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Aqui no Chipre coisas estranhas acontecem o tempo todo. É simplesmente um país diferente onde estou vivendo com pessoas diferentes e tudo o que acontece não é comum, em um domingo você pode estar deitado na cama postando no seu blog de NBA e minutos depois está ajudando uma mexicana a mudar de casa usando a carona de um indiano que ambos conheceram na rua naquele exato momento. Ou pode pegar um táxi em que o motorista tira as mãos do volante no meio da curva para mostrar o quão pequena pode ser a vagina de uma prostituta vietnamita. Mas de todas as histórias que vi e ouvi por aqui, uma criou uma frase marcante. Um amigo meu da Costa Rica disse que estava um dia na rua quando um cipriota qualquer o parou e disse: “Você é uma pessoa muito única e especial”. E foi embora. Pois essa é a definição que eu escolhi para definir rapidamente Rajon Rondo.
Eu já queria postar sobre o Celtics há algum tempo e o foco seria o Rondo, mas o empurrão definitivo veio depois de ler esse texto excelente no RealGM feito por um cara com o estranho nome de Elrod Enchilada. Sua análise do que ele chama “Paradoxo Rondo” tenta entender como um jogador tão espetacular tem um defeito tão primário. E, acredite, o assunto não é o seu arremesso.
A parte espetacular a gente já está enjoado de ver. Na partida de ontem entre Celtics e Magic o Rondo mostrou todo o seu arsenal de jogadas que o fazem um dos melhores jogadores (não só armadores) da NBA. Trocentos passes, visão de jogo impecável, total controle do ritmo de jogo, conhece as jogadas do time de trás pra frente, sabe improvisar e seria o meu voto de armador para o time de defesa da temporada. Ele é o jogador mais importante do time que eu considero o melhor da temporada até agora. Eu sei que o Spurs tem um recorde melhor, mas já falei das minhas preocupações com o time do Gregg Popovich aqui, e o Miami Heat, embora também espetacular, acho que não conseguiria atualmente vencer a defesa de garrafão do Celtics em uma série de 7 jogos. Palpites e opinião pessoal que ainda pode mudar, mas acho que todo mundo concorda que o Celtics está lá em cima, jogando em altíssimo nível e que só não tem um recorde melhor porque eventualmente perde jogos completamente imbecis para Raptors, Pistons e Wizards, coisa de time muito velho (ou experiente, já que estamos elogiando) e entediado com a temporada regular. E nem vamos comentar a derrota para o Cavs na primeira semana porque aquela foi só pra provocar o LeBron.
A primeira das coisas únicas e especiais do Rondo é como e onde evoluiu. No seu primeiro ano na NBA ele era um estranho armador de braços longos demais que tinha menos oportunidades no time do que Delonte West e minutos quase iguais aos do Sebastian Telfair. Acreditava-se que o último seria o “armador do futuro” na franquia. Mas na confusão que foi mandar quase todo o elenco para conseguir Kevin Garnett e Ray Allen, o Rondo acabou sobrando como o único armador. Era jovem, já tinha tido uma temporada para cometer seus erros de iniciante e ainda era um excelente ladrão de bolas, por que não? O Celtics até tentou na época armadores mais experientes e acabou no meio da temporada levando o já quase aposentado Sam Cassell, mas simplesmente não havia dinheiro para conseguir alguém mais experiente e pronto para a função. Boa parte da crítica que todo mundo fez do Celtics naquela primeira temporada do Big 3 foi “será que Rondo e Perkins darão conta do recado nos playoffs?”. Eles deram, mas como coadjuvantes, até fazíamos piada na época comentando como o Rondo era o jogador mais cagão e precavido possível, jogando com risco zero e deixando toda a responsabilidade para Paul Pierce, Kevin Garnett e Ray Allen no ataque.
Aí bizarramente dois anos depois eles estavam de volta na final da NBA, mas dessa vez Rondo era o líder do time, o melhor jogador disparado, uma máquina de triple-doubles e a mente mais criativa da equipe. Eu tentei lembrar, mas não consigo me recordar de outra história de um jogador que tenha ganhado tanta responsabilidade em um time em tão pouco tempo! Talvez o Michael Redd no Bucks, mas no caso dele o seu papel cresceu quando Cassell, Ray Allen e Glenn Robinson foram embora, Rondo fez tudo isso cercado de três jogadores fora de série, é estranho até estes caras não serem egocêntricos e deixarem um pirralho comandar o show. É uma história única.
Seus arremessos de média e longa distância costumam ser a parte do jogo mais duramente criticada, faz sentido, já que são péssimos mesmo, mas a verdade é que ele não precisa deles. Na verdade, é até melhor que pensem nele assim! A maioria dos times dão espaço para ele, pensando que é melhor usar o seu marcador mais recuado e fechando o garrafão, idéia que parecia genial no começo, mas que hoje parece um conto do vigário que todo mundo continua caindo; esse espaço é tudo o que o Rondo precisa para costurar a defesa adversária e ter a melhor visão do mundo para ver a movimentação de todo o seu time. Some-se isso à “maior inteligência em quadra que eu já vi” nas palavras de Paul Pierce, Kevin Garnett e Doc Rivers e você tem o líder da liga em assistências. Porém, existe o Paradoxo Rondo e como já avisei não tem nada a ver com os seus arremessos tortos. A questão é que o nosso amigo que está com o saco doendo de tanta puxação tem alguns dos piores números imagináveis quando o assunto são lances livres.
Até agora Rondo acertou 33 lances livres nessa temporada em 37 jogos disputados. Se contarmos toda a história da NBA desde o período paleolítico, pegarmos todos os jogadores com pelo menos 35 minutos por jogo (titulares em geral) apenas um outro jogador teve menos lances livres feitos por minuto, era Dennis Rodman em 93-94.
O meu xará era um jogador que fazia apenas duas coisas em um jogo de basquete, defender e pegar rebotes. Sequer tentava arremessos para receber faltas, era algo impensável e desnecessário. E é com esse tipo de jogador que o Rondo está lado a lado, perto dele, mas abaixo estão outros jogadores que só defendem e de vez em quando dão um arremesso quando estão livre, nunca se envolvendo em situações de falta. Ou seja, o Rondo, um cara inteligente, que sabe ler o jogo, é veloz e tem um dos melhores dribles da NBA, quase nunca sequer tenta cobrar lances livres! Até caras com característica parecidas, como o Jason Kidd, cobram centenas de lances livres a mais que ele. Mas Murphy é meu pastor e o rebanho se perderá, tudo sempre pode piorar: O Shaquille O’Neal (SHAQUILLE O’NEAL, pelo amor de Alinne Moraes!) tem 55% de aproveitamento em lances livres nessa temporada, o Rondo tem 54%. E eu já poderia acabar o post aqui, não tem maior humilhação que essa, ainda mais para um armador.
Ou seja, ele não ataca a cesta, não cobra lances livres e quando o faz é pior que o Shaq. O técnico Doc Rivers decidiu forçar o Rondo a atacar mais a cesta, “Estamos insistindo nisso, queremos colocar ele na linha de lance livre o máximo possível, sempre atacando a cesta. Meu desafio é ver ele cobrando 10 lances livres por jogo”. Sim, ele consegue ser útil mesmo sem esse talento, mas não quer dizer que ele não deva melhorar. Em algumas das derrotas do Celtics nessa temporada, as preguiçosas, o Ray Allen simplesmente está frio, o Paul Pierce está bocejando e o Rondo poderia tomar conta do jogo, atacar a cesta, conseguir uns pontos fáceis e tudo mais. Mas ao invés disso ele continua só passando a bola, sendo um viciado em assistências que nem olha para a cesta, dando bonitos passes que nesses casos não levam o seu time à vitória.
Sempre pensamos que o Rondo estava a um arremesso confiável de ser um jogador completo, mas no fim das contas talvez ele só precise atacar mais a cesta, cobrar mais lances livres e, claro, acertá-los. Ele não precisa fazer isso só para ele ganhar reconhecimento e porque todos os outros armadores do mundo o fazem, mas pelo sucesso do time também. O Celtics é o quarto que menos cobra tiros livres na liga e é algo que faz muita falta em jogos apertados em que qualquer ponto fácil faz diferença. Eles já tem Ray Allen que cobra poucos, Shaq que evita cobrá-los e Garnett que ataca pouco a cesta faz tempo. Pela necessidade do time e pela sua velocidade e facilidade no drible é quase uma obrigação que ele seja mais agressivo e o responsável por ir mais vezes à linha de lance livre.
Se você assistir a um jogo do Heat, por exemplo, vai ver que quando nada está dando certo eles simplesmente colocam o LeBron e o Wade atacando a cesta sem parar. Mesmo que errem a bandeja, eventualmente vão sofrer uma falta ou outra e conseguem uns pontos fáceis. E quantas vezes o Kobe não estava com o arremesso calibrado e mesmo assim manteve o Lakers no jogo só por conseguir cobrar mil lances livres. Até o Paul Pierce, o responsável por essa função no Celtics hoje, cobra só 5 lances livres por jogo, bem menos que os 10 do seu auge físico ou até os 8 de duas temporadas atrás. Ele não tem mais velocidade pra isso, assim como quase ninguém no asilo verde.
Ir bastante para a linha de lances livres é obrigação de jogo, acertar mais é obrigação de treino, mas não consigo acreditar que um jogador do seu nível não seja capaz de alcançar no mínimo uns 75% de aproveitamento. E uma declaração no texto que citei anteriormente me chamou a atenção, “Quanto mais lances livres ele cobra em um jogo, melhor é o seu aproveitamento”. Será que é sério? Fui no basketball-reference e descobri que só em 9 jogos na carreira ele cobrou 10 lances livres ou mais, uma amostragem pequena, mas nesses jogos ele teve 68% de aproveitamento, mais do que os 64% que ele tem como melhor marca na carreira logo no seu primeiro ano. Será que ele só precisa se sentir mais à vontade lá pra acertar de maneira decente? E como alguém de 24 anos toma conta de um time espetacular e com uns 4 jogadores destinados ao Hall da Fama e não consegue bater lances livres? Paradoxo Rondo, único e especial em todos os sentidos.