Uma chance para Ty Lawson

A posição de armador principal na NBA atual não é responsável por pontuar, por passar a bola, por defender ou por criar espaços – sua função é, principalmente, garantir que o esquema tático ofensivo funcione. Isso pode significar uma enormidade de coisas variadas nos diferentes esquemas táticos de cada equipe. O Mavs precisa de armadores dispostos a jogar sem a bola, acertar arremessos de longe e encaixar uma infiltração eventual. O Knicks precisa de um armador que jogue dentro do triângulo, confortável sem a bola e com arremesso da zona morta. O Clippers precisa de um armador que domine o pick-and-roll e arremesse de fora. O Warriors precisa de um armador com distância no arremesso que saiba fazer corta-luz para os outros e correr sem a bola. Ou seja, cada um desses times depende de um conjunto específico de características do armador para funcionar como um todo. Nesse momento, a NBA não tem nem meia dúzia de armadores completos o suficiente para funcionar em qualquer esquema tático – e mesmo esses vão ser mais ou menos eficientes dependendo do esquema que forem colocados para reger. Chris Paul se vira em qualquer situação em que for enfiado, mas algumas delas não usarão suas capacidades ao máximo.

Se armadores já foram jogadores que unicamente criavam espaço para os companheiros, ou faziam apenas o pick-and-roll, ou em dado momento eram apenas pontuadores em infiltrações, esses tempos certamente já passaram. Hoje as funções são bastante distribuídas entre todas as posições da quadra, vários times despejam toda sua produção ofensiva em outras posições que não a armação principal e os jogadores nunca precisaram ser tão completos. As posições são cada vez mais fluidas e muitas vezes só é possível saber qual jogador ocupou qual posição através da inscrição arbitrária dos times antes das partidas começarem. Nesse jogo mais instável, se existe alguma coisa que ainda resta para a definição de um armador puro é apenas aquela abstrata exigência de manter o esquema tático funcionando – seja ele qual for, com quais definições ele exigir. Para a estranha vontade do Thunder de ter um basquete com poucos passes e com criação de jogadas individuais, Russell Westbrook é o homem ideal. Outro armador mais “clássico”, das antigas, sofreria horrores para manter esse esquema do Thunder funcionando na marra como ele. Mas em outros esquemas Westbrook seria mal utilizado ou simplesmente seria incapaz de manter as coisas funcionando.

Ty Lawson no Nuggets foi um desses casos raros em que um jogador tinha todas as suas principais qualidades sendo usadas inteiramente para fazer com que o esquema tático da equipe funcionasse. O esquema exigia correria, ataques à cesta, espaçamento vindo de infiltrações, pick-and-rolls simples com pontes aéreas, pouquíssimos arremessos de fora, defesa nas linhas de passe. Ty Lawson era tão perfeito para reger essa máquina que nas duas últimas temporadas não deixou dúvidas de que estava entre os melhores armadores da NBA – e parecia estar ficando cada vez melhor no processo. Apesar dos resultados apenas medianos do Nuggets, o sucesso do Ty Lawson foi tão inegável que os dirigentes da equipe até fingiram não notar seus problemas de comportamento extra-quadra. Josh Kroenke, um dos engravatados da equipe, admitiu que Lawson teve problemas internos no Nuggets por anos, mas que ele era tão essencial para o funcionamento da franquia que o consenso era tolerá-lo.

Eventualmente suas questões comportamentais ficaram grandes demais: com duas prisões por dirigir alcoolizado em menos de 6 meses, incluindo uma ordem judicial para que ele entrasse num programa de tratamento contra o álcool, o Nuggets passou a analisar propostas para se livrar do jogador. Draftaram o Emmanuel Mudiay e começaram a pensar no futuro. Foi só então que perceberam que Ty Lawson, um dos melhores armadores da NBA, não tinha qualquer valor de mercado – em parte porque seu salário era grande demais, mas em parte porque ninguém achava que valeria a pena arriscar peças valiosas num jogador que parecia uma bomba-relógio prestes a explodir.

O valor de mercado do Ty Lawson é também resultado de uma NBA cada vez mais preocupada com sua imagem, consciente de que jogadores que aparecem nas páginas policiais afastam publicitários e torcedores. Mas é principalmente fruto de uma NBA pouco preocupada com a posição de armação principal – os estilos são tantos, as posições tão diluídas e os jogadores tão completos que é cada vez mais simples encontrar um armador qualquer, no fundo dos bancos ou no final dos drafts, que supram a sua necessidade de manter o esquema tático coeso com base em uma ou outra habilidade em particular. Armadores regulares encontram-se às dúzias, e muitas vezes não vale a pena pagar mais caro por um armador que corre o risco de não se encaixar no seu esquema tático – ou que vai acabar te engessando num esquema tático que, caso seja alterado, tornará o armador obsoleto ou inaproveitável. Nesse poço quase infinito de armadores disponíveis, apostar em um armador muito caro e com sérios problemas pessoais não parece um bom negócio.

Quem mordeu a isca foi meu Houston Rockets, vindo de uma final de Conferência e esperançoso de que uma peça a mais poderia ser o que o separava de um título. Na prática, tudo que o Rockets precisou para conseguir Ty Lawson foi absorver o salário – mandando um monte de jogadores secundários embora – e enviar uma escolha de draft. Foi pouquíssimo, mas foi o máximo que o Nuggets conseguiu por um dos melhores armadores da Liga.

Imediatamente começou na cabeça dos técnicos e dos torcedores o temível quebra-cabeças para imaginar como Lawson poderia se encaixar num esquema tão distinto daquele que o tornara um dos líderes de assistência da NBA: no Rockets, Lawson precisaria jogar mais sem a bola, acertar arremessos, ficar no lado oposto da bola, rodar a bola rápido. Em poucas partidas ficou óbvio que se esperava dele, no fundo, que ele acertasse arremessos de fora. Não funcionou.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Toda a espontaneidade do incentivo ao Ty Lawson”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/03/Ty-Lawson-incentivado.jpg[/image]

Lawson sabia que a situação tática era a pior possível, mas a situação pessoal também não ajudou. Estigmatizado, sem papel definido, preterido pela NBA, o armador estava completamente desmotivado. A comissão técnica do Rockets fez o que estava ao alcance: incentivaram o jogador nos treinos, mostraram vídeos e mais vídeos de como ele poderia ser útil para a equipe, mudaram as escalações para que ele jogassem com outros jogadores ao mesmo tempo e pudesse ser mais ativo. Nada funcionou. Na data limite de trocas, nenhum time quis trocar nem um pacote de bolachas pelo armador. Acabou sendo dispensado, custando milhões aos cofres do Rockets.

Pior do que a grana foi a bagunça que ele causou no elenco – não necessariamente nos bastidores, porque disso não temos muitas informações, mas em quadra mesmo. Tentando encaixar o armador, o Rockets não conseguiu seguir um padrão coerente de jogo, não acertou a rotação dos reservas, não conseguiu decidir se usava ou não pick-and-roll, demitiu o técnico, e por fim acabou voltando exatamente para como era antes mas com muito mais derrotas no currículo. Demorou para o Rockets perceber que o armador que eles precisam é alguém que arremesse parado em jogadas quebradas e defenda como se não houvesse amanhã, tipo um clone do Patrick Beverley, que aliás eles já tem – o jogador, não o clone. Não adianta nada só adicionar talento, ao menos não na armação principal, a posição que mais depende do esquema estabelecido em todo o basquete. Qualquer ala com um arremesso qualquer-coisa já teria valido mais do que Ty Lawson.

Esse desastre diz algumas coisas sobre os armadores hoje em dia: analisá-los é analisar como se encaixam em situações específicas. É preciso resistir à tentação de arrancar um armador “redondo” e tentar encaixá-lo num espaço “quadrado”, tal qual criança brincando com aqueles quebra-cabeças de madeira. Os problemas pessoais do Ty Lawson são o de menos, mas é que numa posição tão arriscada, em que há tanta oferta e cada vez menos procura, acrescentar problemas com a lei torna o pacote indigesto demais para a enorme maioria das equipes da NBA.

Se o Pacers topou a brincadeira de contratá-lo por um salário mínimo para veteranos é sinal de que seu tempo no Nuggets realmente deixou alguns torcedores e engravatados impressionados. Fico feliz que o armador tenha ganhado uma nova – e provavelmente última – chance de mostrar que pode contribuir dentro do esquema correto. E certamente o Pacers é mesmo o esquema correto para isso: se o time titular depende da correria de Monta Ellis, o time reserva é um DESASTRE COMPLETO sob a tutela de Rodney Stuckey. Colocar Lawson para correr com o banco de reservas pode ser uma solução para não desgringolar o ataque por completo e usar alguns dos talentos do armador que certamente não evaporaram do dia para a noite. Mas ainda assim seu papel será limitado, com poucos minutos ao menos por enquanto. É preciso saber se Lawson terá cabeça para entender que isso não é nada pessoal, é apenas a atual situação dos armadores na NBA: todos eles são substituíveis se não houver encaixe para o esquema. A esperança de Ty Lawson é que seja ele o substituto de alguém que venha a não funcionar em Indiana, e não que ele seja substituído por um outro armador qualquer, afundando em definitivo no limbo dos desempregados da NBA.

 

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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