entrando em quadra para enfrentar o Bucks na próxima rodada tendo certeza de que vai dominar o jogo com o Dwight Howard? Prevejo mais um tombo inesperado, com a defesa do Bucks sufocando o Howard até ele fazer xixi nas calças. Temos que temer a rena justamente porque ninguém teme ela, todo mundo olha e tira sarro, é tipo o Ersan Ilyasova e suas meias enormes e cabelo de emocore, mas que de repente faz tudo dar certo. Continuemos não acreditando nessa equipe sem Andrew Bogut, sem ataque, sem chances, enquanto eles continuam dando tabefes nas nossas orelhas. Se classificaram em sexto lugar do Leste quando tinha gente dizendo que era meio sem querer, que eles sequer iriam para os playoffs. O Bucks é o Ilyasova: estranho, bizarro, gaganiano, mas de verdade. Muito de verdade.

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