>Transtorno bipolar

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“Dê um cacete no Lakers”, já diria a tradução livre

Foram 6 jogos na série entre Lakers e Rockets e, ainda, não fazemos a menor idéia de como cada time entrará em quadra. Já vimos os dois times sendo humilhados, os dois times tendo vitórias fáceis, os dois times empolgados e os dois times sentados miseravelmente na guia da calçada esperando que o mundo acabe logo e de uma vez. Essa série deveria ser passada nos cursos de Psicologia como exemplo de “transtorno bipolar”, é simplesmente patológico.

Na tentativa de compreender o comportamento desses dois times, como se fossemos um documentário de animais do Discovery, vamos dar uma olhada em 5 razões para o Houston ter saído de quadra ontem com a vitória.

1. A Argentina

Ao fim da partida, Aaron Brooks foi entrevistado ainda em quadra, e a primeira pergunta foi o que havia acontecido para que o Houston Rockets tivesse conseguido uma vitória tão impressionante. A resposta foi simples:

“Luis Scola!”

Foi ele quem aconteceu. Sem Yao Ming, o Houston não tem uma presença ofensiva no garrafão. Um anão tirando um cochilo de biquini seria uma ameaça ofensiva no garrafão maior do que Chuck Hayes, que está substituindo o chinês no elenco titular. Quando Yao recebia marcações duplas, tanto contra o Blazers quanto contra o Lakers, era Luis Scola o homem livre que deveria punir os adversários por ignorá-lo. Com Chuck Hayes em quadra, Scola nunca está livre mas tem uma pressão ainda maior de estabelecer um jogo no garrafão.

O Houston perdeu o jogo 5 por uns 40 pontos, tão humilhante quanto pagar peitinho no Big Brother. Um dos maiores motivos foi que, sem Yao, o time só tinha como recurso arremessar bolas de três pontos. No jogo anterior elas haviam caído, mas quando não caíram o resultado foi brutal. Dessa vez, com Scola assumindo a responsabilidade de pontuar debaixo do aro logo no começo, o time não se permitiu ficar apenas arremessando de fora, o que mudou completamente a história da série e pegou o Phil Jackson de calças curtas.

O Luis Scola fede mas simplesmente chuta traseiros, e ontem isso ficou mais óbvio do que nunca. Seu arremesso é feio e inconsistente, seus ganchos são desengonçados, ele não sai do chão e não tem a força física para se impor nem no ataque e nem na defesa. Justamente por isso, Scola comanda: joga para a equipe, faz tudo aquilo que for necessário (de cavar faltas de ataque a fazer café), escolhe as jogadas mais simples e contribui nas pequenas coisas. Não vai impedir uma cesta mas vai tomar uma trombada, não vai enterrar no Gasol mas vai girar com facilidade usando seu inteligente jogo de pernas. Scola é o exemplo perfeito do jogador que é bom porque é ruim, em que a inteligência e a consciência das próprias limitações levam o jogador à excelência.

No próximo jogo, Scola pode não ser tão efetivo, pode ser melhor marcado (no segundo tempo, sofreu marcação dupla em todas as bolas e caiu muito de rendimento), mas fará sua parte do modo que ele inventar na hora. Nem que seja lavando a louça, secando a quadra, vendendo pipoca.

2. O Phil Jackson é um cara legal

O Houston Rockets tem falhas óbvias, e o Phil Jackson é um dos melhores técnicos a já ter respirado na atmosfera terrestre. A única razão plausível para o técnico zen não explorá-las é porque ele é um sujeito bacana e quer manter a série equilibrada mesmo com o Houston sendo, obviamente, o time mais fraco. O exemplo mais importante é Chuck Hayes. Acho que todo mundo já viu como o sujeito cobra lances livres, parece que ele está em trabalho de parto ou tendo convulsões (talvez esteja). Na tempora regular, acertou 36% dos seus lances livres, algo que o Shaq conseguiria se arremessasse de costas. Para a sorte do Houston, Hayes não passa muitos minutos em quadra e, nunca, absolutamente nunca, está em quadra nos minutos decisivos.

Só que o Yao Ming é “made in Taiwan”, como todos nós sabemos, e está com defeito de fabricação. Chuck Hayes, então, é titular e está o tempo todo em quadra. Se quisesse, Phil Jackson poderia ter usado a técnica do “hack-a-Shaq” (ou “faça uma falta intencional no Hayes para levá-lo para a linha de lances livres, mas tente ser mais explícito do que o Antoine Wright, por favor!”) e o Houston seria obrigado a tirar de quadra esse epiléptico descoordenado.

Para quê fazer isso, você se pergunta? Afinal, Hayes é inútil no ataque e mantê-lo em quadra garante que o Houston jogue com apenas 4 jogadores no lado ofensivo. Acontece que Hayes é um excelente defensor no garrafão. Anão, nunca conseguiu sair do chão, mas marca de maneira física, incomoda e rouba muitas bolas, desviando passes. Ele nunca vai dar um toco, nunca vai contestar um arremesso, mas ele impede que Pau Gasol possa se aproximar da cesta e obriga o espanhol a arremessar por cima dele. Sua marcação ontem foi impecável e o Houston teria perdido muito de sua defesa sem ele em quadra.

Hayes também permite, simplesmente por existir, que o Lakers faça marcação dupla em outro jogador em todas as posses de bola do Rockets, porque é como se ele não tivesse braços. Apenas no segundo tempo isso aconteceu, e o Lakers chegou a cortar para 3 a vantagem monstruosa criada logo no primeiro quarto (o Houston começou o jogo com um sensacional 17-1). O Phil Jackson não gosta de dobrar, não gosta de faltas intencionais e não deve gostar muito de ganhar. Obrigado, tio Phil, nós vermelhinhos agradecemos.

3. A síndrome de Gilbert Arenas

Lembram-se quando o Arenas se machucou pela primeira vez (já não faz uns 15 anos que ele está sempre contundido?) e o Wizards, de repente, se tornou um time melhor? As explicações, dadas pelos próprios jogadores, eram duas. A primeira era que, sem sua maior arma ofensiva, o time precisava rodar mais a bola e todo mundo tinha que fazer sua parte. A segunda e mais bizarra era que, sem os pontos que Arenas sempre fazia, o time então tinha que se garantir na defesa e, portanto, apertou na marcação do perímetro. Por que eles não faziam isso ainda quando tinham o Arenas é uma pergunta sem resposta, mas acho que muitos times só fazem esse tipo de coisa quando a água bate na bunda.

A verdade é que sem Arenas o Wizards era um time mais frágil, menos confiante e muito limitado, o que a longo prazo ficou óbvio (eles fedem, afinal de contas). Mas a princípio sua saída foi benéfica em alguns aspectos. O mesmo acontece com esse Houston Rockets sem Yao Ming. Incapaz de fazer pontos no garrafão, o time agora roda a bola para conseguir encontrar espaço para arremessar de três pontos (com o chinês, isso era mais fácil porque sempre tinha um mané livre, malditas marcações duplas). Sem uma presença no garrafão, o time agora precisa se basear única e exclusivamente no pick-and-roll para conseguir se aproximar do aro. E, sem a defesa podendo afunilar o ataque adversário em direção do Yao (vai afunilar em direção do Hayes que tem 40 centímetros de altura?), a defesa do perímetro tem que apertar mais.

Arremessando mais de três pontos, aproveitando-se da defesa mais-ou-menos do Lakers, o Houston se coloca na posição de ter dias de mira calibrada e sair em vantagem. Usando o pick-and-roll sem parar, o Houston explora a maior (e mais famosa) deficiência defensiva do Lakers, incapaz de fazer coberturas (como tanto mostrou Chris Paul durante a temporada regular). E, por fim, apertando no perímetro, o Houston complica a vida de Kobe e permite que Gasol e Bynum tenham que decidir a partida lá dentro. Como pudemos ver ontem, “funhé!” para os dois homens de garrafão do Lakers.

A longo prazo, o Houston é pior, mais frágil e mais limitado. De fato, já o é, dependendo muito de bolas de três e de uma boa pitada de sorte. Mas é incrível como essas alterações que o Houston se viu obrigado a fazer casam perfeitamente com as fraquezas do Lakers. Não sei sei o técnico Rick Adelman teria mudado as coisas se Yao ainda estivesse podendo jogar, se foi puro acaso e obra da necessidade ou se foi uma série consecutiva de lances de gênio. Mas o Houston tem um transtorno bipolar positivo: aprendeu a jogar de quinhentas maneiras diferentes porque sempre tem alguma peça fundamental que pifou. Da maneira que está jogando agora, o Houston pode perder uma partida graças a um apagão do ataque no primeiro quarto, mas muitas coisas se encaixam e tornam uma vitória do Rockets nessa série uma real possibilidade. Talvez mais possível do que seria com Yao, ou do que seria para o Denver Nuggets. Será que o Nuggets pode colocar dois jogadores tão espetaculares em defesa no perímetro para encher o saquinho do Kobe Bryant, abusar dos pick-and-rolls, ter um jogador físico e nanico para obrigar o Gasol a arremessar? O Rockets deu sorte.

4. Os Zé-ninguém

Entrei em pânico, ao fim da temporada passada, com a possibilidade de que o Houston não renovasse o contrato de Carl Landry. Será que algum time lhe faria uma proposta muito alta? Fiquei rezando em silêncio para que nenhuma equipe da NBA tivesse percebido como ele é espetacular. O Bobcats percebeu e ofereceu 9 milhões de verdinhas por 3 anos. Acendi uma vela, pelamordedeus o Rockets precisa cobrir a proposta! Todo time precisa de um jogador produzido na máquina de fazer Jason Maxiells, que criou vários clones famosos como Paul Millsap, Leon Powe e Craig Smith. Só que o Landry, bizarramente, acerta arremessos da cabeça do garrafão.

O Houston cobriu a oferta, para minha felicidade, e aqui estão os resultados. Esse time já foi lento, pouco atlético e meio desanimado (provavelmente por causa daquele olho-meio-aberto do Tracy Mcgrady, meio “Amaral”, que lhe dá aquela expressão de sono), mas com Scola, Battier e Landry, parece um bando de adolescentes naquele extinto programa que tinha a Tiazinha e a Feiticeira. Todo mundo corre, grita e se taca no chão como pino de boliche. Carl Landry enterra, pula pra burro, traz outra mentalidade pra equipe.

A mesma coisa acontece com Aaron Brooks. Rafer Alston era um armador burocrático, meio traumatizado com o estigma de ser “um armador da And1”, só passava para o lado e tentava ser o herói dos jogos com arremessos inconsistentes de três pontos. Quando foi trocado por feijões mágicos, Aaron Brooks assumiu o barco assumidamente cercado por medo e receio. Seus arremessos também são inconsistentes e ele é um nanico, mas como aprendemos nas Ligas de Verão, Brooks é um pontuador nato. Rápido demais, bate para a cesta e ataca o aro. Com um pick-and-roll atrás do outro, invade o garrafão e dá pesadelos ao Lakers.

Com Yao em quadra, a bola vai para dentro do garrafão e depois para fora, obrigando Brooks a ser mais um arremessador. Sem Yao, Brooks não larga a bola e é obrigado a bater para dentro para evitar que a bola só fique no perímetro. Isso dá muito certo contra o Lakers, em especial. O armador lembra o Tony Parker em começo de carreira e não é sempre muito esperto, arremessa demais às vezes. Quando as coisas estão funcionando para ele, no entanto, o Houston é um time infinitamente melhor.

5. “Raça, manô!

Culpa do Scola, culpa dos zé-ninguém, culpa da “síndrome de Gilbert Arenas”, culpa do time ser tão bom jogando em casa, o Houston Rockets não sabe não estar empolgado numa partida. Jogam com uma energia inacreditável em cada posse de bola. Mais uma vez, isso se encaixa perfeitamente numa das fraquezas do Los Angeles Lakers: picados pela famosa mosca tsé-tsé, a mosca do sono, volta e meia a intensidade do Lakers simplesmente desaparece e eles cochilam em quadra.

Ontem, o Rockets ganhou na unha. Não foi na base da técnica do Scola ou dos arremessos certeiros do Aaron Brooks, foi na defesa mordida, nos pulos no chão para salvar bolas perdidas, no Artest atormentando o Kobe (que acabou, na frustração, empurrando o Artest que, por sua vez, saiu literalmente correndo da confusão, com medo de que ele espirrasse e fosse expulso – mas depois voltou para mostrar a língua quenem criança de 3 anos, “seu bobo, feioso!”).

O Kobe estava puto, balançando a cabeça em reprovação, gritando com Pau Gasol no banco de reservas por tomar um pau do Scola, mas o resto do time estava querendo balançar numa rede e tomar uma caninha da boa.

Não acho que seja um problema de motivação, Phil Jackson sabe o que faz, creio apenas que seja como o time é, a junção coletiva de jogadores que não são tão intensos, que preferem a técnica, que desistem mais facilmente. Gasol, Odom, Bynum, Farmar, são todos jogadores sem muita confiança, um pouco temerosos, sem nunca saber exatamente se vão ser titulares ou não, se estão fazendo a coisa certa ou não. O espanhol, em particular, gosta do jogo técnico e não do jogo brigado. “Funhé!” pra ele, porque o Chuck Hayes nasceu para apenas três funções no mundo: abrir potes de picles, marcar o Nowitzki, e marcar o Pau Gasol.

É claro que, de certa forma, essa série chegar ao Jogo 7 é mérito do Houston Rockets, mas foi um pouco de sorte. Calhou do time ter aprendido, na raça, a jogar sem suas estrelas, de ter que modificar seu modo de jogar de uma partida para a outra. Calhou do Houston ter que explorar saídas que são, justamente (e talvez por puro acaso), pontos fracos do Lakers. E calhou, principalmente, do Lakers ser um time bipolar que não consegue manter a produção de um jogo para o outro, que sai mentalmente da partida facilmente, e que tem uma série enorme de fraquezas. Quantos séculos vão se passar até que esse time saiba defender um pick-and-roll? (se o Spurs tivesse o mesmo problema, teria sido destroçado pelo Suns ao invés de ter uma coleção de anéis em cada dedo).

comentamos aqui que essa temporada nos brindou com times favoritos muito, muito frágeis. Ninguém podia colocar o anel com antecedência simplesmente porque, quem acompanha o Lakers de perto, sabe que eles fedem um bocado às vezes, e quem acompanha o Cavs sabe como eles podem ser limitados no ataque quando são obrigados a jogar de forma mais lenta e cadenciada. Mérito do Houston por ter lutado bravamente e ter coroado esses playoffs com um Jogo 7 que, por si, já é uma vitória. Mas temos que ser realistas e apontar dedos: o Lakers é um time um tanto meia-boca para ser campeão. Pode vencer todo mundo, isso é verdade, mas pode tropeçar feio a qualquer segundo. O mesmo se aplica a todas as outras equipes que se mantém nos playoffs e não podemos apontar um favorito sequer, nem por um segundo. O Celtics está capenga, o Magic joga lideranças fora como se fosse o Silvio Santos tacando aviõezinhos no “Topa tudo por dinheiro”.

Houston e Lakers se pegam no domingo, num imperdível Jogo 7. Abaixem as cabeças, crianças, porque será terra de ninguém. Qualquer um dos dois times pode ganhar por 40 pontos. Só que, se o Houston passar, não tem chances contra o Nuggets. Os cinco motivos acima não vão valer muito contra a equipe de Billups e Carmelo Anthony. Mas, desde já, sonho com mais um Jogo 7. Porque essa equipe me ensinou a fazer justamente isso, sonhar, acreditar, vibrar. Enquanto o Lakers, convenhamos, está ensinando outras coisas: ter medo, saber-se superior e mesmo assim fazer xixi na cama com o pavor de jogar tudo fora. Realidades muito diferentes que decidem tudo num jogo final. Preparem-se: vai ter chat do Bola Presa aqui, pra gente acompanhar ao vivo e se pegar no tapa. Não percam!

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