🔒As duas torres

Numa data limite para trocas que tinha tudo para ser completamente sem impacto, eis que a troca de DeMarcus Cousins para o New Orleans Pelicans caiu como uma hecatombe nuclear em nossas cabeças. Como já analisamos por aqui, tanto o discurso de Cousins, quanto as afirmações da diretoria do Kings e até as NOVAS REGRAS SALARIAIS indicavam que o jogador continuaria sua carreira em Sacramento. Alguns times reclamaram que o Kings sequer os procurou para discutir uma troca; analistas afirmam que nenhuma equipe tinhas as condições reais (ou motivos) para oferecer qualquer pacote superior ao do Pelicans. De uma maneira ou de outra, o que importa é que Anthony Davis e DeMarcus Cousins, que jogaram na mesma universidade ainda que nunca tenham jogado juntos e tentaram ativamente pensar em maneiras de se encontrar num mesmo time na NBA, agora são parceiros de equipe. O Pelicans, famoso por estar gastando os melhores anos da carreira de Anthony Davis com um misto de péssimas contratações, draft duvidoso e o PIOR DEPARTAMENTO MÉDICO da NBA agora tem dois dos melhores jogadores de garrafão que essa geração já viu. Será que vai dar certo?

DeMarcus Cousins e Anthony Davis possuem muito em comum: são dois jogadores que podem jogar tanto como pivôs quanto como alas de força, que gostam de ter a bola nas mãos, capazes de armar o jogo, puxar contra-ataques e arremessar de média e longa distância. Mas o engraçado é que, embora essa descrição funcione para ambos, a MANEIRA como eles executam tudo isso é brutalmente diferente. Anthony Davis era um armador que de repente cresceu demais e teve que mudar de posição para o basquete universitário, aprendendo a jogar perto da cesta. Seu jogo de pés, visão de jogo, capacidade de bater a bola e de arremessar é digna de um armador. O técnico Alvin Gentry tem usado cada vez mais Davis como ala-armador, fazendo com que ele traga a bola da defesa para o ataque e inicie as jogadas. Sua capacidade de receber um corta-luz para receber um passe e arremessar com os pés juntos, o famoso catch and shoot, é descomunal para um jogador do seu tamanho. Mas seu real talento está no mano-a-mano contra pivôs que são infinitamente mais lentos ou contra alas que são consideravelmente mais baixos. Em seu lendário jogo de 59 pontos na temporada passada contra o Pistons, não havia ninguém que pudesse parar seu arremesso nem que fosse capaz de tapar os espaços quando ele resolvia atacar a cesta. Sua combinação de tamanho, velocidade e distância de arremesso são receita para massacres. Chega a ser engraçado ver Andre Drummond tentando fazer alguma coisa no vídeo abaixo:

DeMarcus Cousins, por outro lado, não é um armador que cresceu demais: é um pivô, forte como um touro, que aprendeu a controlar a bola e arremessá-la para expandir seu jogo. Ele também é uma força da natureza quando bate para a cesta, não por ser especialmente veloz, mas sim porque tem a primeira passada mais impressionante de toda a NBA: seu primeiro passo após receber a bola é tão longo, cria tanto espaço entre ele e seu defensor, que fica quase impossível se recuperar para conseguir contestar fisicamente uma infiltração, o que já seria duro em si. Peguei o vídeo abaixo e assista cem vezes até perceber quanto tempo o marcador leva para notar que Cousins deu o primeiro passo inicial! Por ser lento e ter essa infiltração fulminante, ele muitas vezes chega atrasado para o ataque completamente livre, pronto para receber um passe e arremessar de três pontos, ou então vê seu defensor apavorado com a ideia de infiltrações e pronto para defender o garrafão enquanto Cousins arremessa sem marcação suficiente. É esse espaço que Cousins recebe quando está longe do aro que permite que ele arme o jogo eventualmente e seja mortal nos arremessos; e é justamente por essa versatilidade que ele pode jogar como ala sem maiores problemas.

Ainda que de maneiras muito diferentes, Davis e Cousins exercem funções similares e, pior, são mais eficientes justamente quando estão jogando como pivôs – algo que, na NBA atual, serão impossibilitados de fazer simultaneamente. Vamos aos números: 51% dos minutos do Pelicans possuem Davis como pivô, contra apenas 17% como ala de força. No caso de Cousins, 41% dos minutos do Kings o tem como pivô, contra 26% como ala de força. Utilizando o PER, um ranking estatístico de eficiência que leva em consideração toda a produção de um jogador em quadra, tanto Davis quanto Cousins estariam tendo uma das 10 melhores temporadas de TODOS OS TEMPOS se levássemos em consideração apenas o tempo que passam como pivôs.

Pra gente ter noção do que isso significa, os dois fariam parte de um seleto grupo de jogadores a conseguir acima dos 31.2 pontos de PER numa temporada, um grupo composto apenas por Wilt Chamberlain, Michael Jordan, LeBron James e Stephen Curry. Como alas de força, os dois despencariam na lista, Anthony Davis com 30 e DeMarcus Cousins com apenas 25. Anthony Davis tem uma piora menos significativa muito provavelmente porque não conseguiu se estabelecer numa única posição desde que entrou na NBA. Isso, aliás, é a grande esperança para todos aqueles que acham que essas duas torres que exercem a mesma função possam trabalhar juntos.

Durante sua carreira, Anthony Davis sempre foi significativamente mais eficiente no ataque contra pivôs, que não possuem nenhuma chance de acompanhá-lo quadra afora e contestar seus arremessos, mas sua capacidade defensiva sempre foi mais evidente contra alas de força. Pivôs conseguem tirar proveito do fato de que ele não é uma MASSA DE MÚSCULOS, mas alas de força sofrem com o fato de que Davis consegue persegui-los até a linha de três pontos, se recuperar incrivelmente rápido após uma primeira tentativa de toco, é excelente nos tocos na cobertura e muito inteligente na hora de dobrar nos armadores durante um pick-and-roll. Estatisticamente, Davis melhora o ataque de seus times quando é pivô, mas melhora ainda mais a defesa da equipe quando joga como ala. Outra questão bizarra: o técnico Alvin Gentry decidiu que uma maneira de poupar seu jogador das constantes lesões que o assolam seria tirá-lo de dentro do garrafão, mas Davis reclama que se cansa muito mais marcando alas e tendo que caçá-los corta-luz atrás de corta-luz. Gentry chegou ao absurdo de decidir se Davis ou outro jogador seria o pivô numa determinada posse de bola dependendo de QUEM CHEGASSE PRIMEIRO no ataque ou na defesa, variando assim a toda posse de bola. É um clima de maleabilidade e instabilidade que obrigou Anthony Davis a se adaptar às duas posições e, de certa maneira, não permitiu que ele se acostumasse com nenhuma. Por um lado, Davis agora força os pivôs adversários a um pior aproveitamento nos arremessos do que os alas adversários quando os está marcando (44% contra 49%) e a defesa do Pelicans melhora essa temporada quando ele está de pivô; por outro lado, Davis tem um rendimento geral inferior às últimas temporadas em que passou mais tempo como ala de força.

Cousins, por sua vez, possui números defensivos difíceis de avaliar: já foi, estatisticamente, a âncora defensiva do Kings, jogador essencial para que a defesa tivesse números minimamente dignos; hoje, a defesa da equipe é pior quando ele está em quadra (e muito, muito pior quando ele está de pivô). Se o Kings tem saldo positivo com ele de pivô é só porque a melhora ofensiva com ele nessa posição é de quase 10 pontos em média por jogo, sinal de que ele é virtualmente imparável embaixo da cesta. Tudo isso vem, no entanto, em jogadas de isolação, quase sempre de costas para a cesta; se Cousins assume para si outros tipos de arremesso, especialmente as bolas de três pontos, é só porque seu time não dá conta de pontuar com consistência sem a bola estar em suas mãos.

Temos, então, o seguinte cenário: DeMarcus Cousins, num time com mais opções e talento, pode se ater ao garrafão, receber a bola de costas para a cesta e, possivelmente, comprometer a defesa da equipe com sua ausência de velocidade lateral e dificuldade de marcar fora do garrafão (embora sua proteção de aro seja razoável). Anthony Davis pode jogar defensivamente como ala, defender o pick-and-roll, perseguir adversários no perímetro e dar tocos na cobertura de Cousins, ainda que ache essa função mais desgastante. Com sorte, Davis pode ajudar defensivamente justamente naquilo que Cousins faz de pior. Mas encaixar Davis no ataque é a parte mais complicada: ele não enfrentaria, nessas condições, os pivôs adversários, teria menos jogadas no mano-a-mano e passaria menos tempo com a bola nas mãos, provavelmente tendo um papel maior de arremessador no catch and shoot com passes de Cousins. Trata-se de tirar Davis de suas zonas de maior eficiência simplesmente porque fazer o inverso (tirar Cousins do garrafão) causaria uma queda no ex-pivô do Kings maior do que aquela que Davis provavelmente sofrerá.

É claro que os dois jogadores são talentosos o suficiente para jogarem de maneira intercambiável, alternando funções, e isso até deve acontecer em alguns contra-ataques, mas acredito que isso deveria ser evitado simplesmente porque FINALMENTE essas trocas de posição NÃO PRECISA OCORRER. Davis só ficava pulando de uma posição para a outra porque Ryan Anderson, seu companheiro usual de garrafão, não conseguia defender pivôs; Asik, o pivô “oficial” da equipe, era incapaz de marcar qualquer um a dois passos da cesta e foi se tornando indesejado para a nova NBA. O mesmo vale para Cousins, que jogava afastado da cesta eventualmente porque faltavam jogadores capazes de espaçar a quadra e converter arremessos do perímetro. Agora é a chance de que posições sejam CRAVADAS NA PEDRA e os dois possam se acostumar com algum tipo de estabilidade. Não precisa nem dizer que toda a CARREIRA do Cousins no Kings foi pura instabilidade, brigas, trocas de técnico e rumores infinitos de troca, mas mesmo Anthony Davis viu seu time ter na temporada passada 42 formações diferentes no quinteto titular. Repita comigo: QUARENTA DOIS times diferentes começaram jogos para o Pelicans. Nem o Tetris tem tanta variedade! Se isso não é sinônimo de instabilidade num elenco, no meio de tantas lesões e mudanças de rumo, então não sei o que é.

Em geral, juntar estrelas num mesmo time exige sempre alguns sacrifícios. Mas estatisticamente parece que é Anthony Davis quem terá que abrir mão das zonas em que é mais confortável justamente por ser o mais versátil da dupla em termos ofensivos. A principal jogada de Davis é o pick-and-roll, já que ele é disparado o jogador da NBA que mais faz a jogada e recebe a bola depois em direção à cesta, mas isso será muito mais difícil de fazer se Cousins já estar posicionado no garrafão para atrair a marcação ou receber a bola. Ou seja: ou Davis transforma seu jogo e assume em definitivo uma posição de arremessador, uma espécie de Kevin Durant, e complementa as brechas de Cousins, ou o Pelicans terá que utilizar ASSIM DE REPENTE um pick-and-roll entre Cousins e Davis, com Davis partindo para a cesta e Cousins podendo arremessar ou infiltrar em seguida usando sua passada. É possível que funcione (arrisco mais: é possível que seja arrasador!), mas parece algo difícil de implementar tão de repente, sem tempo de treino ou pré-temporada. Mesmo os ajustes que Davis terá que fazer serão todos executados em tempo real, sem qualquer tempo para que a equipe azeite as movimentações ofensivas. O que temos é um time reinventado que terá que decidir ainda o que fazer com Jrue Holiday, que está tendo uma temporada fantástica (é o único jogador que, quando está em quadra, o Pelicans faz mais pontos do que toma), não é um bom arremessador e terá menos espaço para armar o jogo com Cousins precisando da bola no garrafão o tempo todo. Estando 2 jogos e meio atrás da oitava colocação, será que o Pelicans tem tempo para fazer as modificações necessárias? A princípio, se Anthony Davis fizer concessões, é possível que as coisas funcionem melhor do que o esperado, mas é inegável que o processo precisa de tempo, jogadores saudáveis e nenhuma encrenca nos vestiários – especialmente se as vitórias não vierem a princípio e os Playoffs não se realizarem. Será que o Pelicans dá conta de tantos fatores e variáveis?

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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