>Vitória sem vingança

>

Nash imita o Cristo Redentor

Para quem não é fã do Spurs, os últimos 10 anos não foram tempos muito divertidos. Desde 2003, parece que o Spurs não fez outra coisa além de chutar o traseiro do Phoenix Suns. Quanto mais a NBA ficava defensiva, quanto mais os times se transformavam em enormes retrancas, quanto mais os times pareciam todos iguais tentando arranjar peças similares umas às outras, mais o Suns se levantava como uma alternativa viável, um basquete diferente, uma mentalidade quase insana, mas que também era capaz de dar resultado. Com apenas um único problema: não era capaz de dar resultado coisa nenhuma. Porque o Spurs não deixava.
Como acontece com todo projeto político, para provar que seu plano dava resultado, o Suns teve que – funhé! – abandonar seu plano. Primeiro foi a contratação de Shaquille O’Neal, dando ao Suns um jogo de meia quadra e um cara para trombar com Tim Duncan, depois foi a mudança de técnico para tentar se focar na defesa. Não deu certo.
Os erros foram se acumulando, o tempo foi passando, e a gente desistiu de um monte de coisas: a Alinne Moraes não vai ficar pelada, eu não vou ganhar na loteria, e o Suns não vai ganhar do Spurs. Como surpresas, no máximo esperamos um pneu furado pela manhã que nos poupe de chegar no trabalho, ou um incêndio que acabe com o escritório, talvez um Jogo 7 nos playoffs entre o Spurs e o Suns e olhe lá. Mas não conseguimos acreditar na vitória mesmo quando ela era mais provável.
Levou anos para o Spurs finalmente não ter as peças necessárias para colocar em vigor o esquema tático absurdamente rígido do técnico Gregg Popovich. Faltava um defensor no perímetro, um arremessador de três da zona morta, arremessadores experientes que gostem de arremessar com os pés parados, um biruta de posto no garrafão pra fazer faltas duras no lugar do Duncan. Levou anos para o Spurs sem as engrenagens certas ainda contar com lesões de Ginóbili e Tony Parker, tirando da equipe qualquer esperança de ritmo de jogo, algo tão essencial para um time regular como esse. Durante as últimas semanas recuperaram todos os jogadores de contusão, conquistaram algum ritmo, conseguiram descobrir em George Hill alguém para defender e arremessar da zona morta. Mas ainda ficaram claros os buracos no elenco que Popovich não podia tapar sem jogar seu plano de jogo pela privada.
Levou anos para o Spurs ser um time de defesa mais capenga e que, portanto, depende mais do ataque e joga melhor em velocidade. Levou anos para o Suns ser um time com melhores reboteiros, que joga melhor num ataque de meia quadra, defende melhor e corre menos. Com o Spurs correndo mais, querendo usar um time mais rápido e mais baixo (Parker, Ginóbili e George Hill) e o Suns correndo menos, tendo mais opções no jogo individual (Jason Richardson, Grant Hill), não dava nem pra saber qual dos dois times jogava mais na correria do que o outro. E mesmo assim a gente achava que o Suns iria ganhar sem sequer confiar nas nossas próprias palavras. No fundo aquela certeza de que o Spurs ia dar um jeito, como sempre deu. O Ginóbili iria arrumar um modo de ganhar os jogos no final se tacando no chão argentinamente.
Os quatro jogos da série viram Grant Hill sair contundido para voltar minutos depois como se nada tivesse acontecido, e Steve Nash sair sangrando de quadra para voltar minutos depois – com 6 pontos tomados na cabeça e um olho a menos na cara – como se nada tivesse acontecido. Ué, os dois não deveriam ter morrido misteriosamente enquanto alguém aleatório do Spurs (eu chutava o Matt Bonner) marcaria 50 pontos inesperados? O Nash não deveria morrer em quadra vítima do ataque de um navio bucaneiro por estar jogando caolho, fantasiado de pirata?
Tudo deu certo para o Suns e bizarramente errado para o Spurs. Foi um encontro muito diferente daquele que ficamos acostumados, com um Spurs diferente e baleado que se encaixou muito pior em um Suns diferente e reforçado em aspectos mais diversos do que só o campo ofensivo. É até difícil acreditar que, mais do que vencer o Spurs, o Suns varreu a equipe de San Antonio com um estrondoso 4 a 0 na série. Fico feliz de não ter sido com Shaquille O’Neal, às custas do projeto de um Suns ofensivo, se vendendo apenas para se livrar do rival. Mas não há como não ficar com um pingo de tristeza ao ver as consessões que o Suns fez para sair vitorioso dessa série, jogando com um pivô, segurando a bola, pegando rebotes ofensivos. Há muito do Suns de resistência, do Suns rebelde e subversivo que aprendemos a amar, como um Nash vovô jogando muito, Amar’e pontuando mas incapaz de defender, um pivô chamado Channing Frye que só arremessa de três pontos, um banco de reservas que corre como louco (até mais do que o time titular). Mas essa vitória não muda nem compensa as derrotas anteriores – agora é tarde.
Assisti emocionado ao Duncan se aproximar de Nash, após o fim da partida, e pedir desculpas pelo talho que abriu na cabeça do canadense. Duncan estava sorridente, sinal claro do apocalipse. Depois, Duncan foi dar tapinhas no ombro do Amar’e e dizer que agora é a hora do garoto. Parker abraçou o Nash com nobre admiração, depois de ter dito um dia antes que é um grande fã do armador canadense e que aprendeu muito assistindo a ele jogar durante os últimos anos. Até o Ginóbili conseguiu abraçar Grant Hill sem se jogar no chão e pedir uma falta. Esse time do Spurs é grandioso, saiu de quadra com um sorriso no rosto, consciente de que perde apenas porque a máquina não tem mais as mesmas peças. Simplesmente chegou a hora do Suns de ir em frente. É claro que a equipe de Phoenix respira aliviada e se sente parcialmente vingada, mas pegou um adversário combalido e o enfrentou depois de anos adulterando seu elenco. Legal, estou feliz pra burro e torço para o Suns coroar essa vitória com um anel de campeão depois. Mas ficamos longe de ter aquela vingança, aquela vontade de sangue que as séries passadas tiveram. Não apenas estamos fadados a nunca ver um Jogo 7 entre Suns e Spurs, como também só vimos o Suns vencer frente a esse Spurs sem muitas chances, quase desistente, dócil, cheio de abracinhos no final. Bowen e Horry não abraçariam ninguém, a não ser para bater carteiras – mas felizmente o basquete os engoliu faz um tempo.
O San Antonio Spurs é como chocolate amargo, parece horrível perto do docinho gostoso que estamos acostumados desde bebês tomando Ovomaltine. Mas aos poucos vamos acostumando e tomando gosto pela coisa. Com os anos aprendi a apreciar mais e mais o basquete do Spurs, admirar Tim Duncan e bater palmas para o jogo subversivo de Tony Parker e Ginóbili que, muito aos poucos, foram dobrando o esquema tático de Popovich. Mas esse não é o mesmo Spurs que chegou numa semi-final de conferência passando bolas decisivas para o Richard Jefferson errar seus arremessos livres. Dá pra imaginar o Suns não tendo que marcar um dos arremessadores do Spurs? Culpa do Spurs que apostou as fichas no cara errado, mérito do Suns que fez as trocas certas e soube reforçar fraquezas do time sem colecionar grandes defensores.
Nem acredito que vi o Suns passar do Spurs, resolvi até postar rápido antes que a NBA resolva cancelar o resultado por doping ou alguma loucura do tipo, haverá tempo de se falar melhor dessa partida mais pra frente, enquanto esperamos o vencedor de Lakers e Jazz. Mas uma parte de mim percebe claramente que não há uma vingança acontecendo aqui: um Suns diferente venceu um Spurs mais diferente ainda. Em quatro partidas fáceis, quase sem graça. Todo aquele desgosto de ver o Suns experimento de cientista maluco ser eliminado por um Spurs brutal e violento continuará para sempre entalado na garganta. O Nash sangrou por uma cotovelada sem querer de um Duncan que até pediu desculpas constrangido, é uma outra realidade. A vitória dessa noite vem com alegria para o Suns e com aceitação para o Spurs, que sabe de sua necessidade de, agora, reconstruir. Mas não há espaço para alivio na equipe de Phoenix. Os tempos são outros e o Spurs era uma equipe babinha: pela frente, deve vir Lakers. Não vai adiantar nada se livrar de uma zica que durou uma década para ser eliminado de novo. Se não for campeão, esse Suns vai desmontar e se vender de novo, cada vez mais longe do projeto inicial. Quem será que contratarão, na temporada que vem, pensando apenas em parar Kobe e Gasol?

Como funcionam as assinaturas do Bola Presa?

Como são os planos?

São dois tipos de planos MENSAIS para você assinar o Bola Presa:

R$ 14

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

R$ 20

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Como funciona o pagamento?

As assinaturas são feitas no Sparkle, da Hotmart, e todo o conteúdo fica disponível imediatamente lá mesmo na plataforma.