O cestinha daquele jogo foi um garoto de 21 anos chamado Ed Palubinskas. O australiano fechava sua primeira Olimpíada com média de 21 pontos por jogo, o segundo maior pontuador da competição. Cestinha ou segundo cestinha de todos os jogos que disputou, Palubinskas ainda não estava no seu auge olímpico.
Em Montréal, em 1976, depois de quatro temporadas pela LSU no basquete universitário americano, marcou 48 pontos na partida entre Austrália e México. Nunca antes um jogador havia marcado tantos pontos em um jogo de basquete olímpico. A Austrália saiu de Montréal com um modesto oitavo lugar, mas Palubinskas tinha o posto de maior cestinha de uma edição de jogos olímpicos com 219 pontos, 31 por partida. O recorde só foi quebrado pelo Oscar nas Olimpíadas de Barcelona. O brasileiro também quebrou seu recorde de mais pontos em um jogo olímpico, 55 contra a Espanha em 1988.
Nascido em Canberra, capital da Austrália, Palubinskas era uma criança que se divertia jogando o bom e velho futebol. Quando tinha 15 anos, sua escola contratou um novo professor de Educação Física que era jogador de basquete e Ed se apaixonou pelo novo esporte. “Ele era um grande técnico, homem e professor. Mas não aprendi tudo o que sei com ele”. Bastou aprender o amor pelo jogo para que a vida de Palubinskas ganhasse um novo rumo. Já no colegial evoluiu fisicamente e passou a disputar torneios. Seu jogo, porém, ainda não era muito desenvolvido. “Eu era rápido, ágil, pulava, enterrava. Era um bom jogador. Mas odiava passar a bola, mais ainda do que seu Oscar Schimdt. Acho que a única vez que passei alguma coisa foi quando passei uma pedra do meu rim para fora de mim. É isso, tenho uma assistência.”
Aos 20 anos, Ed ganhou o prêmio australiano de “Mr.Basketball e logo foi para sua primeiras Olimpíada. De lá, como contamos, para os EUA. Na terra do basquete começou a se destacar não mais por sua capacidade atlética, mas pelo arremesso. Liderou a NCAA em aproveitamento de lance livre, com 92%, e tem ainda o recorde de mais lances livres acertados em sequência num mesmo jogo, 14. Sua dedicação tática, seu arremesso e finalmente a força de vontade para passar a bola um pouquinho mais o fizeram ser um All-American, seleção dos melhores jogadores universitários da temporada.
Depois de quatro anos de sucesso acabou sendo draftado para a NBA mas sem muita chance de ir para a liga. Ele era bom, mas nem tanto. Foi uma escolha de 3º round do Atlanta Hawks no draft de 1975, época em que os drafts eram quase infinitos. Acabou por jogar profissionalmente apenas na Austrália e na França, abdicando das ligas menores dos EUA. Palubinskas, em alguns e-mails cheios de GIFs animados com smiles enterrando bolas de basquete, chama sua carreira de “Disneylândia”, por ter se divertido mais jogando basquete e sendo pago pra isso do que em qualquer outro momento da sua vida. O gosto pelo esporte o fez se arriscar no mundo dos técnicos quando ainda era novo. No fim dos anos 70 se arriscou num bizarro projeto de criar uma academia americana de basquete no Bahrein.
A carreira, o gosto pelo basquete, as duas Olimpíadas, a carreira universitária e os quase 5 anos de carreira profissional foram, no entanto, apenas um prelúdio do grande momento da sua vida.
Numa noite congelante de 1981 em Utah, Palubinskas voltava de um treino noturno dirigindo seu carro sobre o gelo que cobria a estrada. Em uma curva que leva a uma ponte, o carro começou a perder o controle. No segundo em que teve que decidir o que fazer, Palubinskas escolheu colidir o carro com a parede da ponte ao invés do frio congelante da água sob ela. Imobilizado dentro do carro que ameaçava pegar fogo, Ed saiu apenas com a ajuda de um homem que morava próximo ao local do acidente. Ao sair arrastado, quase foi atropelado, junto com os destroços de seu carro e o homem que o ajudou, por um caminhão que escorregara na mesma parte congelada da pista: “nós tivemos muita sorte”.
Durante os 14 dias em que permaneceu no hospital, Palubinskas estava arrasado. Havia quebrado 3 costelas e não tinha o movimento do lado direito do seu corpo, o lado do arremesso. Em todo momento repetia que sua carreira tinha acabado. Ao voltar para casa, após inúmeras sessões de fisioterapia, os movimentos da mão voltaram. Como passatempo, Ed dirigia sua cadeira de rodas até o quintal de casa para brincar de arremesso.
Ao arremessar, fazer bandejas em velocidade e perceber a ótima porcentagem de aproveitamento que mantinha, surgiu a inspiração. “Percebi o quanto de movimento é desperdiçado no ato do arremesso. Só na cadeira de rodas fui perceber como concentramos nossa força em áreas inúteis do corpo”. Foi quando iniciou uma infinita, repetitiva e conscientemente interminável busca pela perfeição. Mórmon, acredita que Deus, um ser perfeito, fez o homem à sua imagem e semelhança e que se ele não é perfeito nos seus arremessos, a culpa é dele e isso deve ser treinado.
Depois de dois anos sem jogar profissionalmente, Palubinskas voltou. Mas apenas vencer jogos não era mais o seu objetivo, ele buscava a perfeição pessoal, a perfeição na forma dos seus arremessos. Decidiu estudar cientificamente a mecânica dos chutes e se transformar, mesmo que em apenas uma área de um esporte, em um jogador perfeito.
Ed Palubinskas diz ter errado apenas três lances livres em 18 anos de competições profissionais. Repete exaustivamente a cada mensagem que acertou 1572 dos 1575 lances livres em competições oficiais. Segundo ele, resultado de pura equação científica: “Ângulo de saída do arremesso é igual ao ângulo de entrada, é assim que eu trabalho”. Perguntei mais detalhes dos métodos científicos e ele disse que é uma simples questão de triângulos, “Bola sobre a cabeça, munheca e os dois cotovelos formando um triângulo equilátero. Cabeça e os pés na base formando um triângulo isósceles e o dedão, indicador e dedinho na bola formam outro triângulo perfeito. Ah, veja o resto no meu site“.
Foi natural que ao envelhecer Ed Palubinskas desistisse de jogar profissionalmente para se dedicar apenas à sua obsessão. Tirou 360 mil dólares da poupança pessoal, empréstimos e amigos para montar o Smartball System, um conjunto de bola, DVD educacional e livro que ensina todas as técnicas de arremesso desenvolvidas pelo australiano desde que fazia bandejas em cadeiras de roda no quintal de casa. Atualmente Ed conversa com a Adidas e a Nike para que seu produto, comercializado hoje só via internet, vire comum em quadras de rua ao redor do mundo.
“Minha missão na vida é mudar os conceitos errados e as mecânicas ruins de arremesso em todo o mundo. Com esse sistema e treinando técnicos eu posso melhorar o aproveitamento de um país inteiro em 10% em apenas um ano. Podemos mudar o mundo um país de cada vez.”
Durante as entrevistas, Ed Palubinskas demonstrou grande vontade de vir ao Brasil, até apresentou um projeto que custaria 100 mil dólares e que, segundo ele, revolucionaria os arremessos por aqui. Acha que o país gosta de basquete, gosta de arremessar, mas já não produz arremessadores como antigamente. “O Leandrinho tem um aproveitamento fenomenal, é um dos grandes arremessadores da NBA, mas claramente nunca foi treinado por ninguém”.