Há pouca discussão a respeito de Dwight Howard ser ou não ser um grande jogador – o real motivo de qualquer polêmica a seu respeito é quais aspectos do seu jogo fazem de Howard um grande jogador e como é possível utilizá-los sem prejudicar a equipe que está ao seu redor. Quando ele alcançou as Finais da NBA em 2009, por exemplo, era sem dúvidas um dos maiores jogadores do momento, dono do prêmio de Melhor Jogador de Defesa e líder de um time de elenco questionável que, graças ao seu jogo, tinha chances reais de título. Mas aquilo que ele contribuía para a equipe era uma questão dúbia, difícil de verdadeiramente identificar, e completamente diferente daquilo que aprendemos a ver como um pivô dominante após os títulos de Shaquille O’Neal. Dwight Howard passava longos, muito longos, LONGUÍSSIMOS minutos dos jogos sem tocar na bola; quando recebia a bola de costas para a cesta, repetia aqueles movimentos robóticos, nada orgânicos ou fluidos, e errava bolas fáceis; quando tentava driblar, sofria marcação dupla e frequentemente perdia a bola; seu passe era lento e dificilmente encontrava os companheiros livres quando estava bem marcado; sua defesa individual, no mano-a-mano, era afoita, cheia de faltas bobas e posicionamentos questionáveis. Como um pivô pode influenciar positivamente a campanha do seu time – mais do que isso, CARREGÁ-LO PARA AS FINAIS – com tantos defeitos assim? Como um jogador com tantas limitações óbvias pode realmente ter um impacto num time com chances de título?
É que Dwight faz algumas coisas tão incrivelmente bem – e tem o potencial físico para fazer tantas outras – que os demais times precisam verdadeiramente se preocupar e mudar a estratégia para enfrentá-lo. Na defesa, Dwight Howard é um jogador espetacular na COBERTURA, dando tocos quando seus companheiros já foram batidos pelos adversários. Pode parecer coisa pouca, mas um bom defensor de cobertura muda completamente a estrutura de um time porque permite aos marcadores do perímetro serem mais agressivos ao tentar interceptar linhas de passe ou pressionar defesas porque tem alguém para cobrir eventuais erros, além de que os jogadores adversários são obrigados a finalizar sempre em pânico, mesmo após se livrar do seu marcador, porque Dwight pode estar vindo no “ponto cego” para o toco. No ataque, Dwight é imparável em algumas situações pontuais: enterradas embaixo da cesta e pontes-aéreas curtas, o que obriga os defensores a grudarem nele o tempo todo. Além disso, ele é uma máquina de pegar rebotes e exige uma proteção exclusiva no garrafão para não coletar rebotes de ataque o tempo inteiro.
Vejam que os pontos altos do jogo de Dwight Howard são muito distantes daquilo que aprendemos a chamar de um “pivô convencional”: ele é uma potência no ataque, desde que não jogue de costas para a cesta e não tenha a bola nas mãos; ele é uma potência na defesa, mas não marcando seu adversário direto; ele impacta o jogo porque abre espaço para os outros jogadores infiltrarem ou pegarem rebotes de ataque, porque as defesas se preocupam em impedir que ele tenha espaço no garrafão. Pense em Shaquille O’Neal recebendo a bola, batendo pra dentro, forçando espaços e anulando os pivôs rivais na defesa e logo perceberá que Dwight é o mais distante disso que um pivô gigante e atlético pode ser. O maior problema dessa comparação é que não apenas os fãs e os times sempre quiseram que Dwight fosse Shaq, mas também que o próprio Dwight insistia em tentar colocar em prática esse estilo que não lhe é nada lisonjeiro. Naquele Magic que foi para as Finais, o pivô reclamava constantemente de tocar pouco na bola, de não ter oportunidade de enfrentar seus marcadores no mano-a-mano, de ter poucas jogadas desenhadas para ele, etc. Suas reclamações muitas vezes vinham quando o time estava em alguma sequência de vitórias, o que foi lhe rendendo uma fama de comprometer o ambiente saudável da equipe. Nas equipes pelas quais passou desde então, a tendência se manteve: Dwight reclamando de tocar pouco na bola e baixo interesse do pivô pela defesa quando estava pouco envolvido na movimentação ofensiva. Sempre que deixava um time para trás, a sensação de quem ficava era de puro alívio, de estar se livrando de uma bomba. Chegou no Lakers para formar um elenco imbatível e bateu cabeça com Kobe Bryant até virar presença indesejada em Los Angeles. No Rockets, chegou como a estrela que complementaria James Harden e chegou a receber 7 passes por jogo do armador; saiu como presença nociva de vestiário, recebendo 2 passes por jogo por ter se tornado símbolo de tudo que havia de errado no ataque da equipe. Hoje, quando visita suas ex-equipes, é alvo de críticas e ofensas duras. Nessa semana, foi xingado em Los Angeles e chegou a confrontar o torcedor que o agrediu:
A impossibilidade de que Dwight fosse Shaquille O’Neal não era apenas uma questão de talento e personalidade, entretanto – era também uma questão de momento histórico. Ainda em 2008, o próprio Shaq falava abertamente sobre como não conseguia mais desempenhar o seu jogo não por lesões ou idade, mas porque as crescentes mudanças de regras na NBA foram sutilmente minando o jogo dos pivôs e abrindo espaço no garrafão para que os jogadores do perímetro pudessem infiltrar. Mudanças de regras muitas vezes têm efeitos inusitados, com os times e os próprios jogadores se adequando a essas mudanças e com isso alterando o estilo de jogo da época. No final da década passada os pivôs estavam começando a se ajustar às dificuldades para encontrar maneiras de ainda contribuir para os seus times, mas Dwight Howard provavelmente foi o primeiro de sua posição a encaixar-se nos novos tempos e virar o pilar de uma equipe vencedora – só não foi da maneira que ele queria, da maneira que ele esperava, e de uma maneira que nós pudéssemos apreciar. Quase sempre é muito difícil entender as mudanças históricas quando estamos vivendo em meio a elas, no olho do furacão.
Tocar pouco na bola, limitar o jogo de costas para a cesta, ficar o máximo de tempo fora do garrafão ofensivo, correr na direção do aro apenas durante as infiltrações dos seus companheiros para receber pontes-aéreas, defender na cobertura e proteger o aro são, hoje, as características fundamentais de um pivô “tradicional” que queira se manter vivo na NBA. Se o Clippers é um dos melhores times dessa temporada, é em grande medida por conta do jogo de DeAndre Jordan, de como ele espaça a quadra não na linha de três pontos, mas ficando fora do garrafão esperando o momento certo de receber uma ponte-aérea; de como ele defende na cobertura, tornando as infiltrações adversárias um pesadelo; de como ele briga pelos rebotes de ataque, impedindo que os adversários possam correr para o contra-ataque e forçando-os a um pouco eficiente basquete de meia quadra; de como ele toca pouco na bola, tem pouco protagonismo, e ainda assim periga ser a peça mais importante da equipe todas as noites. São todas coisas que Dwight Howard faz muitíssimo bem – e que ele fez por tanto tempo em Orlando – e que o Rockets, com seu vício incurável por eficiência e estatísticas, tentaram convencer o pivô a realizar. Mas ele queria mais, muito mais, incapaz – por ego ou teimosia – de ler os novos tempos. Nesse momento, em Houston, Clint Capela faz exatamente tudo isso que Dwight não queria se limitar a fazer, está tendo a temporada de sua vida, números incríveis e é um dos motivos centrais para o Rockets estar entre os melhores times do Oeste.
É pura ironia do destino que os novos tempos exijam de um pivô justamente aquilo que Dwight Howard sabe fazer, e impossibilitam que pivôs usem justamente características que Dwight faz muito mal. O que faltava era apenas Dwight perceber isso, entender o que se espera dele em uma quadra de basquete, limar suas expectativas, e encontrar um ambiente em que ele se sinta verdadeiramente querido e respeitado. Nessa temporada, enfim, parece que tudo isso aconteceu: com 30 anos nas costas e dois desastres de relações públicas depois, preso a uma imagem nociva de “bebê chorão” e destruidor de vestiários, Dwight diz ter entendido seu papel, aprendido com os erros e estar disposto a fazer o necessário para que sua equipe vença. Nascido em Atlanta, sua ida para o Hawks traz a estranha tranquilidade de um retorno para casa. E o próprio Hawks, depois de derrotas doídas na pós-temporada nos últimos dois anos, aprecia vigorosamente a chegada de Dwight não apenas como um substituto a altura para Al Horford, mas também como uma chance de mudar o estilo de jogo, criar mais espaço para os arremessadores, pontuar no garrafão e proteger o aro. Basta ver, por exemplo, a alegria de Kent Bazemore ao ver que Dwight está sendo marcado por um novato e que será fácil acioná-lo com uma ponte-aérea:
Essa jogada, aliás, já virou padrão no desenho tático do Hawks e garante que Dwight, se possível, nunca mais terá que jogar de costas para a cesta na sua vida:
O técnico Mike Budenholzer ainda tem muito a ajustar em sua equipe para tirar máximo proveito de Dwight, mas a defesa já é uma das melhores da NBA e a proteção de garrafão melhorou muito em uma equipe que já defendia bem a cesta na temporada passada. No ataque, Dwight nunca tocou tantas vezes na bola por jogo – mas também nunca passou tão pouco tempo com a bola nas mãos, o que significa que ele está sendo eficiente, espaçando a quadra com pontes-aéreas e exigindo marcação por zona para impedir suas infiltrações sem a bola. Não à toa, apesar das mudanças de elenco e do tempo natural para se acostumar com elas, o Hawks é uma das melhores equipes da temporada. Finalmente Dwight Howard parece ter encontrado um espaço, não apenas no Hawks mas no próprio basquete moderno numa época em que pivôs como ele são esperados e desejados em qualquer equipe por aí. Todo o momento histórico o tornou um jogador imprescindível para um time que quer bater de frente com as máquinas de arremessar que tanto afloram pela NBA. Só nos resta saber, agora, se Dwight aproveitará essa fortuita confluência dos astros e conseguirá entender de fato seu papel, aceitando sua posição limitada num esquema tático em que todas as peças possuem iguais oportunidades de contribuir. Para Dwight, essa pode ser a última chance: a NBA não tolerará mais um vestiário comprometido por alguém que não entendeu que os tempos mudaram – ainda mais quando a mudança permite que Dwight possa finalmente ser quem é, e não quem ele próprio pensa que precisa ser.