>Um passo de cada vez

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Claro que foi LeBron, claro, agora senta lá e espera sua vez

A NBA lançou na semana passada o seu Video Rule Book. É o livro de regras da liga em formato de vídeo, com exemplos reais da maioria das regras da liga. Estão lá inclusos alguns temas polêmicos, como os três segundos no garrafão que tiram o Zé Boquinha do sério e o famoso “hand-check” que é quando o marcador do jogador com a bola fica encostando no seu adversário.

Falaram que o projeto demorou mais de um ano para ser desenvolvido e eu não duvido. Uma prova é o humor refinado na hora de selecionar algumas das jogadas expostas: o exemplo de alguém dando três passos na bandeja é com o LeBron James, o cara que mais se safa com andadas na NBA. O de “hand-check” é com o Bowen marcando o Nash! O coitado apanhava mais que a Vivi Ronaldinha em filme pornô e nunca marcavam nada, conseguiram encontrar no acervo deles a única vez que os juízes marcaram alguma coisa. Muitas vezes o canadense usava a mão direita só para se livrar do Bowen enquanto trabalhava só com a canhotinha, era muito óbvio e não se ouvia um apito.
Se você clicar na violação de falta técnica por provocação eles te dão um jogo entre Raptors e Celtics. Mas ao invés de mostrar o Garnett ofendendo e provocando o Jose Calderon na cara dura, que foi ignorado pelos juízes, mostram uma falta técnica sofrida pelo Kendrick Perkins ao gritar e empurrar o Chris Bosh depois de uma enterrada. Parece piada.
Faltou só escolher o Garnett na hora de explicar o corta-luz ilegal, com o jogador em movimento, mas tudo bem, tá perdoado. Quem assiste aos vídeos entende melhor as regras e quem assiste a NBA sabe que boa parte delas é muitas vezes ignorada por completo e depois lembrada repentinamente.
E já que o assunto são regras intermitentes, a NBA anunciou uma nova regra na semana passada que diz o seguinte: “Um jogador que recebe a bola enquanto está em movimento, ou após completar um drible, pode dar dois passos antes de parar, passar ou arremessar”.
Se ficou confuso, pense na situação em que um jogador recebe um passe quando está na corrida ou quando completa um drible dando aquele pequeno salto, é esse o caso da regra. Depois disso ele vai poder dar dois passos ao invés de um como era antes na NBA e em todo o mundo, o que não impedia muitos jogadores de darem os dois passos numa boa e ninguém marcar uma infração.
Logo começou a especulação de que essa seria a primeira regra criada para favorecer o LeBron James. Anos atrás foi criada uma regra que dava dois lances livres e mais a posse de bola caso um jogador sofresse uma falta intencional antes da bola entrar em jogo nos dois últimos minutos de partida. Foi o jeito de prevenir o hack-a-Shaq no fim dos jogos, ele só seria permitido se o time do Shaq resolvesse tocar a bola pro pivô. Depois disso foi criada a tal da regra do “hand check” que atrapalhou os marcadores mais físicos e fez a festa de infiltradores e cobradores de lance livre como Dwyane Wade, Tony Parker e Corey Maggette.
Foi então a regra do Shaq, depois a regra anti-Spurs (ou anti-Pistons), e essa seria a regra do LeBron, que teve o seu crab dribble legalizado. Segundo o LeBron, o drible do siri (que foi motivo de muita piada no ano passado) era um movimento de hesitação seguido pelos dois passos, o que é permitido pela nova regra. Não acho, porém, que a NBA tenha feito isso para ajudar o Rei da Caminhada.
O tal do drible do siri pode estar liberado, mas muitas vezes o LeBron alegava ter feito o tal drible e na verdade só tinha dado três passos bem toscos mesmo. A nova regra não fala nada dos tradicionais três passos, que apesar de bem infantil é a infração que o LeBron mais comete.
Em uma matéria bem legal feita em março desse ano, o blog True Hoop da ESPN investigou as regras das andadas na NBA e para isso foi entrevistar o Joe Borgia, vice-presidente do Referee Operations, o cara responsável por dizer a todos os juízes da NBA o que marcar e o que não marcar num jogo de basquete. O próprio Borgia disse, antes da mudança da regra, que nem sempre os juízes seguiam o livro de regras à risca e que eles já são instruídos há muito tempo a darem os dois passos quando o jogador recebe a bola em movimento.
Segundo o Borgia, a antiga regra era confusa, difícil de ser aplicada por causa da velocidade do jogo e já não era respeitada nem pelos juízes e nem pelos jogadores faz tempo. O que ele fez foi apenas transformar em oficial algo que já era aplicado informalmente. Acho que o que o Borgia fez foi o que a Fifa está enrolando um século para fazer com o posicionamento do goleiro nas batidas de pênalti. Na regra diz que ele não pode sair da linha, a maioria dá pelo menos um passo, os juízes perdoam mas um outro resolve marcar à risca. Aí fica todo mundo confuso e o Rogério Ceni dá piti quando sua defesa é anulada.
Na NBA todo mundo aceitava os dois passos mesmo com a regra dizendo o contrário e de repente, num momento crucial do jogo, o juiz poderia decidir lembrar que a regra existia e causar uma baita confusão. Agora isso acabou. Entre proibir de uma vez ou deixar em oficial o que já era praticado, foram na segunda opção. E a função do LeBron nisso tudo foi ter jogado o assunto na mídia e obrigado a liga a tomar uma decisão definitiva.
Começar a aplicar a regra à risca era uma opção, sem dúvida, mas os jogadores dão esses dois passos há tanto tempo que isso só traria mais dores de cabeça. Vejo jogador dar dois passos depois de dar aquele salto no fim do drible ou quando recebe a bola em movimento o tempo todo. Na NBA, na Europa, no Brasil, na pelada de fim de semana. O basquete já funciona assim faz tempo e só incomodava de verdade quando víamos alguns fazendo mal feito, que era o caso do LeBron durante o incidente do siri.
É melhor pra quem joga e pra quem assiste ter uma regra de jogo mais clara, mas o que importa mesmo é como a regra vai influenciar o jogo, certo? E não vai mudar em quase nada. Vai continuar do jeito que já é há anos mas com uma regra escrita que é igual à aplicada na quadra, algo que a gente viu no Video Rule Book que é difícil de acontecer mas que não deve deixar de ser um objetivo para qualquer esporte que quer ser levado a sério.
E se por acaso não seja bem assim, se os jogadores começarem a tomar proveito disso de forma inesperada e o jogo vire uma palhaçada, que a NBA continue sem medo de mudar regras.

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