>Yao e a seleção brasileira

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Yao e Nenê têm tanto em comum que até andam de braços dados

Dia desses, Yao Ming afirmou em entrevista que se aposentará caso sua lesão no pé não evolua como esperado, que seu físico precisa ser poupado e que deixará de defender a seleção chinesa. Não se trata de um aviso de aposentadoria e nem é razão de pânico em Houston. Ao contrário do que se imaginava, sua lesão teve recuperação acima da esperada e Yao está em excelente forma física, pronto para atuar no primeiro jogo do Rockets na temporada. A afirmação de Yao Ming foi dirigida, implicitamente, ao seu país natal. Depois de anos sacrificando seu corpo pela seleção chinesa, Yao tentou se livrar desse fardo sem soar um desertor ou traidor.

Num dos posts mais sérios do Bola Presa, comentei sobre o papel que o chinês teve em aproximar duas culturas tão distintas. A China deixou para trás velhos esteriótipos e valores e rendeu-se a um modo americano ao mesmo tempo em que Yao mudava seu modo de agir e jogar dentro das quadras. Foi um projeto longo com seu ápice nas Olimpíadas, quando a China provou ao mundo que não era um país bizarro em que se come baratas, é apenas outro país com shoppings, grifes, marcas, muito dinheiro, e força para vencer no quadro de medalhas. Yao não apenas foi o pilar da campanha digna da seleção chinesa de basquete nas Olimpíadas, foi também responsável por uma missão diplomática: aos americanos, apresentou uma China simples e digna de respeito nas quadras e fora delas; aos chineses, apresentou os Estados Unidos como algo que pode ser tocado, compreendido, imitado. Quanto mais americano o Yao se tornava, melhor ele unia as duas culturas rumo às Olimpíadas. Lá, todo mundo se deu as mãos e agora ninguém tem medo da China ser “comunista” e nem acha que os chineses são fracotes, desnutridos, pobres ou que ficam citando pérolas de sabedoria. O projeto está terminado, a China cresce vertiginosamente, Yao é um ídolo que ficará para a história, e os Estados Unidos acham tudo isso bonitinho, são parceiros. Pronto. Agora, finalmente, o pobre pivô pode escapar de jogar por aquela seleção capenga.

É cada vez mais normal, tanto no basquete quanto no futebol, jogadores priorizarem suas equipes ao invés de se dedicarem às suas seleções. Na NBA, cada vez mais as grandes estrelas pedem dispensa de suas seleções para poder descansar, treinar, se concentrar em seus times. Isso faz muito sentido em nossos tempos. Vivemos na geração da internet, em que as fronteiras físicas são cada vez mais arcaicas e desnecessárias. Estamos ligados às pessoas por interesses em comum, não importando em que país vivam, e não estamos presos a um modo de pensar ou de agir exclusivo dos nossos vizinhos. Não existem mais limitações geográficas, tenho mais a dizer a um sueco fã do Houston Rockets do que teria a um brasileiro torcedor do Ipatinga – e agora eu posso dizê-lo. Antes, jogar por uma seleção era amor à pátria e a única chance de que algumas estrelas pudessem jogar em seus países, na frente de seus amigos, parentes e compatriotas. Agora, pátria é um conceito que definha até à morte, podemos acompanhar as nossas estrelas – e as estrelas de qualquer país – através da televisão e da internet, podemos eleger nossas estrelas e nossos times graças a afinidades de estilo ou ideologia, e não por terem nascido dentro da mesma linha imaginária em que nascemos. Recentemente, sem televisão, assisti à final do Campeonato Paulista numa transmissão pela internet de um canal polonês. Eles podem torcer para o Santos ao invés de para um time mequetrefe da Polônia. Bobagem essa história de “amor à pátria” quando sequer compreendemos mais o conceito de pátria. Podemos ver o Barcelona e assistir ao campeonato de handball polonês, para que servem as fronteiras? Frente a um basquete nacional de péssima qualidade, podemos assistir à NBA e escolher nossas estrelas entre as que mais se encaixam em nossas crenças pessoais.

Não faz mais sentido o Yao se sacrificar para jogar por uma seleção. Mesmo ele, que carregava todo um projeto cultural nas costas, pode se ver agora livre dessa bobagem. Yao chegou à NBA com a temporada já começada, quando novato, porque estava treinando com seu país. Abandonou o Houston com uma fratura por stress porque precisava se poupar para as Olimpíadas. Adquiriu a tal fratura por ter jogado durante as férias por sua seleção. Desde que entrou na NBA, Yao nunca teve férias graças à seleção chinesa. Suas lesões, cansaço, fraturas, tudo resultado de uma temporada cruel de 82 jogos e de uma seleção cruel que tinha algo a provar para o mundo. Até que uma lesão muito séria lhe tirou de quadra no meio de uma série de playoffs, não foi capaz de jogar durante toda a temporada passada, e agora volta debilitado ao time. Apenas se tiver seus minutos limitados em quadra e férias ao fim de cada temporada, Yao poderá render alguns anos ainda. Para garantir isso, o Houston trouxe de volta Luis Scola, que chuta traseiros no garrafão mesmo sem conseguir pular um centímetro sequer, e adicionou Brad Miller, um dos melhores pivôs de todos os tempos quando se trata de arremessar e passar a bola. O Houston disse que pagaria o preço que fosse para manter o Scola, ele segurou as pontas de um time sem garrafão, é muito consistente, ganhou alguns jogos sozinho, tem cérebro pra jogar com o Rick Adelman e quebra até um galho de pivô sempre que precisa. O Brad Miller já foi mais na cagada, ele foi disputado por muitos times mas topou ir para Houston apenas pelo carinho que tem pelo Rick Adelman, já que jogou pelo técnico em seus tempos de Kings. Assim como Yao prefere jogar arremessando e dando passes na cabeça do garrafão, Brad Miller passou a vida fazendo justamente isso. Na verdade, o papel que Yao exerce no time é apenas uma imitação do que o Brad fazia no Kings antigamente. Nada melhor, então, do que trazer o original (mesmo que velho e empoeirado) para dar descanso ao Yao. A situação não poderia ser melhor para o chinês, que terá dois grandes jogadores de garrafão pela primeira vez na vida, poderá descansar vários minutos por jogo, e conseguirá pela primeira vez dedicar-se exclusivamente à NBA. Para o Houston, o que parecia um projeto de reconstrução virou de repente um time promissor e imediato: McGrady deu o fora e cedeu lugar para Kevin Martin, um dos melhores pontuadores da NBA, e até o armador reserva Kyle Lowry, que é bizarramente essencial para o time, foi recontratado. Reconstrução mesmo precisa rolar na seleção chinesa, mas isso é outra história.

Curiosamente, apesar de minha felicidade com a fuga de Yao da seleção e nossa atitude contra o conceito tolo de “patriotismo”, estou torcendo muito é pela seleção brasileira que disputará o mundial de basquete agora no fim de agosto. Em geral, não vemos porque dar cobertura especial para Leandrinho, Nenê ou Varejão apenas por eles terem nascido na mesma linha imaginária em que nascemos, mas dessa vez o caso é especial. Como sempre, faremos uma cobertura do Mundial de Basquete assim como fizemos das Olimpíadas, com foco nos jogadores da NBA, mas comentaremos bastante da seleção brasileira simplesmente porque nela reside as chances do crescimento do esporte em nosso país. Todos nós sabemos do apuro que é acompanhar ou praticar basquete no Brasil, de como falta apoio, incentivo, verba e até credibilidade. Nosso basquete esteve afundado durante décadas em corrupção, amadorismo, mal gerenciamento, foi ignorado pela mídia e pelas torcidas. Nós aqui do Bola Presa já tentamos, muitos anos atrás, levar a prática do basquete a sério, e recebemos muitos e-mails de gente que tenta seguir carreira na área, e portanto estamos cientes das dificuldades. O basquete precisa ser levado a sério no Brasil para que surjam reais oportunidades de praticar, acompanhar, torcer e escrever sobre o esporte que amamos.

Nossa postura por aqui sempre foi a de acompanhar o melhor basquete do mundo, afinal basquete é basquete, não importa o país, e a atenção do público brasileiro cresce cada vez mais com relação à NBA nos últimos anos. O público do Bola Presa aumenta mês a mês, sem parar, e tratamos isso como um interesse legítimo em basquete, puro e simples. Nosso formspring fica cada vez mais abarrotado de perguntas de iniciantes, gente querendo saber quais são as regras do esporte, onde se assiste, quem são as estrelas. E é tudo molecada, gente que está chegando agora e que não está sofrendo com a saída do Jordan, está é se divertindo com a última temporada do Kobe. Isso é ótimo, faz o esporte crescer, e o Bola Presa sempre teve a intenção de tornar a NBA mais fácil, gostosa e divertida de acompanhar num país com tão pouca cobertura de qualidade a respeito.

No entanto, para que as mídias convencionais levem basquete a sério, para que exista verba para as categorias de base, para que possamos assistir basquete ao vivo de qualidade, não adianta só a NBA. Precisa haver sucesso na seleção. A gente percebe bem rápido que brasileiro gosta mesmo é de torcer pela seleção brasileira. O patriotismo cada vez mais vira farofa, todo mundo tem camiseta do Barcelona e tem carinha aí querendo arrancar cabeças rivais porque torce para o Utah Jazz mesmo tendo nascido no Acre, mas mesmo assim fica todo mundo louco para acompanhar a seleção brasileira. Confesso que não entendo muito bem, assim como não entendi o motivo de tanta gente que achava a seleção do Dunga repulsiva ter torcido mesmo assim ao invés de torcer por outras seleções mais legais, mas o fenômeno é óbvio e precisamos aceitá-lo. Para o esporte ser levado a sério aqui por essas bandas, a seleção brasileira precisa ter sucesso nesse Mundial de Basquete.

Enquanto Yao tira férias de uma camiseta vermelha para se focar em outra, a do meu amado Houston Rockets, os jogadores brasileiros da NBA precisam se concentrar na seleção brasileira acima de tudo. Num momento em que seleções de países fazem cada vez menos sentido, a China dependeu da sua para mudar toda uma cultura, e agora dependemos da nossa para que o esporte que amamos receba o apoio que merece. Não faz sentido o basquete ser deixado de canto por aqui e a garotada ter tanta dificuldade em conseguir jogar seriamente. A solução, bizarramente, está nas mãos de Nenê, Varejão, Splitter e Leandrinho. Depois de tanta incompetência e falhas de tantos dirigentes por anos e mais anos, o peso acaba caindo nos jogadores que deveriam estar se esforçando é por suas equipes, que sempre lhes deram plenas condições de atuar em alto nível. Mas, assim como ocorreu com Yao, às vezes os jogadores precisam assumir pesos que não são seus. Desempenhar funções maiores do que eles mesmos.

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